
A verdade recomendada aos outros
por Alex Cabral Silva
Entre os mais próximos, Pedro era tido como um solucionador de todo o tipo de problema. Constantemente era requisitado para forjar uma razão, justificativa qualquer, para livrar amigos de compromissos futuros e esclarecer ausências em diversos eventos importantes. Era mais do que atento aos detalhes. Enxergava a composição de tudo. Sabia o que era preciso contar numa fala de desculpas por uma falta qualquer, seja no trabalho, num aniversário. O porquê é só uma parte do que precisava ser dito, explicava. Sabia dar veracidade ao que diversos amigos diziam para justificar ausências.
Quem estava junto, onde precisou ir, quanto tempo levou. Pedro criava, de forma coordenada, o que era preciso ser dito e feito, com muita naturalidade. Salvou, no entendimento dos amigos, muitos que não queriam estar com tipos desagradáveis em reuniões de confraternização do trabalho ou até mesmo numa viagem. Nem sempre viu suas ideias e sugestões serem seguidas à risca. Testemunhou o fim de alguns casamentos e algumas demissões diante do improviso de quem lhe consultou e decidiu incrementar suas recomendações. Não se sentia culpado por isso. Quando cobrado pelo fracasso alheio, explicava de forma didática como aquela verdade não convenceu. Sempre proveu a justificativa perfeita. Compreendia ser um criador de álibis. Nunca usou seus poderes com a intenção de prejudicar alguém e, mais importante, nunca fez uso, em benefício próprio.
Pedro sabia mentir, mas não precisava. Era capaz de simplesmente dizer o que queria ou não fazer. Nunca precisou contar uma história diante de um convite que demandava um sim ou não. Não era rude ou gratuitamente grosseiro, apesar de muita gente preferir desculpas, a verdade. Se não queria ir a algum lugar, não ia. O que não queria fazer, não lhe forçava a criar nenhuma história. Pedro sabia dizer não.
Não era de uma franqueza exagerada e não sofria de sincericideo. Conquanto fosse capaz de mentir tão bem, se ofendia quando lhe acusavam de ser um profissional do ofício. Era o cara mais verdadeiro andando por aí, ele achava.
A autenticidade ao dizer não ao invés de uma longa fala de justificativa, lhe proveu um grupo seleto de amigos. Uma confraria compacta de tipos indulgentes ao seu jeito de ser.
Pedro não se metia na vida de ninguém e só oferecia assistência quando convocado. Era solitário ser assim. Raramente refletia sobre os que criavam uma odisseia para esclarecer um questionamento simples. Não estava disponível para dar muita satisfação a ninguém.
Débora compreendia de forma especial a total indiferença de Pedro quanto a uma fala que poderia ser sincera demais para os padrões. Começaram a namorar tão logo se conheceram e a forma como a moça contava o seu dia ou qualquer outra atividade feita, era só uma das características que o rapaz apreciava. Estimava muito o companheirismo que encontrou ao lado dela e como ela relatava um caso do trabalho sem perder o rumo da história. Adorava passar horas deitado na rede de casa, enrolando com o dedo, o liso cabelo dela.
O quarto ano de namoro de Débora e Pedro foi o início de um capítulo definidor na relação dos dois. A advogada, cada vez mais mergulhada em sua carreira, se esforçava para conseguir estar com o namorado por mais tempo além dos fins de semana. Lhe trazia muita satisfação as horas que passavam juntos e as conversas ao balançar da rede da casa dele, também. Débora era muito atenciosa com Pedro. Os amigos do casal brindavam com frequência como os dois formavam um par agradável de se estar. Não agiam como os mais apaixonados da mesa nem os mais fotogênicos a se curtir nos telefones. Eram simplesmente uma companhia agradável um para o outro e para os que estavam em volta.
Pedro sempre teve da namorada um carinho que não correspondia na mesma proporção. Ela sabia o que deixava o rapaz feliz e lhe preparava surpresas variadas. Se esforçava em meio a uma rotina de muito trabalho para encontrar programas interessantes aos dois e, na maioria das vezes, lograva êxito com seus gestos. O que iam comer, assistir, era sempre sugerido por ela, considerando os gostos em comum descobertos ao longo dos anos. Viviam cada um em seu próprio apartamento e habitavam a casa um do outro, quando tinham vontade. Na maioria das vezes, com tranquilidade, desviavam de indagações comuns sobre quando seria o casamento e até mesmo a razão de ainda não morarem juntos. Mas Pedro parecia mais impaciente com esses questionamentos. Para alguns, não tão próximos, suas respostas curtas ainda eram entendidas como um sinal de irritação. Já para Débora, o que tinham e como viviam, era ótimo. O que seria do futuro, ela pensaria no dia seguinte quando acordasse. Não era atingida com os interrogatórios que começavam, de repente, entre chopes no fim do dia. Não acompanhava o namorado com frequência, nesses eventos. Ansiava por momentos em sua rotina intensa para poder se exercitar e adoraria ter Pedro junto dela, nessa atividade. Estava com um cara que a fazia muito bem estar. Gostava dele muito mais do que já disse e vivia aquele namoro na intensidade que dispunha.
Mas a rotina dos dois guardava momentos que Débora não apreciava muito. Um fim de dia no bar com os amigos, eventualmente, fazia muito bem, após horas em audiências. Mas ali estava um programa que ela notava se repetir demais. Usava de toda a paciência que tinha, para relevar algumas falas de amigos beberrões do namorado, depois de passar um expediente inteiro no escritório lidando com clientes demasiadamente prolixos e que mentiam descaradamente para quem tinha que lhes salvar de graves questões. As voltas para casa, após esses encontros no bar, algumas vezes terminaram em algo parecido com uma briga. Em falas breves e diretas se respondiam sobre insinuações lançadas ao abrir o portão, no elevador ou já perto de se deitar. O tema girava, majoritariamente, nas provocações feitas sobre quando seria o casório. Isso só aborrecia Débora, por conta de ver o namorado se levar sobre um assunto que dizia respeito exclusivamente aos dois. Aquela era uma pauta que fazia Pedro falar sem usar as próprias palavras. Com um nariz de cera imenso, o rapaz replicava as opiniões de seus amigos desprovidos de qualquer controle etílico. Seus respectivos sofás acomodaram o resto de sono de um dos dois, por algumas noites, por conta deste tema. Episódios como esse se repetiram e testaram a paciência da advogada inúmeras vezes, sempre apresentando uma versão irreconhecível de seu namorado lacônico.
As perguntas frequentes sobre quando trocariam alianças eram feitas mais pelos amigos de Pedro. Queriam presentear o rapaz com uma despedida de solteiro épica. Alguns achavam dever a ele por todas as vezes que o namorado de Débora salvou o dia, o emprego, ou o casamento de alguém. O tempo fez desse tema algo mais do que inconveniente. E Pedro seguiu levando essa agenda para a namorada.
Dela, sempre ouviu, num discurso breve, que se casar era algo que considerava pensar e decidir junto de Pedro e não dos amigos ébrios na mesa do bar.
O rapaz nunca gastou mais palavras do que precisava, até mesmo com a namorada. O quanto gostava dela e o que mais importante lhe disse, desde que se conheceram, externou verbalmente e através de alguns poucos gestos. Sua habilidade em oferecer verdades alternativas que salvaram tantas vezes seus companheiros de bar, junto de uma sinceridade um pouco mais forte do que a maioria suportava, fizeram dele alguém com dificuldades de expressar o que queria, eventualmente. Era uma espécie de efeito colateral de seu software interno, dizia seu velho amigo Adriano. Se conheciam desde a escola e Adriano era o único que Pedro ouvia com atenção, não importava quantas palavras o amigo usasse. Tinham os dois, uma criatividade excepcional. Mas Adriano usava a sua profissionalmente e era muito bem reconhecido por seu talento. Certa vez indagou a Pedro por que era tão difícil externar determinadas vontades que nitidamente afligiam o rapaz. Ser tão direto não fazia do velho amigo de Adriano alguém de posse eterna da certeza do que dizer.
Era flagrante aos amigos de verdade, que Pedro tinha algum incômodo reprimido e ainda sem palavras para externar. O que lhe afligia era um tema para participar com a namorada. Algo que dizia respeito aos dois, exclusivamente. E toda a vez que tentava falar a respeito, com ela, fazia contaminado com ideias dispensáveis e frustrantes, vindas da cabeça de seus companheiros de bar. Se reunia com eles a poucos quarteirões de seu apartamento. Tinham uma mesa própria por conta de pouco serem vistos fora daquele estabelecimento. Entre os que faziam companhia ao exímio criador de álibis, estavam tipos que escaparam, graças a Pedro, das mais diversas enrascadas e que falavam mais do que o rapaz suportava ouvir. Estavam na vida dele há tempo o suficiente para se acostumarem com as peculiaridades do namorado de Débora e não subestimavam a verdade que lhes era ensinada a dizer quando pediam ajuda ao amigo de poucas palavras. À sua maneira, Pedro se acostumou a eles, também. Depois de alguns chopes, relevava tanta fala gasta com bobagens dos companheiros de bar. Um desses fins de tarde do lado de casa, foi o ponto de virada na vida do rapaz.
Se tornou rotina, antes mesmo da primeira rodada chegar à mesa, os amigos de Pedro lhe sabatinarem sobre o casamento. Dentro de sua capacidade limitada, aquele grupo de homens que orbitava a vida do rapaz, dissertava a respeito do que julgavam saber sobre como uma mulher age numa relação. Até a saideira chegar, preencheram a cabeça de Pedro com todo o tipo de teoria descabida sobre razões para Débora não parecer interessada em se casar. Era um compilado inútil que não achou lugar de conforto na cabeça do rapaz. Mas por mais que fosse dotado de uma capacidade singular de dizer o que pensa, em poucas palavras, levando em conta suas opiniões fundamentadas no que observava, especialmente, os detalhes constantemente ignorados, Pedro era um homem como qualquer outro. Logo, foi golpeado facilmente em seu orgulho por um amigo que degustou alguns chopes a mais. A insinuação feita por último silenciou a mesa e Pedro nem viu quem fez o gesto que trouxe a conta. Se levantou sem ouvir ninguém concordar ou discordar sobre Débora ter outro.
Acomodando os tantos chopes que bebeu sem prazer algum, Pedro bateu à porta da namorada bem tarde. Tinha a chave, mas agiu como se fosse uma visita qualquer. Acordou a advogada que mal começara um sono merecido após um dia desgastante e a colocou no pesadelo de discutir a relação, de repente. Débora tentou se lembrar quando havia escutado Pedro falar tanto. Ele detalhou o que queria dizer e não usou as próprias palavras, o que diante do tema apresentado, irritou a moça. Ela o indagou por que não trouxe a banca que discutiu aquela tese com ele e lhe ofereceu a oportunidade de conversar a respeito da suposta infidelidade dela, depois. Com calma, deixou de lado a acusação que lhe foi feita e mostrou a Pedro que os quatro anos juntos, não analisariam ali, naquele momento, com uma das partes incapaz de falar por si. O rapaz redizia as bobagens que escutou e isso mais do que ofendeu a namorada. Ela deixou claro que nem mesmo o sofá estaria disponível para que ele se acomodasse e se preparasse para a ressaca do dia seguinte. Apontou a porta para Pedro que guardou a grande surpresa daquela noite para o final. Surpresa, talvez, muito mais para ele mesmo. Incrementou o que ouviu sobre a possível traição da namorada e a questionou se lhe foi oferecido o sofá porque a cama não acomodaria três. Devagar, Débora foi até a porta antes apontada e a deixou aberta para o cara que improvisou na própria cabeça o que falar se levando pelas opiniões de um grupo que nunca soube o que dizer. Com o seu ego ferido, Pedro escolheu admitir à namorada que não estava magoado com o que ela supostamente fez. Que o tempo juntos era muito tempo já. Que se ela se entediou da relação deles, não estava sozinha. A fila também andou para ele. Havia encontrado a empolgação de uma nova relação e estava muito feliz com… Beatriz. Era justo, pensava, que ela soubesse disso, em nome do que viveram. Pedro desandou a descrever sua nova namorada para uma Débora exausta que se sentou no sofá e encarou aquele irreconhecível já ex-namorado, para ela. Escutou sobre os longos cachos do cabelo da moça e de sua carreira bem sucedida como assessora de imprensa. Vivia, seu novo amor, a maior parte do tempo em casa, trabalhando de home office e com muito mais tempo para estar junto dele. Ela levava uma vida saudável que ele estava empolgado em passar a ter, também. E que estava certo que era quem ele queria vivendo com ele e que seja lá quem estivesse na vida de Débora, agora, Pedro desejava felicidades aos dois. A advogada agradeceu e seguiu para o próprio quarto. Ainda ouviu um arroto de Pedro antes dele bater à porta ao sair.
O despertador teria sido mais suave se fosse a primeira coisa a ouvir naquela manhã. O som do liquidificador amplificado pela ressaca já aguardada tirou Pedro da cama, devastado pela noite passada. Nem foram tantos chopes assim, chegou a pensar a caminho do banheiro. Recolheu peças íntimas que não se recordava ter visto Débora usar, antes. Estavam espalhadas pelo chão e se ateve a elas até o som do liquidificador cessar. Do quarto para a cozinha vagou de forma sofrida, derrotado pelo ontem que tentava organizar naqueles primeiros minutos desperto. Arrastou seus passos pelo apartamento até flagrar uma mulher empolgada, suada e revigorada, que saboreava uma vitamina numa paleta de cores fascinante. Sua disposição era invejável e igualmente irritante, naquela hora da manhã. Ao avistá-lo, ela se encostou na pia e de imediato garantiu a Pedro que no dia seguinte, ele não escaparia da corrida. O rapaz observou intrigado a bela moça atlética que preparara, em sua cozinha, um café da manhã obscenamente saudável e com opções de frutas inidentificáveis. Com o cabelo de lindos cachos preso, ela beijou o rapaz e desejou que ele gostasse do que preparou. Se ausentou em direção ao quarto e fechou a porta. Sentado a mesa da cozinha com um café da manhã de hotel, Pedro se serviu de um suco processando aquele momento de forma lenta, na velocidade disponível em seu estado.
Ficou na cozinha até ouvir a deslumbrante intrusa sair do quarto, arrumada e pronta para o trabalho. Ela ligou seu tablet na mesa da sala e prometeu a Pedro que tentaria terminar o que tinha que fazer a tempo de saírem para comer algo. Alegou que seu cliente era um tanto imprevisível. Pedro a indagou sobre o tal cliente. E ela se conteve a dizer somente que se tratava de um cliente novo, como já havia lhe avisado. O rapaz ganhou mais um beijo lançado à distância e observou aquela mulher que nunca tinha visto antes, tão confortável em seu apartamento.
Fazia tempo desde a última vez que Pedro ligou para Adriano. Seu velho amigo lhe atendeu de imediato e notou a voz aflita do rapaz. Falaram sobre eventos recentes e o ex-namorado de Débora não mencionou a última conversa que teve com a advogada. Nem mesmo citou a moça que se revelou bem a vontade em sua casa naquela manhã e que não sabia o nome. Propôs a Adriano um café no centro da cidade porque precisava da segurança de algo que sempre lhe fazia muito bem. Uma conversa com Adriano nunca era em vão. Sempre extraia algo fundamental e importante de seus encontros, apesar do velho amigo não tomar café, sacrilégio que Pedro perdoara há tempos. A ligação acabou com o toque da campainha.
Uma decidida Débora entrou ligeira e sem muitas palavras. Foi até o quarto seguida de Pedro. O rapaz desejou que ela não visse Beatriz ali, tão confortável em sua casa, mas tudo estava indo numa velocidade além de sua vontade. Débora atravessou o apartamento ignorando a moça que pareceu não lhe notar de volta enquanto participava de uma chamada de vídeo, sentada à mesa da sala. A advogada recolheu roupas e diversos itens pessoais, seus. Pedro botou reparo que nada da mulher de belos cachos pareceu chamar a atenção da ex-namorada. Sim, ele sabia que agora era assim que deveria se referir a ela. Do pouco que se recordava, até aquele momento, da visita que fez na noite anterior, tinha certeza que arruinou a relação dos dois, pelo menos. Arrumada para mais um dia de trabalho, Débora trouxe uma bolsa grande e guardou seus pertences sem nenhum interesse aparente de conversar com Pedro. A vida seguiu para ela, pensou o rapaz. Na porta, antes de ir, deixou sua chave ao lado das correspondências e ergueu a mão para o ex, que buscou um chaveiro e destacou uma chave em sua posse, que compreendeu não ser mais merecedor. Lançou seu olhar para aquelas duas mulheres que não se reparavam, intrigado. Para a advogada, a noite de ontem não carecia nenhuma conversa adicional, nenhuma explicação além do que foi dito. Pelo menos ela entendia que na lógica de Pedro, o que mais falar depois de ser acusada de traição por alguém que admitiu estar entediado? O quanto Pedro bebeu, o quanto se levou pela conversa com os amigos, nada disso faria diferença agora. Débora foi acordada para um episódio lamentável, decepcionante mas elucidador. O homem de poucas palavras se viu diante do lado de quem não escuta o quanto precisa ou acha que merece ouvir. Sua companheira de quatro anos, o deixou à mercê do que era capaz de se recordar da noite passada e desejou felicidades a ele e a tal Beatriz. Fechou a porta e deixou Pedro no meio da sala, agora ciente, de como chamar corretamente, a invasora de belos cachos que seguiu trabalhando absorta e totalmente indiferente àquela visita de Débora.
No fim do dia, angustiado com tudo o que se passava, Pedro encontrou com os amigos no bar. Não os acompanhou no chope, mas os participou do fim de sua relação. Ouviu simulacros de lamentações e apoio, especialmente, de quem teorizou contra Débora e estimulou a imaginação de Pedro. Não admitiu que estavam errados, mas também não negou se ela poderia ter outro, como lhe foi sugerido naquela mesma mesa na noite passada. Estava irreconhecível, para os amigos que escolheram lhe festejar a solteirice, a perguntar se estava bem. Notaram que o rapaz parecia preocupado com a hora. Pedro se pegou pensando se a assessora de imprensa que despachava de sua casa já teria terminado seu dia de trabalho. Se estaria lá quando voltasse e como ela entrou no apartamento, afinal. Como o encontrou? O grupo cessou a conversa quando o celular dele acusou uma mensagem. De nada valeu tentar se erguer ou se afastar para ouvir o áudio recém-chegado. Todos escutaram a voz de Beatriz, perguntando onde ele estava e informando que tinha desligado o tablet. O fim da mensagem explodiu a mesa. Elogios dispensáveis e a figura exaltada de Pedro, pelos parceiros ali, deixaram o rapaz mais desconfortável ainda. Se limitou a escrever de volta sua localização enquanto era questionado sobre quem era a dona da voz e ouviu todo o tipo de intromissão em sua vida até avistar entrando no bar, Beatriz. Ela estava deslumbrante com os cabelos soltos e lhe cumprimentou com um beijo carinhoso. O resto da mesa se apresentou a uma moça simpática que acenou para todos. O chope, ofertado a ela, foi negado, ao perceber que Pedro não estava bebendo. Pediu o mesmo que o rapaz e encarou aquele grupo com uma expressão afável. Sobre como se conheceram, cobrou de Pedro com um olhar porque ainda não havia contado aos amigos. Ficaram em silêncio por um instante, até o rapaz perceber que cabia a ele esse relato. E ele detalhou bem aquela nova história. Foi minucioso sobre como se conheceram quando ele tentou começar a se exercitar, correndo na ciclovia. Sobre ela ser uma assessora de imprensa bem sucedida e estar atendendo agora um jogador de futebol. A identidade do atleta, que Pedro também não sabia, foi ocultada, apesar dos apelos da mesa. Beatriz outorgava tudo o que era dito a seu respeito pelo ex-namorado de Débora. Não falou muito na companhia dos amigos do rapaz e acrescentou alguns poucos detalhes àquele relato bem feito e espontâneo sobre o início da relação dos dois. As palavras da assessora de imprensa eram a mais perfeita descrição do que Pedro tinha em mente.
Enquanto se alongava, Pedro reparava como estava deslocado ali entre os que, desde cedo, se exercitavam. Na ciclovia, começou a correr num ritmo devagar e por boa parte do percurso via ao seu lado Beatriz, sua grande incentivadora. Se divertia ao conversar com ela e apreciava seu jeito objetivo de se referir a quase tudo. Não usavam fones de ouvido como a maioria e o som que interessava a Pedro ouvir, era qualquer coisa que Beatriz tivesse a dizer. Mas a moça falava mais quando provocada pelo rapaz. Sua imersão naquele momento, foi notada por Adriano, que do ônibus que passava, o reparou na ciclovia. O novato atleta, percebeu olhares de quem vinha no sentido contrário, a sua primeira corrida.
Beatriz falava empolgada sobre o jogador que estava atendendo e como o nicho era desafiador, porém, interessante. O atleta, agora cliente da moça, era exatamente quem Pedro imaginava que poderia ser. Segundo a assessora de imprensa, ela nunca havia trabalhado na área de esportes e isso surpreendeu Pedro. O rapaz também ficou intrigado por ela lhe perguntar o porquê de sua surpresa.
Desde que surgiu em sua vida, Beatriz rapidamente se instalou numa rotina de harmonia com Pedro. Faziam coisas juntos que agradavam aos dois. Se tornou comum correrem pela manhã e ela sempre se juntava a ele, nas idas ao bar com os amigos que já estavam bastante enturmados com a repentina nova companheira do rapaz. Namoradas, esposas e amigas de amigos, eventualmente se juntavam ao grupo e, nas mesmas, Pedro identificou expressões de incômodo com a frequência em que ele falava por Beatriz. Mas tudo o que Pedro sabia era a partir do dia que ela eclodiu em sua casa. Não dividira com ninguém pormenores do surgimento da moça, mas considerava partilhar com Adriano os detalhes daquela aparição em sua vida. Nesses encontros não tinha mais a companhia de amigos de Débora, que já sabiam do término do namoro. Mas num desses chopes no fim da tarde, Pedro viu a ex-namorada passar, na calçada do bar. Se fitaram naquele dia que ele se encontrara com os amigos, junto de Beatriz, a única mulher da mesa. Os dois se acompanharam com os olhos até se perderem de vista.
As semanas desde o rompimento com Débora, foram de total alienação a respeito da ex-namorada. Vê-la passar na calçada foi o último contato entre os dois. Pedro não sabia e nem buscou por notícias da ex. Se ateve a se dedicar a sua relação com aquela mulher que lhe partilhava sobre sua vida quando questionada por ele. Beatriz não dividia, reportava, por conta própria, nada pretérito ao dia do surgimento na casa do rapaz. Logo, o ex-namorado de Débora passou a lidar com a condição de ser como quem espera ouvir algo de quem pouco demonstra vontade de falar mais.
Essa nova vida com alguém que parecia não ter vida alguma antes do rompimento com Débora, parecia mais feliz aos olhos dos outros. Mas os dias convivendo com a corredora lentamente angustiava Pedro. Beatriz era uma presença detalhada que ele forjou e que convencia os que estavam em volta, que era real. Tão simples como um relato sobre o que dizer, que sugeria aos amigos que não sabiam o que falar, o rapaz criou uma personagem que era como a tal verdade que recomendava aos outros. Pedro assumiu, muito a contragosto, que Beatriz era, de fato, uma mentira que alocou em sua vida. E ela não deixaria sua casa, de repente, por conta dessa admissão que ele fez a si mesmo.
O café marcado com Adriano finalmente encontrou sua chance, em meio a rotina de Pedro com a assessora de imprensa. Beatriz trabalhava bastante, mas se fazia presente no dia a dia do rapaz muito por conta do quanto ele detalhou aos amigos no bar, sobre como era viver com ela. Sua casa já era um lugar bastante confortável para a moça e parecia mais dela do que dele, às vezes.
Adriano chegou um pouco antes, porque veio de metrô. Conquistou uma mesa naquele ambiente particularmente cheio naquele dia e apesar de todo o falatório em volta, conseguiram se ouvir. O velho amigo de Pedro lamentou saber sobre o fim da relação com Débora. Se recordara de quando se conheceram e partilhava da opinião de muitos, que os dois juntos formavam uma companhia muito agradável de se estar. Se surpreendeu ao saber de Beatriz e sobre ela estar vivendo na casa do rapaz. Perguntou sobre como ele estava, antes de tudo. Não o questionou sobre a rapidez desse enlace ou nada do tipo. Adriano não sabia ser intrusivo e desde que se conheceram, Pedro não se recordava de testemunhar nenhuma fala inconveniente dele, também.
Aquele Café bem guardado entre tantos prédios, bem ao lado do metrô, também era um lugar que Pedro habitou bastante na companhia de Débora. A cidade nem sempre muda por conta das mudanças em nossas vidas. Os espaços preferidos seguem como representações das memórias que resolvemos guardar. E em meio a todo aquele povo ali dentro, naquele dia, respondeu sobre como era Beatriz, pensando nas vezes que ali esteve, com sua ex-namorada. Relatou a Adriano sobre o trabalho da assessora de imprensa e de estar se exercitando pela manhã. E no liquidificador de tudo o que queria partilhar, tentou fazer uma descrição da aparência da nova namorada misturado com a personalidade dela. Falou de seus lindos cabelos lisos e de como ela era compreensiva com esse jeito dele de ser entregador de poucas palavras. Dos cochilos no balançar da rede e sobre ela se preocupar em considerar programas que fossem satisfatórios aos dois. E de como juntos eram apreciados pelos mais próximos por demonstrarem o quanto desfrutavam da companhia um do outro. Para ele, ela era tão incrível que não parecia real. O breve encontro terminou com a promessa de um novo bate-papo para logo. Na plataforma, antes de embarcar de volta, Adriano lembrou de não ter mencionado que viu Pedro na ciclovia, correndo sozinho, há algumas semanas. E o velho amigo também não disse que a descrição da relação com Beatriz, parecia ser a que o rapaz tinha com Débora, em alguns momentos.
Beatriz estava em casa quando Pedro chegou. Confortável na rede, anunciou que o jantar já estava a caminho. Não soube dizer o que pediu, mas ao ouvir o que Pedro gostaria, admitiu repentinamente que era o que iriam comer naquela noite. Ela não entendeu quando o namorado perguntou o que ela fez no cabelo. Não se notava mais os lindos cachos da assessora de imprensa. E era inédito ela ali, deitada a balançar, desde que apareceu naquele apartamento. Mais tarde, Pedro fez um novo pedido de jantar, substituindo o de Beatriz, que nunca chegou. No dia seguinte, o chope no fim da tarde reuniu o grupo de amigos que não pareceu notar diferença alguma no penteado de Beatriz. Agora um longo e liso cabelo que às vezes ela prendia.
Mais do que até onde as verdades sugeridas aos amigos alcançava, Pedro nunca considerou quem de fato era capaz de vivê-las. Uma história falada para quem não a testemunhou, dava ao ouvinte somente a possibilidade de imaginar o além daquele relato. E Pedro era mestre em preencher espaços com detalhes que faziam qualquer explanação parecer impossível de se questionar. Beatriz era a materialização do que Pedro falou. Era o que contou a alguém e que, agora, existia ao seu lado, correndo nas primeiras horas do dia e confraternizando com amigos. Dormindo na rede e tomando café da manhã juntos, diariamente.
Intrigado quanto a extensão da história que criou para si mesmo, marcou um encontro com os amigos através de uma mensagem coletiva. Avisou que Beatriz não poderia os acompanhar. Por todo o tempo que esteve com os companheiros de mesa, observou se a namorada chegaria de repente. Não especificou a razão da ausência e limitou-se a dizer que ela teve um imprevisto. A encontrou em casa, mais tarde, lamentando por não ter conseguido ir. A perguntou por que não apareceu por lá. E ouviu dela que infelizmente teve um imprevisto. Quando questionada sobre o que a impediu de ir, Beatriz não soube dizer.
No café seguinte, não tanto tempo depois do último, Adriano aproveitou a oportunidade para externar sua opinião sobre como via Pedro naquele momento. Eram amigos há muito tempo. E amizades assim, não demandam revelações e muitos desabafos. Algo de errado, se notava no andar, nos movimentos. Mentiras, ocultações, não achavam lugar a mesa, entre eles dois. O rapaz resistiu a ideia de que parecia aflito e seguiu sem confessar que estava num relacionamento com uma moça que idealizou e personificou para colocar ciúmes na ex. Dentro de si, tentando se esconder, estava a vergonha de ter feito isso depois de beber demais e ouvir outros bêbados. De ter acabado uma relação honesta e de muito companheirismo daquela forma. Pedro sabia exatamente o que ouviria de Adriano, se lhe participasse esses detalhes. Não duvidava que o amigo acreditaria que uma moça surgiu repentinamente em sua casa depois que a inventou para tentar fazer ciúmes na namorada. Tinham um respeito grande pela criatividade um do outro, mas Pedro agora era vítima da própria imaginação. Buscava se acomodar na cadeira quando pensava na situação que criou. Beatriz não tinha mais os cachos de quando se revelou primeiramente. Seu penteado agora liso, lembrava muito o de Débora. O mesmo que ele adorava enrolar com o dedo deitado a rede com a advogada, ouvindo ela falar sobre casos em que atuava com um senso de sinopse perfeito.
Das obviedades que não poderia ignorar, sobre o fim do namoro com a advogada, estava a que, se ele queria propor que morassem juntos, bastava ter lhe perguntado se ela queria isso também. E isso não tem nada a ver com alianças, cartórios, despedidas de solteiro. Com Beatriz pulou a parte da dúvida se tal convite seria aceito. De repente estava experimentando a simulação do que poderia realmente estar vivendo. E a cada novo relato aos outros, a respeito de sua namorada atual, notava, ao chegar em casa, o quanto estava transferindo a vontade de estar com Débora para Beatriz. Pedro deu ouvidos a quem nunca foi capaz de resolver suas próprias questões. O quanto isso lhe custou, já sabia. Agora, se tratava de desmentir aquela realidade. Das conversas com Adriano, tinha bem destacado na memória que, de fato, uma mentira muito repassada, se torna rapidamente uma verdade convincente. Seu velho amigo, diante de relatos sobre o que Pedro entendia como uma ajuda a quem não consegue se expressar, alertou que a mentira é uma espécie de ideia viral. Mais rápido do que qualquer antídoto capaz de exterminá-la, ela se espalha e declara total independência de quem a criou. Era preciso estar atento às ilusões que construímos aos outros mas, que mais enganam, a nós mesmos. Adriano nunca julgou Pedro por fornecer o que na cabeça do rapaz, eram verdades alternativas. Mas sempre o lembrou, quando pertinente, do custo disso, para os outros. O rapaz se despediu do velho amigo pensativo sobre ter sido visto por ele correndo sozinho, na ciclovia, certa vez. Essa era uma atividade que não havia experimentado sem a companhia de Beatriz. No caminho para casa, se arrependeu de ter dito a Adriano sobre sua aflição não ter relação alguma à vontade de longa data de convidar Débora para morar com ele. Adriano o conhecia há muito tempo. E era imune a falsas verdades.
Na porta de seu prédio, Pedro encontrou a ex-namorada. Ela estava com a bolsa que levou seus pertences recolhidos na última visita. Mas agora, trazia os de Pedro. O rapaz chegou a pensar que um novo namorado não gostaria de flagrar resquícios da relação anterior pela casa dela. Mas não havia namorado algum na vida da advogada. Ela foi cortês, com o rapaz. Perguntou como ele estava e como estava Beatriz. Pedro disse que estava bem mas Débora não confiou muito nisso. O rapaz não sabia mentir sobre si mesmo. Ainda mais, com ela. Garantiu a ex que sua rotina continuava a mesma, apesar dos exercícios logo cedo, pela manhã. E que seguia encontrando os amigos no fim do dia para alguns chopes, às vezes, na companhia de Beatriz. Era ela ao seu lado quando Débora passou pela calçada, afirmou Pedro. Pensou em mencionar que era ela também em sua casa, depois do último encontro entre os dois e que Débora pareceu ignorar totalmente a presença da assessora de imprensa no apartamento. Recuou dessa ideia ao ouvir a advogada dizer que não a notou ao lado do rapaz no bar, naquele dia.
Entre a dúvida se Débora quis ou não ver o que tinha de Beatriz espalhado em seu apartamento e até mesmo a presença da moça por lá, assim como ao seu lado no bar, Pedro não podia ignorar, também, que Adriano parecia não ter notado sua nova namorada correndo ao seu lado, quando passou de ônibus. Igualmente refletiu sobre como desejou instantaneamente que Beatriz não visse Débora entrando em seu apartamento, no dia que a ex recolheu seus pertences.
Não havia lugar para as pessoas mais próximas e que lhe conheciam muito bem no elenco da história que inventou para atingir Débora. A namorada que nunca lhe deu uma mensagem torta. Que sempre foi franca e direta como ele e que a julgou baseado nas ideias de caras incapazes de apreciar genuinamente a relação que ele tinha com ela. Caras que sempre recorreram a Pedro para inventar explicações no trabalho e em seus casamentos. Caras que mentiam usando os detalhes que bem aplicados, se faziam verdades para os outros.
Tudo o que veio depois de ouvir aquela insinuação venenosa era inaceitável, tratando-se de Pedro. Para alguém sempre atento às particularidades de um relato, cair numa ilação daquela seria no mínimo irônico, se não tivesse gerado tanto estrago.
Pedro acomodou a bolsa com seus pertences do passado com Débora recém-devolvidos na mesa de centro. Avistou Beatriz na rede. Ela parecia sempre se acomodar nos lugares das melhores lembranças com sua ex. Se agachou diante daquela moça imaginada, que veio à tona num momento de ciúmes sem motivo algum, por conta de uma suspeita infundada. A presença de Beatriz era uma herança da relação que Pedro implodiu de forma estúpida. Tentava ressuscitar a esperança de que poderia voltar com Débora, mas qualquer tentativa exigiria mais do que um simples pedido de desculpas. Estava diante de uma situação em que ele não poderia se privar das palavras. Era essencial colocar o que afligia para fora e pensou em começar admitindo a Débora primeiro. Aquela mentira foi contada a ela. Só assim, Beatriz deixaria, sua rede, as corridas em conjunto, os cafés da manhã saudáveis e os tantos chopes que já estava na hora de reconsiderar. Pedro se afastou da assessora de imprensa que se balançava na rede. Beatriz o acompanhou com os olhos até ele deixar o apartamento. O rapaz decidiu tentar um recurso que anulasse a sentença que ele mesmo construiu para o melhor relacionamento que já teve.
Num mapa muito real de prováveis resultados, Pedro encontraria a compreensão de Débora com suas explicações. Pelo menos, era o que queria acreditar. Estava inseguro se seria capaz de organizar em palavras suficientes tudo o que tinha a falar. Mas tinha fé em sua sinceridade. Já era muito antiga a vontade de convidar Débora a juntar as escovas de dentes por tempo indeterminado. E mal sabia ele que por quatro anos, esteve na companhia de uma mulher que muito provavelmente teria aceitado aquele convite. Que partilhava do prazer de estarem juntos. Que era tão incrível e, melhor ainda, era real. Débora abriu a porta para o ex sem muitos questionamentos. O escutou detalhar sobre a noite em que bebeu mais chopes do que era capaz de administrar. Sobre não ter nenhum motivo para suspeitar que ela tinha outro e que tédio, nunca teve lugar na relação deles dois. O rapaz falou mais do que na última noite em que esteve lá e muito mais do que em qualquer outro momento que a advogada se recordava. Mas Débora o conteve bem antes dele concluir. Ofereceu ao ex que não gastava justificativas, nem desculpas em vão uma resposta única para tudo o que ela poderia presumir que ainda estava por ser dito. Sobre ele ter errado em julgá-la baseado nas ideias de seus amigos e ter agido como um moleque. Sobre, possivelmente, pedir desculpas, perdão, uma oportunidade, uma chance. Débora serviu a Pedro um simples: Não. Sua falta de capacidade de falar com suas próprias palavras sobre um tema tão importante, atingiu a última instância da tolerância da moça. Não cabia mais recurso para quem se levou pelas conversas no bar. Tinham algo incrível. E para Débora, estavam esgotadas as chances de Pedro poder apelar por uma nova tentativa, também.
Não havia lugar para alguém que queria tomar decisões sobre eles dois, considerando o que os outros achavam melhor para eles, em sua vida.
Pedro encontrou seu caminho de volta depois da resposta seca, direta e sem qualquer esclarecimento que, sabia, não merecia mesmo ouvir. Ainda teve tempo de dizer que Beatriz não existia. Que diante da ideia de estar sendo traído, reagiu criando uma outra relação que na verdade nunca foi real. Débora desejou felicidades ao rapaz com a mentira que criou para afagar o próprio ego.
A rede parada deteve a atenção de Pedro assim que entrou em casa. O apartamento não guardava mais vestígio algum da presença de Beatriz. Libertou aquela mentira, pensava. Restabeleceu a verdade, considerou. Colocou-se a ouvir mensagens dos amigos que já estavam no bar, o convocando para encerrar o dia. E deixou para reconsiderar a rotina de chopes quase diários, para o dia seguinte. Da calçada do bar avistou a mesa cativa já tomada pelos companheiros. Notou uma convidada com cabelos cacheados brindando junto.