
Há quase trinta anos, era lançada a coletânea Cross Road. Puxada pelo sucesso Always, o álbum que reunia alguns dos grandes hits da banda mais famosa de Nova Jersey, se firmou rapidamente como um dos discos mais rentáveis dos anos 90. Naquele tempo, Bon Jovi estava em todo o lugar. As rádios e a MTV não passavam um dia sem tocar suas canções. Arenas e estádios pelo mundo, lotadas, eram o cenário que melhor ilustravam o êxito de um grupo que, naquele tempo, também vivia, intensamente, os seus demônios.
Em celebração aos 40 anos do lançamento do primeiro disco, o vocalista Jon Bon Jovi, o guitarrista Richie Sambora, o tecladista David Bryan, o baterista Tico Torres e diversos outros personagens que, de perto, participaram dessa jornada, contam suas histórias na série documental Thank You, Goodnight (disponível no Star +). O que viveram juntos, cada um à sua maneira, é dividido em quatro capítulos que percorrem suas carreiras de inegável repercussão no pop-rock internacional.
O registro traz flagrantes inéditos de diversos eventos. Em especial, aqueles que os fãs nem sempre alcançam. O doc resgata filmagens de bastidores de shows e trabalhos em estúdios que seguiam guardados na memória dos músicos e de sua equipe. Estar na estrada há tanto tempo, permite acompanhar mudanças e novidades além do próprio nicho. E como vários outros artistas, eles também testemunharam a digitalização do som que criaram e a “aposentadoria” do vinil. Sem falar na revolução imagética que segue em andamento e dos anos de luta para se manter relevantes numa indústria fonográfica que pode te dispensar amanhã, depois de ter te contrato ontem.
Os quatro fazem relatos de momentos tensos que, eventualmente, se revelaram oportunidades para trabalhos solos. Sobre a necessidade de se afastar e refletir sobre tudo o que conquistaram, de repente, numa velocidade assustadora. Os intervalos mais longos entre alguns discos, sempre foram uma chance de renovação. Já se sabe, faz tempo, que a distância é uma ferramenta útil para enxergar as partes que nos completam.
É fato que, nos depoimentos de Richie e Jon estão alguns dos temas que muitos fãs querem saber mais. Respostas para diversas questões são apresentadas, sem hesitações. A saída do guitarrista há mais de dez anos, é um ponto de virada para a banda que, a partir daí, flertou com a possibilidade de se tornar um grupo cover de si mesmo, se distanciando daquele quinteto empolgante das primeiras gravações. Todos que aos poucos se juntaram ao Bon Jovi desde então e que, temporariamente excursionaram com o conjunto, agregaram ao som pop-rock de baladas e hinos que sempre ecoaram além dos estádios. Mas essas reconfigurações no palco, também forjaram mudanças definitivas e, com o tempo, afastaram as chances de ver um pouco do que se perdeu nessa dinâmica entre os membros originais. Por isso a saída de Richie é tão significativa. Junto de Jon, os dois formam uma das duplas de compositores mais bem sucedidas da história do rock, carregando nos ombros temas icônicos e que preencheram quase toda a discografia da banda. Living on a Prayer, Wanted Dead or Alive, I’ll Be There For You, Keep the Faith, These Days, It’s My Life. Para uma dupla que fez tanto, passar mais de uma década sem essa rotina colaborativa é bastante frustrante.
Em 2018, na cerimônia de ingresso ao Rock and Roll Hall of Fame, Sambora subiu ao palco com seus ex-companheiros, depois de cinco anos. Mas seu retorno à banda não parece mais algo aguardado pelos que seguiram adiante, desde então. Em diversos depoimentos fica entendido que um possível retorno não foi por falta de conversa. Ao menos uma das partes alega ter tentado.
A saída de Alec John Such, baixista original, falecido em 2022, é tratada com a atenção merecida pelo documentário, que não se esquiva de expor egos e traumas. A convivência nem sempre foi fácil, mas até aí, não se conta nada de novo. O que fez a banda se manter junta dentro do possível e, como músicos tão excelentes seguiram em atividade, por tanto tempo, requer ser contado por ninguém menos que os próprios. Nem sempre o talento de todos mereceu estar na mesa na hora de compor, mas de alguma forma, os membros sempre se reconheceram e se respeitaram em seus instrumentos.
É justo afirmar que se trata de um grupo de artistas que conseguiu mais do que sobreviver a um primeiro álbum. Ser relevante requer trabalho e dedicação, para começo de conversa. E muitos não duram o suficiente para uma segunda gravação. Pouquíssimos celebram Bodas de Esmeralda do primeiro sucesso.
A série não se omite quanto ao tom de possível despedida e de agir como um registro visual histórico e definitivo, de um grupo que pode estar chegando ao fim. Um novo disco, já gravado, é aguardado para junho. Mas shows recentemente anunciados e com a promessa de passar pelo Brasil, foram adiados, em seguida, por conta da voz de Jon. O cantor, que passou por uma intervenção nas cordas vocais, segue em recuperação e já admitiu que não sabe se conseguirá voltar aos palcos.
Se comprometer a performar por mais de duas horas, numa média de quatro noites por semana, durante meses, não parece possível, no momento.
Thank You, Goodnight atinge em cheio a memória de muita gente, esclarecendo histórias mal contadas, tantas vezes, por outros. O que virá para a banda além é incerto, porém, o que foi feito até aqui é revisitado de forma honesta. Ninguém melhor do que eles para agradecerem o que conquistaram e dar um (talvez) último boa noite.