
Tido com “Rei dos Malandros”, embora da malandragem só quisesse mesmo era distância, ele foi um dos mais longevos, profícuos e trabalhadores da música brasileira. Pelo tempo de vida e de trabalho (viveu e batalhou durante 98 anos), deveria ter ficado conhecido mesmo era como “Rei do Batente”. Aniversariante de abril (nasceu num dia 1º desse mês, no ano longínquo de 1902), partiu há 24 anos, em 6 de junho do ano 2000.
Antônio Moreira da Silva, o Kid Morengueira, criador ou principal divulgador do samba de breque, gravou mais de 130 discos (entre 78 rotações e LPs). Continuava exercendo o seu ofício; não tinha a mesma limpidez na voz, mas ainda tinha coragem para cantar e não recusava convites para shows de média duração.
Filho de um trombonista da banda da Polícia Militar, Moreira teve infância dura e aos nove anos vendia doce nas ruas da Tijuca (morava no Morro do Salgueiro). Também entregou marmita nas imediações da Zona do Mangue (para onde a família se transferiu mais tarde). Aos 19 anos já era amigo de músicos e compositores (entre eles, Ismael Silva, Marçal, Bide e Baiaco), frequentava rodas de malandros (conheceu Brancura, Manoel da Carretilha, Waldemar da Babilônia e João Cobra) e cantava em festas para amigos. Mas precisava de uma profissão que garantisse o futuro: tirou carteira de motorista e encarou o volante da ambulância da Assistência Municipal de Saúde, onde trabalhou por 12 anos. Em 1928 casou-se com Maria de Lourdes Lopes Moreira, Dona Mariazinha, que esteve ao seu lado por toda a vida.
Por influência de Ismael Silva, Morengueira gravou o primeiro disco, em 1931, com dois pontos de macumba compostos por Getúlio Marinho: Ererê e Rei de umbanda. No ano seguinte, conheceu pela primeira vez o sucesso, com a gravação de Arrasta a sandália (“Arrasta a sandália aí, morena/…Arrasta a sandália aí, no terreiro/Arrasta que custou o meu dinheiro”), de Benedito Lacerda, Aurélio Gomes e Baiaco. Entre as décadas de 1930 e 1960, gravou todos os seus grandes sucessos, que incluíam ainda Amigo urso e Fui a Paris (parcerias com Ribeiro Cunha), Dormi no molhado (assinado por ele, mas comprado do compositor Zé da Zilda por 150 mil réis, segundo declaração do próprio Moreira ao jornal O Pasquim), Conversa de camelô (T. Silva e S. Valença) e Na subida do morro (vendida por Geraldo Pereira, como ele me contou em entrevista para a revista Música Brasileira).
Orgulhava-se de ser o cantor mais antigo em atividade no mundo. E foi também, seguramente, um dos melhores.