
por Alex Cabral Silva
Luísa já tinha bastante pó de tijolo em uma das antenas, antes mesmo da travessia começar. Estava segura e positiva, como de costume. Ao seu lado, Bia estudava atentamente por onde seguir naquele deserto de marcações verticais e horizontais, levando em conta as recomendações que se recordava ter ouvido da avó. Era um pouco mais alta que sua parceira, mas igualmente ágil. Por uma das faixas brancas que cobria boa parte de Suzanne, seguiram juntas em perfeita sincronia. Escolheram uma que conduzia a um possível caminho alternativo. Era escorregadia e, por alguns trechos, suja da terra que se via em abundância, por todo o lado.
Aquela jornada era sobre saber se posicionar, se mover na hora certa e não tirar seus olhos compostos daquela gigantesca orbe amarela que quicava pesado por todo o lugar. Escapar das tsunamis avermelhadas era igualmente fundamental.
A primeira linha branca que guiou o caminho levou até uma tela imensa de malhas quadradas presa por dois postes fincados na terra. Luísa se saiu muito bem naquela espécie de ponte que se estendia por boa parte do terreno. Enganchou suas patas primeiro e subiu se mostrando à vontade naquele espaço. Bia repetiu o gesto de sua parceira. Percorreram até onde foi possível, mas ventos repentinos as forçaram a descer e mudar de estratégia. Seguiram através de uma nova linha igualmente branca e um pouco mais curta, que no encontro de outra faixa similar, formava um T. Esses caminhos que pareciam iluminar seus rumos eram como avenidas para elas. Bia se movia de forma muito inteligente, por ali. Na maior parte do tempo, estava atrás de Luísa, um pouco à esquerda, sempre atenta. Atacaram as pistas que marcavam aquele campo arenoso, desde o início, porque entenderam ser uma tática conveniente. Não estavam alienadas aos riscos dessa escolha. O plano de ação para aquele dia era saber se ajustar a todas as situações possíveis.
O aparente progresso rápido, também ligeiro, revelou as múltiplas adversidades da travessia. Diversos golpes contrários ao avanço das duas, as levaram a se arriscar por outros atalhos. E crateras por todo o espaço deixaram aquela jornada mais sinuosa. Com frequência, escaparam de ceifadores emborrachados. Velhos conhecidos que, do alto, carimbavam o solo formando ranhuras, que para a dupla, eram como labirintos. Às vezes, os mesmos pareciam deslizar criando ondas que as afastavam momentaneamente. Mas nada se comparava com aquele emulado sol de feltro, que atingia o chão com força fazendo a terra subir e deformando o caminho até o outro lado. Escalaram alguns montes e fatiaram todo o percurso por trilhas que se desenhavam subitamente.
A dupla podia carregar tanto, mas dessa vez, não levavam consigo nada além do que uma vontade inabalável de se superar. Acreditavam que estavam prontas para aquele desafio e não trouxeram para aquele dia, sequer, a chance de pensar o contrário. Enfrentaram vendavais que escondiam os caminhos e as desafiaram individualmente. Mas encontraram soluções para tudo, juntas. Progrediram em etapas e vagaram por aquele deserto de areia escura acumulando êxitos e frustrações. A cada ponto conquistado ou perdido, reavaliaram seus métodos e escolhas que, inevitavelmente, prolongaram aquele desafio. Mas nenhum desses gestos foi inútil, diante da necessidade de compreender o que era preciso para vencer aquele duelo com elas mesmas. A pressão esmagadora vinda de cima também encontrava morada dentro delas.
Mal tiveram tempo para refletir sobre tudo o que tentou as conter desde que puseram suas patas em Suzanne. Se depararam com outra longa faixa branca, pelo caminho. Era como a primeira. Mas dessa vez, não percorreriam sua extensão. Bastava cruzar aquele pedaço igualmente invadido pela terra e estariam do outro lado, finalmente.
Não subestimaram o fim. O momento exigia a mesma seriedade do começo. E era precoce qualquer autocrítica sobre erros e acertos. Viveram aquele instante de definição concentradas e longe de aceitar a vitória antes da hora. Se colocaram a avançar desviando dos desafios constantes por todo o percurso e escaparam, num movimento corajoso, de um quique duplo daquela imensa esfera amarelada. Deixaram para trás uma nova cratera naquele deserto e, apressaram-se em direção a uma sombra provida por um banco, mais à frente. Em meio a garrafas e margeando uma imensa bolsa, deixaram Suzanne triunfantes, sentido uma forte vibração ao seu redor.
Os aplausos muito acima da conquista daquela dupla, eram um som comum da vasta colônia acomodada no interior daquela arena. O feito das duas estava além do alcance dos olhares de todos que festejavam ao fim daquela maratona.
Bia e Luísa acomodaram a satisfação por conta daquele triunfo, prontas e perseverantes para os próximos desafios. Tinham novas travessias pela frente. Ambicionavam mais. Quem sabe até chegar às estufas, no jardim botânico, naquela noite. Jeu, set et match.