
Estreou Pedrinhas Miudinhas no âmbito da ocupação da Companhia Teatro Esplendor no teatro do CCBB-RIO 3.
O espetáculo é um monólogo protagonizado pelo ator Ricardo Lopes.
A peça teatral tem como ponto de
partida o livro “Pedrinhas Miudinhas – Ensaios Sobre Ruas, Aldeias e Terreiros”, do escritor e historiador Luiz Antônio Simas.
O texto de Daniela Pereira de Carvalho é potente, cultural, popular, poético, crítico, resistência, ancestral, e valoriza a brasilidade.
Ricardo interpreta um preto velho, narrador de histórias, saberes e tradições. Este homem sábio é um indivíduo das encruzilhadas, dos terreiros, do futebol, do samba, dos botecos, espaços, lugares e manifestações da cultura popular. Ele cultua os orixás, sobretudo Exu, o rei das ruas, uma entidade de luz que a todos protege e abre os caminhos. Ele é um defensor da cultura afro-brasileira, construída por meio da diáspora forçada e das inúmeras travessias atlânticas.
O Preto Velho em sua narrativa dá relevância aos cidadãos anónimos, às pessoas simples, aquelas que vivem nos undergrounds, na obscuridade, na exclusão. Ele gosta do Mané Garrincha, que com suas pernas tortas e dribles desconcertantes, deixava a todos inebriados. Ele também gosta de Noel Rosa, compositor que subia o morro e compôs com os compositores que lá viviam, frequentador dos bares e botecos, e repleto de mulheres. Ele também gosta dos sediciosos que lutaram contra a opressão e exploração ao longo da história do nosso país. E curte uma cervejinha.
Mas, o preto velho anda triste. O Brasil ainda é um país que permanece preso ao espírito do senhor-de-engenho, da casa-grande, dos seus mandos e desmandos, das práticas autoritárias, da violência, da exploração, do racismo estrutural, e do patriarcado. Por isso ele diz não gostar do Brasil, mas gosta da brasilidade, daquilo que é genuinamente nosso, a nossa formação que une três tradições, a indígena, a branca, e a negra.
Brasilidade é ancestralidade e resistência. E, para o Preto Velho, ela está nos campos de futebol, rodas de samba, terreiros de macumba, e feiras livres. Ou seja, espaços populares, frequentado pelas pessoas simples e humildes.
Ricardo Lopes tem uma atuação de forte qualidade. Ele é um jovem ator, em fase de crescimento e consolidação da sua carreira. E quer se firmar. Ele interpreta de forma perfeita o personagem, e emociona. Ele deixa o personagem falar, se expressar, e acaba contagiando o público presente. Ele atua andando em pé, curvado, segurando na bengala, transmitindo suas histórias e saberes, mas também senta no banquinho para narrar e fumar seu cachimbo. Espalha as pedrinhas pelo palco, recita canções em dialetos africanos, realiza embaixadinhas com a bola de futebol, e canta samba de Noel Rosa. Transmite o texto de forma pausada, facilitando o entendimento do mesmo. Se movimenta por todo o palco, com passos lentos e vagarosos de um preto velho, e preenche todos os espaços. Como utiliza uma linguagem simples, ele estabelece uma boa comunicação com o público. Ao final, ele recebe fortes e vibrantes aplausos, fato que deixa transparecer que o público gostou e aprovou!
O ator Ricardo Lopes é acompanhado pelos músicos Elias Rosa e Lytho Santana, responsáveis pela sonoridade do espetáculo. Escutamos diversos sons e efeitos ao longo da apresentação, produzidos por distintos instrumentos como tambor-de-onça, queixada, colares de sementes orgânicas, colar de tampinhas recicláveis de metal, djambe, handpan, berimbau, banjo, pandeiro, tamborim, surdo, caxixis, sininhos e prato de batela. O conjunto de sons dá uma dimensão poética e musical ao texto.
A direção é de Bruce Gomlevsky que focou no texto, e deixou o ator livre e a vontade para realizar sua interpretação de forma correta e adequada.
O cenário e figurino foram criados por Lorena Sender.
O figurino é adequado e criativo. O ator veste um blazer em tom verde claro, sem camisa por baixo, calça bege, descalço e usa uma guia no pescoço. Ademais usa uma bengala na mão. Um perfeito preto velho mandingueiro!
A cenografia é original, simples e criativa. Ela representa um baobá feito com cordas que alude a um orixá. Ademais, ela é constituída por folhas secas, pedrinhas, banquinho de madeira, garrafa de champagne, e um cesto com flores artificiais.
Há também efeitos como “jatos” de fumaça, que nos faz lembrar os defumadouros.
A iluminação criada por Elisa Tandeta apresenta um bonito desenho de luz, destacando o tom branco, que contribui para colocar em evidência o trabalho de interpretação do ator de seu personagem.
Pedrinhas Miudinhas é um monólogo que apresenta uma dramaturgia que valoriza as coisas simples, os cidadãos anónimos, e a cultura popular; um ator com uma atuação de qualidade e emocionante; e, um conjunto de sons produzidos por diversos instrumentos que dão um toque poético e musical ao espetáculo.
Excelente produção cênica!