
Assim como em tantas outras modalidades, no tênis, o maior adversário de um atleta é ele mesmo. O trabalho duro, diário e toda a dedicação ao longo de anos, fortalece as chances de um esportista atingir feitos incríveis e inimagináveis. E no caso de alguns, até mesmo improváveis. Para Gustavo Kuerten o caminho para o auge foi similar ao de muitos outros grandes nomes das quadras. Foram diversos torneios até se aprimorar e ousar desafiar campeões e jogadores já consagrados. Mas ao olhar para o começo e o quão rápido ele subiu, é impossível não destacar que Guga, para a grande maioria, surgiu de repente. Leva-se em conta, ao considerar isso, de onde veio e a pouca tradição de tenistas de seu país nas primeiras colocações nos rankings profissionais. Desde Maria Esther Bueno e Thomaz Koch não se via a bandeira brasileira com tanto destaque nas finais de alguns dos torneios
mais importantes do planeta. Nunca se deixou de jogar tênis no país durante o hiato entre as conquistas daquele passado distante até o heroico primeiro título de Kuerten em Paris. Mas as vitórias do rapaz de Florianópolis que impressionou o mundo em 1997, resgataram a memória dessas lendas pouco reverenciadas por tanto tempo. O tênis, no final dos anos noventa, se tornou pauta nos cadernos de esporte por todo o Brasil.
Disponível desde o último dia 10 de setembro, no Disney +, Guga por Kuerten faz um recorte, em cinco episódios, da breve carreira de um gênio do esporte. Do primeiro título de major na capital francesa aos 20 anos, passando pela conquista do posto de número 1 do mundo, três anos depois, até a consagração ao vencer o torneio de Roland Garros
por mais duas vezes. Se trata de um registro que se anuncia deveras emotivo muito antes de apertar play. Não é preciso ter acompanhado esse esporte nos últimos vinte e sete anos para reconhecer que Guga deixou uma marca nessa modalidade e que lesões abreviaram o muito mais que ele poderia ter alcançado. Adversários como o russo Yevgeny Kafelnikov, que sempre o comparou ao pintor Pablo Picasso, pela maneira como parecia pincelar suas jogadas, falam sobre como foi enfrentá-lo. São diversos depoimentos que apontam as dificuldades de anular uma das esquerdas com uma mão só, mais bonitas da história. E de como Kurten era eficiente em todos os fundamentos que um jogador precisa dominar. Federer, Meligeni e atletas que não conseguiram enfrentá-lo, como Nadal, relembram o que testemunharam dos tempos em que Guga marcou o circuito como um dos nomes mais difíceis de se
derrotar.
O ineditismo ao alcançar uma final de simples em um dos quatro principais torneios do planeta, faz paralelo ao que abreviou sua trajetória. Por volta de 2002, ainda não se encontrava na literatura médica, muito sobre como lidar, especificamente, com a lesão no quadril que comprometia bastante a mobilidade de Gustavo Kuerten dentro e
fora das quadras. Foram duas cirurgias que tentaram aliviar e resolver algo que ainda não se identificara antes do tenista brasileiro. Ao longo dos capítulos, o esforço nos treinos e sua dedicação para estar à altura de se manter no nível que a elite deste esporte exige, atestam que, perto de resolver parar, Guga fez o que pôde. Em um de seus últimos jogos no Brasil, em 2008, uma arena lotada, na Costa do Sauipe, se emocionou junto ao campeão que admitiu que não se tratava de não querer mais competir e, sim, de não conseguir.
O brasileiro marcou seu coração mais fundo que o desenho que fez no saibro da mítica Philippe Chatrier na ocasião de sua terceira conquista no torneio francês. Estabeleceu uma relação íntima e eterna com a quadra central do grand slam parisiense assim como outros poucos fizeram, em pisos diversos, pelo mundo. Guga por Kuerten é um registro
emocionante, sobre a ascensão de um atleta que atingiu de forma heroica, o que lhe foi apontado improvável. Mas que sempre esteve predestinado a tudo o que conquistou.