
É muito difícil para a chamada Geração Z, compreender um mundo não digitalizado. Uma vida offline na maior parte do tempo e de mensagens escritas em letra cursiva, numa agenda que também poderia ser um diário. Por mais que filmes e séries ajudem a contar sobre os dias em que não estávamos a olhar para a própria mão, um fato real, ainda é a melhor opção para educar sobre uma determinada época.
Há mais de vinte anos, os telejornais brasileiros eram tomados pela notícia do desaparecimento de Priscila Belfort. A repercussão desse caso e o impacto na mídia é revisitado na minissérie documental que acaba de chegar no Disney +. Volta Priscila costura detalhes de um trauma. Vista pela última vez na região central da cidade do Rio de Janeiro, onde trabalhava, muito se disse sobre o que poderia ter acontecido com ela, desde então. Foram inúmeras denúncias e atitudes questionáveis, por parte da polícia, segundo familiares da vítima, que fizeram desse mistério um luto mais severo ainda de se viver. Em 2004, os telefones celulares ainda cumpriam sua função inicial. E as câmeras de monitoramento pela cidade, não estavam no volume farto de se flagrar, nos dias de hoje. Tudo o que se sabe é essencialmente sustentado pelo o que alguém viu, ouviu e contou. Logo, desde os primeiros meses após o último dia de contato da vítima com sua família, esse caso passou a acumular relatos oriundos de diversos lugares do país. Ligações anônimas apontando o paradeiro da jovem e com quem ela estaria, inundaram a central carioca do Disque Denúncia. Os caminhos apontados como os possíveis para se elucidar o que aconteceu com Priscila passaram a ocupar um tabuleiro em que a família e os investigadores pareciam sempre voltar para trás, com o passar dos anos. Programas policialescos e de fofocas tomaram a frente na cobertura, contribuindo para mais especulações e questionamentos. E toda vez que uma resposta se desenhava mais a frente, uma reviravolta empurrava a chance de se descobrir o que de fato aconteceu. A família, amigas, jornalistas e, quem mais acompanhou esse processo de perto, depõem sobre momentos cruciais para a investigação desse caso ainda em aberto.
Volta Priscila é um recorte repleto de detalhes de toda a vida de uma jovem até o seu desaparecimento. Desabafos e pensamentos íntimos, escritos à mão, contam como ela estava e se sentia desde a adolescência. Suas pinturas e vídeos caseiros da família, são a chance de olhar o que ela observava à sua volta, assim como, era vista pelos mais próximos. E suas palavras, externadas num diário, contribuem para tentar entender como estava, às vésperas de seu sumiço. A infância com o irmão mais novo, o lutador de MMA Vitor Belfort e como lidou com a separação dos pais é partilhada por amigas e familiares da jovem desaparecida aos 29 anos. Seu passado é relembrado ao longo de quatro capítulos. Os meses que antecedem a fatídica data de 9 de janeiro de 2004, são revisitados como um gesto em busca de uma explicação para o que a polícia não foi capaz de esclarecer. No desabafo de sua mãe, entende-se que os vinte anos passados estão todos dentro de um único dia. O conforto que uma resposta aguardada há tanto tempo traria, segue distante. Se a universitária partiu por conta própria, se foi levada refém ou se foi assassinada, se mantém em aberto num tempo que passa sem a possibilidade de uma cicatrização para os seus familiares.