
No tênis, por muito tempo, jogadores eram destacados pela superfície que dominavam. Boris Becker fez da quadra central de Wimbledon sua casa. Tomou para si a considerada grama sagrada do All England Club aos 17 anos e precocemente se expôs ao mundo, numa carreira de muitos títulos e recordes. Aos poucos, como qualquer outro atleta, sentiu o desgaste de seu corpo, diante de novos talentos que reivindicaram espaço, nos grandes templos desse esporte. Alguns não tão jovens como ele, deram início a própria trajetória, desafiando o lendário alemão, que tentou se despedir algumas vezes do palco principal do tradicional torneio inglês. E por mais difícil que tenha sido aceitar a hora de parar, nada se compara aos inúmeros problemas que ele enfrentou, especialmente, quando pendurou as raquetes. Dividido em dois capítulos no Apple TV+, O Mundo vs. Boris Becker (2023), repassa mais do que os anos de glória de um nome que se tornou referência entre os grandes esportistas da história. Um jogador que se profissionalizou ainda adolescente e que talvez não tenha entendido que cada sopro de brisa em sua vida, se transformou num tornado, por conta dele mesmo.
Ao alcançar o topo do ranking da ATP em 1991, o experiente tenista de Leimen era o principal jardineiro da quadra central de Wimbledon. Acompanhou bastante competitivo, nomes como Sampras e Agassi, se alojarem num torneio que é impossível se biografar, sem destacar os três títulos de Boris, além de outras quatro finais e memoráveis partidas nas décadas de 80 e 90. O exímio sacador sempre lutou bravamente, se lançando a bolas que pareciam impossíveis de se alcançar exigindo sempre um golpe a mais de qualquer adversário. Mas viver no mundo real quando os aplausos acabam, parece ter sido muito mais difícil para o detentor de seis troféus de grand slam.
Segundo Ion Tiriac, ex-tenista romeno e empresário que cuidou por muitos anos da carreira de Becker, um jogador tem o mesmo nível das pessoas ao seu redor. Muito antes de deixar as quadras, uma sucessão de escolhas equivocadas do atleta, se acumularam numa bolha que, ao estourar, vazou inúmeras decisões desastrosas. Compromissos firmados com a promessa de se honrar com valores ainda a receber, estão entre os motivos, de uma imensa lista, que o levaram à falência e posteriormente à cadeia, por oito meses. Nenhum novo problema financeiro parecia o suficiente na vida do multicampeão que, junto a troféus, somou ao seu currículo, inúmeras dívidas. E o hábito de escolher uma verdade mais confortável à memória, não o livrou de lidar com os fatos.
Alex Gibney entrevistou Boris por três anos até os dias que antecederam sua prisão em 2022. Reuniu relatos de personagens que viveram papeis importantes na carreira do alemão, como Bjorn Borg, John McEnroe e Novak Djokovic. E nos depoimentos de tantos outros que testemunharam seus sucessos e fracassos, identifica-se o costume do tenista, de se lembrar de certos eventos, como lhe convém. A edição dos dois episódios avança e regressa, diversas vezes, em acontecimentos da vida de um homem que atingiu o topo como num salto único. Detalhando que boa parte dos problemas que germinaram anos depois de deixar o circuito, foram plantados enquanto ele ainda estava em atividade.
Becker viveu, a maior parte do tempo, como se apresentou em quadra. Mergulhando por pontos num jogo que ele mesmo entende, ser binário. Medido, simplesmente, por acertos e erros. Depois de tantos aces, winners, duplas faltas e incontáveis tentativas de honrar suas dívidas, resta saber se o tempo atrás das grades foi capaz de retirá-lo do fundo do posso que ele mesmo se colocou.