
Ópera do Meio-Dia - A Italiana em Argel, comédia de Gioachino Rossini
JP – Olá, Cyrano! Quais são as suas expectativas para o cargo de maestro titular do Coro do Theatro Municipal do Rio de Janeiro?
É uma honra imensa assumir esse cargo. O Coro do Theatro Municipal tem uma trajetória belíssima e uma força artística que impressiona. Com mais de 90 anos de história, foi reconhecido como um dos cinco melhores Coros do mundo pela revista internacional Opera News, e carrega uma tradição de excelência que inspira qualquer maestro.
Minhas expectativas são altas, porque acredito profundamente na potência desse grupo. Quero contribuir para que o Coro siga como referência artística, mas também se renove, se expanda e seja descoberto por novos públicos — dentro e além do Theatro. Tenho o desejo de que as vozes maravilhosas que compõem o Coro sejam ouvidas com novos ouvidos, tanto por quem já o acompanha quanto por quem ainda vai ter a oportunidade de se encantar com ele.
Desde que assumi a preparação do Coro nas produções recentes, o grupo tem recebido muitos elogios, o que para mim é um termômetro valioso da direção que estamos trilhando juntos. Em agosto completamos um ano de convivência e posso dizer que estou apaixonado pelo Coro: pela dedicação dos artistas, pela entrega coletiva e pelo potencial artístico que se mostra cada vez mais impactante e entusiasmado. Como maestro, trago minha identidade sonora, meu jeito de ser e conduzir os ensaios, mas é no diálogo e no trabalho diário com essas vozes que construímos algo realmente único.
JP – Quais são os projetos que você pretende desenvolver junto ao Coro?
Na verdade, já estou desenvolvendo um projeto muito especial junto ao Coro, além das grandes produções que integram a programação do palco do Theatro. Recebi da presidente Clara Paulino a confiança para assumir a Curadoria e Direção Musical do projeto Ópera do Meio-Dia, criado especialmente para o Corpo Artístico Coral, que há mais de uma década não era realizado e que agora retorna com força total.
As apresentações acontecem de forma gratuita, na escadaria interna do Theatro, em versões reduzidas de grandes óperas do repertório mundial, preservando sempre sua força musical, sua essência narrativa e a dramaticidade central das obras. Já apresentamos Don Pasquale, L’Italiana in Algeri e a próxima será Turandot. São títulos escolhidos com muito cuidado, que encantam o público pela beleza das histórias, pela leveza, humor ou densidade das tramas e pela música impactante, que aproxima a plateia do canto lírico em sua essência.
Este projeto é, para mim, uma realização artística e afetiva. Representa a valorização dos artistas que compõem lindamente o nosso Coro, a formação de plateia e o fortalecimento do vínculo entre o público e o Theatro, ao aproximar a ópera das pessoas e expandir os espaços utilizados pela própria Casa.
JP – Quando você começou a se interessar pela música?
Desde muito pequeno, fui incentivado pelos meus pais a cantar e a ouvir música. Meu pai tocava à noite, minha mãe cantava com ele, e os dois eram responsáveis pelo coro da igreja, onde eu cresci cantando, observando e aprendendo. Eu amava música. Sempre amei.
Eu ouvia os comerciais da televisão e guardava tudo de ouvido. Aquilo me fascinava.
Um dia, no ensaio do coro em que fui precocemente inscrito, de tanto que eu gostava de cantar, o maestro Ruy Capdeville ensinou as vozes de cada naipe. Ao final do ensaio, fui até o piano e comecei, intuitivamente, a tocar as melodias que tinha acabado de memorizar de cada naipe — reproduzindo as quatro vozes simultaneamente ao piano, só com a memória auditiva.
Ele se aproximou, impressionado, e perguntou desde quando eu sabia ler partitura, pois achou que eu estava lendo. Eu disse: “Não sei ler, não estou lendo nada, nunca li.”
Surpreso, na mesma hora o Ruy me levou de carro até a única escola de música da cidade, me matriculou, e depois foi até minha casa contar aos meus pais o que tinha acontecido. Disse que não podia deixar um talento como aquele escapar, e que ele mesmo havia pagado meus estudos até que eu completasse a idade para prestar vestibular de música no Rio de Janeiro. Ele sabia das condições da minha família e que, se não fosse por ele, eu não teria como bancar meus estudos. Queria me ajudar porque acreditava que eu poderia ser um grande músico.
Eu devo muito a ele. Ele acabou se tornando, obviamente, meu padrinho de crisma — e da vida também.
Sempre tive a sensação de que a música, de fato, me escolheu. Desde então, nunca me vi fazendo outra coisa. Sinto-me pertencente a esse lugar desde muito cedo, e isso me completa como ser humano e como artista.
JP – Como se deu a sua formação na área? Tem especialização?
Minha formação foi intensa e plural. Sou formado pela UFRJ, onde estudei com mestres que me marcaram profundamente. Fiz cursos em regência, canto, piano, composição, além de muitas oficinas e experiências práticas em ópera, canto coral e música de concerto. Trabalhei como maestro preparador em várias montagens e sigo aprendendo a cada ensaio, a cada estreia. A música é um ofício que exige estudo constante.
JP – Quais são as suas referências (teóricas e práticas)?
Minhas referências foram sendo construídas com muito estudo, escuta e prática ao longo de muitos anos. Rejo desde os meus 15 anos, o que me deu uma bagagem prática sólida e precoce, tanto à frente de corais quanto de orquestras. Tive o privilégio de aprender com mestres que marcaram minha trajetória de forma decisiva, como Maria José Chevitarese, Valéria Matos, André Cardoso, Ernani Aguiar, Ricardo Rocha e Júlio Moretzsohn — nomes com os quais pude conviver no dia a dia e me ensinaram sobre musicalidade, clareza interpretativa, ética artística e a importância do gesto consciente na regência.
Também fui profundamente impactado pelo maestro alemão Martin Schmidt, com quem tive aulas transformadoras e que me influenciou não apenas tecnicamente, mas também na maneira de pensar a profissão e a forma como o gesto pode moldar o som. Além dele, participei de cursos e masterclasses com outros importantes nomes internacionais da Alemanha, Suécia, Noruega e Estados Unidos, que me ajudaram a ampliar minha visão sobre o repertório e sobre o papel do regente como elo entre compositor, partitura e intérprete.
Na prática cotidiana, continuo aprendendo com colegas de palco, cantores, pianistas e músicos com quem tenho a alegria de conviver. A vivência diária ensina muito — e sigo acreditando no aprendizado como parte essencial da minha caminhada.
JP – Quais são os seus compositores preferidos no âmbito da música erudita?
Sou bastante eclético e apaixonado por música de qualidade, seja qual for a formação. Bach é uma referência sólida e atemporal, base fundamental para a compreensão da música ocidental. Mozart, Beethoven, Mendelssohn, Brahms, Tchaikovsky — todos muito marcantes, cada um com sua força expressiva e contribuição inegável para a música no mundo. São compositores que admiro profundamente e que escuto sempre.
Tenho também um amor muito grande pelos compositores de ópera — Puccini, Rossini, Verdi, Donizetti — que moldaram a história do gênero e me influenciaram tanto como cantor quanto como maestro.
Dos brasileiros contemporâneos, admiro imensamente Ernani Aguiar, de quem fui aluno e depois também colega de profissão; Villani-Côrtes, que tem uma música lindíssima e também nasceu em Juiz de Fora, assim como eu; Ronaldo Miranda, cuja obra acompanho com grande respeito e entusiasmo… Guerra-Peixe com sua música marcante e claro, de Francisco Mignone (compositor que tive o privilégio de reger a primeira audição mundial de sua ópera infantil “Godó, o Bobo Alegre”).
Além deles, estão nomes essenciais como Villa-Lobos e Carlos Gomes, que levaram o nome do Brasil para o mundo. E, nos primórdios do Brasil Império, José Maurício Nunes Garcia que marcou presença com sua música e competência.
Mas são muitos nomes — e há tantos outros que admiro por igual, que seria impossível listar todos aqui. Essa diversidade de estilos, épocas e linguagens me move como músico. É nesse diálogo entre tradição e atualidade, entre o erudito e o popular, entre a partitura e o gesto vivo, que construo minha identidade artística.
JP – Ser músico é vocação? Justifique a sua resposta.
Sim, é vocação… mas não no sentido de algo místico ou inalcançável. É uma escolha diária, movida por uma necessidade interna de criar, comunicar, transformar. Quem escolhe viver de música precisa amar profundamente o processo, não só o aplauso. É uma vocação que se constrói no cotidiano, na escuta, na partilha, no rigor e na entrega.
JP – Quais são os seus projetos futuros?
Além do trabalho com o Coro do Theatro Municipal, sou maestro titular da Companhia de Ópera da Lapa, que busca resgatar a tradição dos coros de ópera formados por solistas apaixonados pelo fazer musical e pela experiência de estar no palco, interpretando obras marcantes do repertório lírico.
Recentemente, tive a alegria de reger La Traviata na Sala Cecília Meireles, com um quinteto de cordas da Orquestra Sinfônica Jovem do Rio de Janeiro, pianista convidada e um elenco com mais de 40 pessoas, incluindo o coro da Companhia.
Sigo também com a curadoria e direção musical da Ópera do Meio-Dia, no Theatro Municipal, que já tem novas montagens previstas e vem aproximando cada vez mais o público da ópera.
Além disso, continuo como diretor musical na Casa de Arte e Cultura Julieta de Serpa e como maestro do coro da Fundação Bradesco RJ.
Meus projetos futuros estão voltados para a formação de plateia, o acesso democrático à música e a valorização do canto lírico como instrumento de transformação. Para mim, isso é mais do que profissão: é missão de vida.