
Os tempos em que aguardávamos o fim do alerta sonoro que dava início a navegação online ficaram para trás. Não se combina mais um horário para estar “logado” no computador, há décadas. A imersão na internet em movimento, na palma da mão, é uma realidade consolidada. E só resta especular o que virá depois, diante da quantidade de horas, ao longo do dia, que passamos dentro de nossos smartphones.
O documentário A Rede Antissocial: Dos Memes ao Caos, recapitula como a vida no universo digital inseriu o mundo em uma rotina em que a verdade pertence a quem consegue mais engajamento e controla a narrativa. E se aprofunda ao analisar a metástase de um coletivo alienado que não dá sinal algum de ser capaz de contestar o que vem de qualquer conta que espalhe o inacreditável. Para quem já estava online nos primórdios da internet discada, não resta dúvida que a desinformação está cada vez mais reformulando a sociedade. Vários usuários admitem, nessa produção lançada pela Netflix, que o prejuízo com esses atos já eram perceptíveis desde que a web ainda era mato. Mas muitos também afirmam, como se faz até hoje, que várias postagens não passavam de trollagens, quando tudo começou. E naqueles dias, já se reclamava de atentados contra a liberdade de expressão quando se questionava a procedência de um relato anônimo, gerando tanta repercussão e transtornos, no mundo offline. O cenário de hoje, em que eventos históricos são atacados junto da ciência, por radicais ultra conectados e subcelebridades virtuais, não começou ontem. Discursos de ódio, falas racistas e troca de suásticas, já eram rotina nos monitores de diversos usuários, no início dos anos 2000. O que se testemunha nas telas de agora é a evolução de padrões de comportamento de décadas online, desde antes da chegada da banda larga. A partir das salas de bate-papo até os tweets, essas ferramentas vêm sendo cada vez mais usadas, também por políticos extremistas que ameaçam a democracia. E muitos alinhados a esses, defendem como piadas, as mais insanas postagem de ofensas aos mais variados grupos. Argumentando, com frequência, que o apontamento de suas falas indefensáveis, são palavras retiradas de contexto. Nesses canais de trocas de mensagens e mídias, que facilitaram tanto a comunicação e encurtaram distâncias pelo globo, tipos desprezíveis, cada vez mais, se infiltram e tomam território, espalhando o negacionismo e tentando substituir fatos, por suas opiniões.
A Rede Antissocial… ajuda a assimilar como chegamos ao ponto em que memes atuam na definição de eleições e se nega o factual todos os dias. Apresentando a geração das telas touch, capítulos fundamentais para o início de uma derrocada das relações, que segue cobrando da sociedade um preço muito alto. E provoca reflexões sobre os espaços online que apenas simulam, desde seus surgimentos, um senso frágil de comunidade em que a verdade é o que diz o que mais sabe influenciar. Uma produção ácida e lúcida sobre eventos premonitórios dos dias difíceis que vivemos hoje.