
Estou começando a escrever aqui porque meu querido amigo Luiz Cláudio, amigo antigo da faculdade, me falou:
– Quer escrever?
Ele sabe que eu gosto de escrever, assim como gosto de cozinhar. E não faço bem nem uma e nem outra coisa, mas eu gosto. Então ele me atiçou e eu topei porque sou cara-de-pau.
Eu escrevo coisinhas. Na verdade, sou como a Florence Jenkins, que viveu no século passado. Ela era considerada a pior cantora do mundo – e era ruim demais. Apesar disso, ou até por causa disso, fez relativo sucesso. As pessoas iam vê-la desafinar. E a crítica descia a lenha nela. Ela não se importava porque amava cantar:- “Podem até dizer que canto mal, mas jamais poderão dizer que não canto.” Florence fez show até no Carnegie Hall. As pessoas riam a cada nota desferida pela voz horrorosa de Florence.
Pois então, talvez eu seja a Florence das crônicas, mas dane-se: – poderão até dizer que escrevo mal, mas jamais poderão dizer que não escrevo.
Aproveitando o clima de um final de ano especial, que teve eleição, posse e Copa do Mundo, que teve morte do Pelé, do Erasmo e da Gal, que quase pulverizou a Covid e tentativas de golpe, vou falar um pouco sobre o Natal da minha casa.
Nunca fui um entusiasta das festas de final de ano. Quando era criança, ainda havia alguns atrativos que me mantinham acordado um pouco mais, mas como esse tempo de criança ficou num passado distante, quase nada dessas festividades me deixam com algum grau de excitação.
Tá bom, eu sou chato. E sou mesmo.
Nesses primeiros dias do ano, a gente ainda regurgita os excessos, ouvindo os insuportáveis desejos de feliz ano novo. Todo os anos procuro observar qual o dia em que devemos parar de falar Feliz Ano Novo. Será que isso só para quando começamos a pensar no Carnaval?
Apesar disso, fui a São Paulo, como quase sempre, passar o Natal com a família. Meu pai, aos 94 anos, mantém total lucidez e – ele sim – sente saudade do tempo em que éramos crianças. E eu entendo porque também tenho saudade da infância das minhas crianças. Mas isso também já passou.
Quando estou ao lado do meu pai, volto um pouco aos meus anos infantis e, quase sempre, relembramos coisas – as mesmas coisas – de quando vivíamos sob as asas do papai e da mamãe. E embora lembremos quase sempre das mesmas coisas, ainda assim isso nos traz doses de emoção.
O detalhe é que somos italianos e as emoções adquirem ares passionais. Ou se ri exageradamente ou se chora desbragadamente. Não há economia quando botamos a emoção pra fora. Vamos fundo, sem medo e nem vergonha. Gargalhadas ensurdecedoras e olhos quase sempre marejados. Normal.
O curioso é que esse ano me lembrei de uma coisa inédita para as festas de final de ano – e falei com Totó (foto), meu pai – sobre uma brincadeira que ele dava um jeito de fazer acontecer na nossa infância. Na mesa, claro. As melhores histórias da minha infância aconteciam à mesa.
E a brincadeira acontecia sempre ao final da refeição. Totó ia dando um jeito de deixar sobrar duas porpettas na mesa. (Qualquer hora eu falo dessas porpettas, que são conhecidas como almôndegas, mas que, na verdade, não são. As porpettas napolitanas não levam carne. São basicamente de queijos e temperos – e não pode faltar noz moscada! Elas cozinham dentro do molho de macarrão por horas, horas. Quando você come, ela explode de sabor na boca. Só provando pra entender). Pois bem: Totó dava um jeito de fazer sobrar duas dessas porpettas, ao final. Era importante que uma fosse maior que a outra.
Totó, então, espetava o garfo na porpetta maior, enfiava na boca e mastigava com prazer.
E a brincadeira era sempre a mesma. Eu devia reclamar:
– Pô, pai. Você pegou a maior! (Eu nem me importava. Sempre fui uma criança muito ruim de comida. Já era chato…)
Então o Totó perguntava, fingindo nervoso:
– Se fosse você, pegaria qual?
Eu devia responder, e respondia:
– Eu pegaria a menor, claro, né, pai!
E ele finalizava:
– Então! Como eu sabia que você pegaria a menor, eu já peguei a maior e pronto.
E a gente ria muito. Desbragadamente. E o Totó passava a mão no meu rosto, num carinho rústico de mãos calejadas pelo trabalho.