
O fim do mundo imaginado pelo cinema se recicla e se adapta com frequência. O olhar para o hoje, considerando o amanhã, atravessa décadas de roteiros que profetizam o apocalipse. Inúmeras ideias para contar os últimos dias na Terra envelhecem nas gavetas de produtores todos os dias. Para muitos, é quase um fetiche passar algumas horas vendo como tudo pode acabar num futuro cada vez mais próximo. Mas se tem algo que sempre existiu na prateleira das ansiedades mais comuns da humanidade, é o interesse por ver como tudo pode terminar. Na sociedade contemporânea o que se espera dessa possibilidade é que ao menos sejamos notificados antes. Acordar e ver um banner na tela na palma da mão alertando para o fim dos tempos é o mínimo! Como o mundo pode acabar sem sinal de Wi-Fi?
Focado em elementos que compõem a rotina de uma geração imediatista e absurdamente inquieta, a adaptação do livro de Rumaan Alam, O Mundo Depois de Nós, mais do que considera o que vem além desse final. Conta como se constrói um desfecho para todos nós através de mecanismos comuns do dia a dia, contrapondo a intensidade de nossas vidas virtuais à disfuncionalidade coletiva, quando somos colocados, obrigatoriamente, em modo offline.
Tudo o que sempre esteve nos dias que antecedem o fim do mundo em tantos filmes ao longo dos anos, tem espaço nessa produção. É como se as fórmulas de antigamente não pudessem ser desprestigiadas. Senão por conta do desembarque de alienígenas ou por catástrofes naturais produzidas pelos seres humanos, o que de mais comum nos resta encarar como ameaças em longas do gênero, são as identificadas do outro lado de fronteiras, oceanos, ou até mesmo sob a sombra de uma mesma bandeira.
Diante disso, em O Mundo Depois de Nós, lá estão “os preparados” para a desgraça iminente. Aqueles que, quando não são tão bem informados, são ao menos intuitivos o suficiente para estocar água e outros mantimentos, além de balas para os rifles atrás das portas. Os responsáveis apontados, os vilões clássicos do outro lado do mundo. Aqueles que muitos estadunidenses não conseguem nem ao menos identificar o idioma. A verdade que pode ser mais assustadora do que qualquer teoria possível de se considerar em meio ao caos de um mundo desconectado que não permite nem ao menos saber como acabou a temporada final da série predileta.
A produção estimula uma reflexão bem vinda de como somos capazes de nos importar mais com o desfecho de personagens ficcionais do que com a realidade a nossa volta. O consolo de saber o que acontece com os que vemos na TV. A felicidade desses personagens dos seriados, que preenchem espaços vagos de afeto para muitas famílias, na vida real.
Julia Roberts, Mahershala Ali e Ethan Hawke estão entre os nomes de um elenco talentoso que entrega performances na medida do que os arcos pessoais de seus personagens demandam. As semelhanças com Mr. Robot são compreensíveis tão logo nota-se o crédito de Sam Esmail, criador da aclamada série.
Longos takes aéreos acompanhando a angústia que se apodera de todos, destacam as belas locações usadas para mostrar um lugar tão longe e tão perto da metrópole mais famosa do mundo. Essas tomadas nos colocam na condição de observadores distantes de uma realidade identificável a todos. As relações pessoais em um mundo absurdamente conectado e as superficialidades das mesmas, expostas diante de um terror difícil de se compreender, de imediato. Vale destacar também, o contexto político que acompanha as suspeitas da ameaça crescente ao longo da trama. O poder dos que ocupam cargos públicos e dos que estão próximos dos mesmos. Algo já visto no trabalho de maior sucesso de Esmail, que apontava um olhar intenso sobre a influência de organizações no meio político e a resistência de grupos online ao establishment. É justo considerar que o diretor teve fontes privilegiadas para trabalhar nesse longa. Michelle e Barack Obama, assinam a produção executiva do filme, dando continuidade a parceria com o Netflix. O casal soma-se aos nomes fortes de mais uma produção apocalíptica de fim de ano da plataforma.