
Finalmente, chegou o Carnaval. E eu sou uma cabrocha envergonhada que atravessa a melodia e tropeça nas próprias pernas, então me abstenho de oferecer meus balangandãs à multidão que começa a tomar as ruas da cidade.
Desde criança, nunca fui festeiro. Aliás, sou meio claustrofóbico e as multidões não me deixam à vontade. Sempre preferi as montanhas à avenida, embora já tenha tido minhas experiências carnavalescas.
Sou Portela e tenho razões estéticas pra isso. Há sambas-enredo da Portela que viraram clássicos da MPB e isso já seria suficiente. Porém, e sempre existe um porém, há outro motivo: estive num ensaio na quadra da Portela e me encantei com tudo. Virei Portela para sempre.
E mesmo atravessando o ritmo, já desfilei na Avenida. Vou te dizer: as horas de espera na Concentração, antes do desfile, no meio da multidão, com penachos na cabeça, com mínimas possibilidades de banheiro, em pé, cercado de gente eufórica, foi penoso. Cheguei a pensar no que tinha me levado até ali, meu Deus!? Aquilo não era pra mim.
Eu acredito que, sempre que tivermos oportunidade, devemos provar das experiências que a vida nos oferece. Já saltei de paraquedas, por exemplo. Não planejei, mas, de repente, numa turnê do teatro, um cara nos falou:
– Querem saltar de paraquedas?
Lá fomos nós e, depois do pavor inicial do salto, vivi uma das experiências mais adoráveis da vida. Recebi uma descarga de adrenalina tão forte, tão intensa, que os momentos logo após o pouso foram os mais agradáveis que já vivenciei. Nunca me senti física e espiritualmente tão bem. Foi sensacional.
Então: mesmo não sendo adepto da folia, a vida me ofereceu a Avenida, os camarotes e eu não recusei. Fui a todos e, penacho na cabeça, me vi ali, no meio da multidão, concentrado para entrar na avenida. E a espera me fez supor que tudo seria muito chato – mas a vida fez esse cidadão-roda-presa ter uma deliciosa alegria.
Depois de espera torturante, especialmente para quem não bebe e ficou ali, completamente careta, esperando o desfile começar, finalmente ouvimos que havia chegado a hora. A Escola foi entrando sob o comando dos caras que tomavam cuidado pra Escola não atrasar. Comecei a ouvir, mais forte, o som da nossa Bateria. Eu pisei na avenida, olhei para as arquibancadas do Sambódromo lotadas e um raio atravessou minha coluna. Esse garoto tímido, quieto, avesso às multidões, doido pelo cuecão dentro de casa, foi se animando, animando. Em dois minutos, eu estava mandando beijinhos pras arquibancadas, agarrando minha mulher, soltando a franga, numa felicidade movida a sorrisos e ao ritmo frenético da Bateria que parecia me tirar do chão. Eu não caminhei, não pulei, não corri e nem fiquei parado. Eu flutuei pela Avenida. Eu voei de alegria. Quando percebi, a Avenida tinha acabado e um cidadão da Escola me colocava pra fora – como deveria mesmo ter feito. Se ele não me tirasse dali, estaria pulando até agora, penachos ao vento.
Não sei nadar, mas já mergulhei.
Já dei minhas voltinhas de ultraleve. Já escalei lugares perigosos…
Adorei tudo, mas já tá bom.
Se você é como eu, alguém que prefere a calmaria, recomendo que dê uma chance às coisas que, aparentemente, não são do seu feitio. Você pode se surpreender e ficar muito feliz.
Depois, assim como eu, pode voltar pra casa, ir pras montanhas pra fugir do barulho e das multidões, mas levando no coração quase como um segredo quando, eventualmente, vir algum desfile na TV. Você poderá sorrir internamente e sussurrar pra si próprio:- eu já estive lá…