
Estreou, no teatro Dulcina, a peça teatral Deus – Um Espetáculo.
A criação é de Vino Fragoso.
A dramaturgia de Vino Fragoso tem como objetivo responder às seguintes perguntas: Quem é Deus? Qual é a sua imagem e rosto? Como podemos defini-lo?
Partindo dessas indagações, a dramaturgia recupera as múltiplas formas que Deus assume em diversas culturas através de um longo processo histórico, que remonta às nossas origens, desde os primeiros registros sobre o homo sapiens até os dias de hoje.
A dramaturgia, por meio de uma pesquisa cuidadosa e bem realizada, nos apresenta a perspectiva de povos e civilizações que existiram e aqueles que ainda hoje existem, para compreender o significado de Deus em cada uma dessas culturas. Nessa trajetória Deus é apresentado como Baco, Exu, Jesus, Alah, Oxóssi, Aton, Enki, Enlil, Ahura, Brahma, entre outros. Em cada povo, ele assume um nome e uma representação, uma simbologia própria que lhe confere significado. Dessa forma, o texto nos apresenta que há uma diversidade e pluralidade de crenças religiosas, e em cada uma delas a figura divina assume um forma própria. Portanto, há diversas formas de conceituar e definir Deus.
O texto também mostra que, para algumas crenças, Deus é natureza. As suas divindades estão associadas aos elementos da natureza, como os orixás. Por sua vez, há povos que manejam as ervas e plantas e extraem das mesmas a capacidade curativa. Por isso temos que preservar as matas e florestas!
Vino fala de Deus, mas não deixa de comentar sobre o seu oposto, o diabo.
O texto também apresenta reflexões sobre a trajetória particular do ator, assuntos da sua intimidade, relacionando-os com a sua fé. Como exemplo o estupro que sofreu no ano de 1999, quando seu tio foi lhe dar banho, fato que o levou a questionar a real existência da dimensão espiritual.
No texto sentimos falta de mencionar os povos que habitavam as Américas antes do europeu por aqui chegar, e as suas crenças religiosas. Incas, Maias, Astecas, Tupis, entre outros, também possuíam os seus deuses. No âmbito das Américas mencionou apenas os protestantes ingleses chegando por aqui.
No nosso ponto de vista, o texto também merecia um enxugamento, pois está longo, quase três horas de espetáculo, e as vezes fica repetitivo. Também consideramos inapropriada a inclusão de Platão e o seu Mito da Caverna. Acreditamos que tenha mais a ver com a política do que com religião.
Vino Fragoso, além de dramaturgo, também é o protagonista. Ele apresenta boas interpretações, e as realiza com emoção. Está seguro e determinado. Apresenta uma boa movimentação pelo palco, fato que dá um dinamismo ao espetáculo. E, para a realização dessa correta movimentação, ele contou com o auxílio de Alex Neoral, que investiu na diversidade de movimentos coreográficos.
Vino também se comunica bem com o público, apresentando uma boa retórica. Ele convida a plateia a participar. E o texto tem umas leves pitadas de humor, como o momento em que ele afirmou que Dionísio foi o primeiro ator.
Vino se utiliza de um painel de projeções de LED para o auxiliar na narrativa do texto. São exibidas imagens captadas ao vivo, além de outras pré-gravadas. No painel também são exibidos vídeos e depoimentos.
Vino também conta com a participação em off da atriz e poetisa Elisa Lucinda como “A Voz de Deus”.
A atuação de Vino é complementada pela percussionista Regina Café, que maneja bem os instrumentos, sobretudo os atabaques e seus batuques. Ela nos brinda com sonoridades e ritmos de diversas culturas.
Quanto à direção de Vino Fragoso, ele realizou as marcações corretas, e toda a sua ação é construída a partir da interação do ator com todos os elementos de cena.
Os figurinos criados por Vino Fragoso são adequados e criativos. Num primeiro momento, o ator está vestido com peles de animais e pedaços de ossos de animais. Num segundo momento, ele veste uma túnica bege e cajado na mão. E, num terceiro momento, no contexto da menção a Jesus Cristo, ele usa camisa e calça estilizadas em tom cru e encardidas de sujeira.
A cenografia criada por Vino Fragoso consiste de um chão de terra, fósseis, e pedras, com uma delas se sobressaindo. Compondo também visualizamos instrumentos musicais, e ao fundo, uma tela de projeções.
A iluminação criada por Julio Parente e Vino Fragoso é marcada por um palco na maior parte do tempo escuro, e com iluminação incidindo sobre o ator em variação de tons.
Na peça, Vino assume um protagonismo total. Ele, além de atuar, assina o texto, direção, cenografia, figurino e a iluminação. Embora possa parecer um tanto ou quanto centralizador, ele conseguiu apresentar uma boa execução das funções!
Deus é um bom espetáculo que apresenta uma boa dramaturgia; uma correta e expressiva atuação de Vino Fragoso, associando técnica interpretativa e emoção; e bonitos e criativos figurinos e cenografia.
Boa produção teatral!