
Fernanda Montenegro segue em plena forma artística e traz à telona mais uma história visceral e muito pertinente. Um filme baseado em fatos reais que foi responsável por desmantelar uma quadrilha que se instalou no Rio de Janeiro. Apesar dos tempos tensos que a cidade continua enfrentando o filme chega para seguir esse alerta tão necessário. Aqui sob olhar de Mariah Macedo.
Rio de Janeiro, anos 2000, uma persiana, uma câmera e um descontentamento. É dessa forma que somos introduzidos à “Vitória”, filme dirigido de forma excepcional por Breno Silveira e Andrucha Waddington. Inspirado em fatos reais, a obraconta a história de Dona Nina, Interpretada por Fernanda Montenegro, uma massagista que reside no pé do morro da Misericórdia, em Copacabana. Inconformada com a crescente violência perto de seu prédio e com a inércia da vizinhança e da força policial, a protagonista compra uma câmera e de sua janela, através das cortinas, começa a filmar a atividade criminosa.
De maneira brilhante, Montenegro dá vida à Joana da Paz, retratada no filme como Maria Josefina dos Santos, apresentando o inconformismo e a coragem como principais pilares de sua história. Sutilmente, a produção nos guia por um suspense delicado; ele existe, mas não é tão notório como nas produções comuns do gênero. Acredito que a delicadeza esteja atrelada à forma com a qual a personagem nos é apresentada; uma senhora de idade, que mora sozinha e precisa sobreviver estando face a face com o narcotráfico. Mesmo com a tensão crescente, alguns pontos de descontração foram muito bem vindos ao decorrer do filme, como a amizade entre Dona Nina e a personagem de Linn da Quebrada que formaram uma ótima dupla.
Enquanto assistia, fui completamente imersa na situação da protagonista, como se estivesse vivendo aquilo na pele. Entretanto, existe outro elemento na narrativa, que conta uma história por si só: o apartamento. O local onde passamos boa parte do tempo ao lado de Dona Nina, em que, de fato, a tensão é construída junto à intimidade. Essa proximidade é gerada pelas atividades cotidianas do dia-a-dia da personagem, em que somos convidados a acompanha-la em um café da tarde ou a se esconder dos tiros que assolam a região. Cria-se então um suspense entrelinhas, sustentado por um afeto inconsciente e permeado pela história do apartamento e da massagista.
Com cores que evocam um cenário sóbrio, o longa me trouxe a sensação de sempre temer pela vida de Dona Nina, desde suas caminhadas na orla, até sua chegada na portaria do prédio. O jogo de câmera foca bastante em Montenegro, elevando ainda mais sua atuação, dando ênfase nas expressões faciais e atitudes da personagem.
Vitória apresenta uma mensagem interessante contra o conformismo, e, muito, além disso, retrata de maneira excepcional a história de Joana da Paz, que nos deixou em 2023, mas seu legado permanece como um lembrete vivo de coragem e resistência. Sua luta não foi em vão, e ‘Vitória’ se encarrega de manter seu legado pulsante, trazendo à tona a força de quem ousa não se calar. Mais do que uma personagem no cinema, ela foi uma voz real em meio ao caos, e sua bravura seguirá ecoando por aqueles que ainda acreditam na mudança.
Estagiária
Supervisão Rogéria Gomes