
Quando a vida quer nos reservar surpresas pode ser muito emocionante.
Por favor, não ria, mas eu sonhei com a Maria Bethânia noite dessas.
E foi um sonho quase erótico. Ela me dava um beijo bem no cantinho da boca, aquele beijinho que mistura certa timidez com muita malícia. Depois ela afastou a cabeleira do rosto com aquele gesto que faz quando canta, e se foi. Passei o dia com essa imagem do sonho. E, agorinha há pouco, passei na frente da casa dela, como faço todos os dias.
Maria Bethânia é minha vizinha. Moramos na mesma rua e isso me deixa um tanto envaidecido. Fico tão envaidecido que, toda vez que subo a rua de carro carregando algum amigo, claro que eu aponto para a casa dela e digo:
– Aqui é a casa da Bethânia. Bethânia mora ali.
Depois, em nome da honestidade, complemento:
– Ela mora ali, mas nunca a vi. Moro por aqui há décadas, mas nunca sequer vi um fio da cabeleira da Bethânia dando o ar da graça no pedaço.
Pois bem, meus amigos: adivinha o que aconteceu hoje?! Dei de cara com a Bethânia no supermercado. Ela estava disfarçada, claro. Cabelos presos, óculos e um boné. E o mais surpreendente veio depois. Nem fui eu que a vi, foi ela que me cutucou:
– Você não é o Giuseppe? – disse ela com aquela voz que eu amo.
Depois de um segundo de hesitação, vi que por baixo daqueles óculos estava a grande Maria Bethânia, que nós, admiradores antigos e cheios de intimidade chamamos apenas de Bethânia.
Antes de responder, respirei fundo para não gritar e alertar todo o supermercado sobre a presença disfarçada da Bethânia, (da Betha, Betha, Betha, Bethânia…). Mais calmo, respondi baixinho.
– Caraca, é você Bethânia? Que legal. Sabia que sou seu vizinho?
– Pois é – disse ela – meu motorista me falou outro dia.
– Fico feliz ao te ver aqui – disse eu. Moro lá no nosso pedaço já tem um tempão e nunca te vi. E te encontro no supermercado, um lugar onde jamais pensei em te achar.
Nesse momento, um segurança que a acompanhava ali por perto se aproximou:
– A senhora quer continuar as compras, Dona Maria?
Antes que eu pudesse achar estranho que ele a chamasse de Maria, a própria Bethânia respondeu ao segurança:
– Espera só um pouquinho. – disse com seu timbre emocionante, e continuou, já com certa inflexão de despedida – Qualquer hora bate lá em casa, vamos tomar um café.
Depois de tremelicar de emoção, falei com voz oscilante:
– Olha que eu bato mesmo, hein?!
– Passa lá, sim, disse ela.
Então ela se aproximou afastando o boné e me deu um beijinho no cantinho da boca. Depois sumiu entre as gôndolas.
Eu fiquei ali, catatônico.
Aí acordei, sentado na minha cadeira, na sala da minha casa.
Esse negócio de ficar velho tá me fazendo dormir sentado.