
Tão logo foi anunciado pela Netflix, o documentário A Vítima Invisível: O Caso Eliza Samudio, chamou a atenção por se propor contar a trágica história da jovem paranaense pela perspectiva da vítima. Se distanciando do padrão comum a produções que se dedicam a retratar o autor do crime, a diretora Juliana Antunes traça uma linha do tempo que regride e avança quando preciso, ao contar o triste fim da moça aos 25 anos, em junho de 2010.
Retornar ao que foi reportado na época é analisar um tipo de cobertura da mídia que, infelizmente, ainda é possível se deparar, muito mais de uma década depois. Trata-se de um crime brutal, que forçou o aperfeiçoamento de leis e expôs uma realidade perversa e comum, num meio que atrai tanta atenção de quem busca se entreter. O ambiente tóxico do futebol segue apresentando ao mundo histórias absurdas, inacreditáveis e trágicas. O assassinato de Eliza Samudio chocou o país que acompanhou os desdobramentos deste caso como mais um evento espetacularizado pela cobertura televisiva e impressa, que muito falou do fim da carreira de seu algoz e, pouco, de quem era aquela mulher.
Pouco mais de um ano depois de denunciar seu possível destino às autoridades, a jovem que sonhava em ser goleira e ganhar o mundo, foi exposta e desacreditada por quem poderia lhe ajudar. Uma rede de apoio a moça que gravou diante de uma delegacia, relatos de ameaças feitas por um dos principais jogadores de futebol do país, naqueles dias, não teve vez diante das manchetes que insistiam em destacar a sombra e mancha na carreira do jogador Bruno, do Flamengo. Mãe de uma criança, fruto da relação com o atleta, Eliza sempre alegou e expôs, corajosamente, as promessas do provável fim que ela encontraria, se insistisse em alegar que teve uma relação com o titular do gol da equipe carioca.
Trazendo descrições de conversas da vítima por meio de mensagens eletrônicas, o documentário se aprofunda sem perder o foco nos detalhes que importam. Conta, de forma eficiente, a origem de uma vítima que tinha seus planos e sonhos como muitos. E que encontrou num relacionamento, um destino que lhe alertaram perigoso, diante das evidências sobre o caráter daquele homem.
É possível uma produção extra, apesar do ótimo trabalho feito aqui, compilando somente as atrocidades ditas pelo goleiro Bruno e o tratamento dado a situação que se agravava cada vez mais, tão logo se tornou público que o jogador havia sido acusado de agressão por uma moça dada como desaparecida. É macabro sempre rever que se trata de uma vítima que anunciou o que prometeram fazer com ela. Personagens como Bola, Macarrão e lugares como Esmeraldas, na região metropolitana de Belo Horizonte, passaram a ocupar os noticiários nacionais até o julgamento, três anos depois do desaparecimento de Samudio. A descrição dos que participaram, a mando de Bruno, como alegam, do que foi feito a mãe do filho do jogador, ainda figura como um dos crimes mais perversos da história do país. O tão destacado futuro goleiro da seleção pela imprensa, na época, foi condenado pelos crimes de homicídio triplamente qualificado, sequestro e ocultação de cadáver. Foi conferida a ele uma pena de 22 anos e três meses, no dia 8 de março de 2013. Desde janeiro de 2023, o ex-atleta se encontra em liberdade condicional.