
Estreou [Ao Vivo], Dentro da Cabeça de Alguém, no teatro Carlos Gomes.
A produção é da companhia brasileira de teatro.
O texto de Marcio Abreu é denso, potente, politizado, poético, crítico, apresenta uma profunda reflexão sobre os problemas contemporâneos. Busca abrir a mente humana e realizar uma limpeza para deixar livre os caminhos para que novas propostas e atitudes surjam em consonância com os valores humanos.
Como trata de mente, trata de memória, algo tão controverso em nosso país. Nos remete à atriz Dercy Gonçalves que afirmava categoricamente que o povo brasileiro não tem memória. Equívoco! Temos sim! Aquela preservada pelas nossas elites, que atende os seus interesses. Mas a memoria dos excluídos, dos grupos sociais marginalizados, como os indígenas, pretos, e dos integrantes dos movimentos LGBTQIAPN +, essa foi apagada, aniquilada, arrasada. Há apenas vestígios! Resistir é urgente e necessário!
A dramaturgia de Márcio Abreu opta como fio condutor da peça a memória de Renata Sorrah, que representou o papel de Nina na encenação da peça A Gaivota, dirigida por Jorge Lavelli, no ano de 1974. Foi um momento de epifania, uma revelação, quando Renata estava no caminho dirigindo para ir ao teatro. Foi um momento em que sua cabeça abriu para outras formas de compreensão da vida. Ela passou a entender sobre tudo. E aquele momento marcou Renata de tal modo, sua vida, e ela tributou o acontecimento a Tchekov, autor de A Gaivota. Portanto, a peça parte desse fato. São as memórias, os sonhos, a imaginação, as projeções futuras de uma atriz, no caso de Renata, associada com a daqueles colegas que estão com ela em cena, o lance inicial.
Partindo desse ponto inicial, Marcio Abreu se apropria do fato acima referido e aplica ao contexto mais amplo da sociedade, construindo uma obra, ao mesmo tempo poética e política. E um dos grandes méritos do texto é se imiscuir em assuntos da vida política do país, rememorando fatos para que evitemos erros passados. É um texto politizado!
Dois momentos da peça no nosso entender ganham destaque.
A primeira cena em que Renata Sorrah rememora vários acontecimentos, de ordem social e política, de diferentes espaços e tempos. Momento de reflexão, de questionamentos.
E a segunda cena chamada mãe, momento em que Renata Sorrah e Rafael Bacelar interpretam mãe e filho.
O elenco é integrado por Renata Sorrah, Rodrigo Bolzan, Rafael Bacelar, Bárbara Arakaki e Bixarte.
Renata Sorrah tem uma atuação de qualidade e excelência, passando praticamente o tempo integral do espetáculo no palco. Ela confirma ser uma das principais atrizes do nosso país, com uma carreira reconhecida, tanto a nível nacional quanto internacional. E ela associa o seu talento ao dos demais integrantes, formando um elenco com uma atuação grandiosa. Ela está feliz, empolgada, vibrante na ribalta.
No conjunto, o elenco tem uma atuação de qualidade, deixando transparecer competência. Todos se sobressaem de forma harmônica e equilibrada. Eles estão bem, atuam com firmeza e segurança. Estão entrosados e afinados. Interpretam, cantam, dançam, realizam coreografias. Passam o texto com uma linguagem de fácil entendimento e assimilação. Dominam o palco, ocupando todos os espaços, e se movimentando intensamente. Interpretam com qualidade seus personagens, e emocionam, mexem com a plateia. Contagiam!
A direção é de Marcio Abreu que realizou as marcações certeiras e precisas, dando uma dinâmica própria ao espetáculo, e deu uma direção que norteou as atuações de qualidade do elenco.
Os figurinos criados por Luís Cláudio Silva são corretos e adequados.
A cenografia criada por Batman Zavareze, João Boni, José Maria, Nadja Naira e Marcio Abreu é constituída por cadeiras, e utiliza duas grandes telas brancas, posicionadas em diferentes momentos de forma suspensa e inclinada. Nas telas são exibidas imagens que complementam o texto.
O espetáculo também utiliza efeitos sonoros como uso de efeitos de microfonia, gravações em off e ruídos.
Os artistas se movimentam intensamente pelo palco, preenchendo todos os espaços, de forma dinâmica e intensa, resultado da correta direção de Cristina Moura.
A iluminação criada por Nadja Naira apresenta um bonito desenho de luz, variados tons, e realça a atuação dos artistas.
[Ao Vivo], Dentro da Cabeça de Alguém é uma peça de teatro que fala dos sonhos, memoria e imaginação, por meio de uma linguagem poética e política; um elenco de primeira qualidade, com interpretações dignas de louvor; e uma direção correta, firme, e potente.
Excelente produção cênica!