
A universalidade da narrativa ficcional, que pode ser transposta para qualquer lugar e ajuntamento social semelhante ao descrito em um texto, é característica de boa parte dos thrillers. Se o suspense geralmente funciona em diferentes idiomas não é apenas devido à similaridade de intenções humanas, mas também à globalização do planeta, que aproximou costumes. A trama de Casas estranhas (Intrínseca, R$ 49), do escritor e youtuber japonês Ukatsu, é dessas que poderia transcorrer em qualquer metrópole embora guarde peculiaridades únicas de um país conhecido pelo povo discreto e disciplinado.
A história que se inicia intrigante e rapidamente se torna sinistra é apoiada por plantas de casas cujos cômodos não obedecem a uma lógica arquitetônica. Um escritor especializado em “imóveis com um passado” e um amigo, que entende de construção, vão investigar a história dos antigos moradores de uma casa que está à venda. Em estilo seco e direto, recheado por diálogos, o livro que faz do leitor participante nas pesquisas dos personagens, já vendeu 1,8 milhão de exemplares mundo afora.
O aspecto comum da existência em megalópoles também é perceptível nos 18 contos de O buraco do mundo (Numa, R$ 60), de Maria Sílvia Camargo, até quando o realismo fantástico domina a narrativa. A solidão envolve boa parte dos personagens estão diante ou presos a situações-limite. Um casamento insuportável é encerrado no Carnaval, a felicidade fugaz deixando de lado a solidez da monotonia. A mulher que se submete a um aborto – ilegal, mas dentro das melhores práticas cirúrgicas – se irrita com os carinhosos termos infantilizados pelo pessoal médico ao atendê-la. A violência urbana que mata crianças inspira algumas das histórias de tanta gente angustiada, em conflitos internos perenes sobre a sobrevivência diante da brutalidade contemporânea.
Um dos mais democráticos redutos da carioquice, ponto onde se encontram artistas, intelectuais, aposentados, travestis, vagabundos e toda a fauna que circula pelo mais conhecido bairro do Rio de Janeiro, é descrito em “Um botequim de Copacabana” (Vilarejo, R$ 35, à venda no Sebo X, @seboxis, (21) 99634-8756) , de Paulo Andel. Morador do bairro desde criança, foi no Super Shopping Center, um dos primeiros a ser construído, nos anos 1950, no Rio de Janeiro, que Andel conheceu os personagens de suas crônicas. O botequim, que não existe mais, ficava dentro desse estranho centro comercial que hoje congrega diversos antiquários, brechós, salões de beleza, um teatro, lojas de material elétrico, supermercado e lavanderias, termas e uma igreja católica. Acima dos três andares dedicados ao comércio, há unidades residenciais, onde moraram muitos dos frequentadores do botequim Sniff.
Agenda
Em “Os anos de vidro” (Editora Nós, R$ 70), Mateus Baldi traz onze histórias protagonizadas por quem vive à margem das convenções e que também se espalham pela cidade grande, em constante reinvenção pessoal, seja na migração de classe ou identidade de gênero. A cidade é cenário e elemento que impulsiona comportamentos e existências. O lançamento, neste sábado, 7 de junho, às 16h, na Janela Livraria (Rua Maria Angélica, 171 B, Jardim Botânico), terá debate entre Mateus Baldi e Beatriz Resende.
Se o Brasil teve a Tropicália e a MPB como movimentos que não apenas transformaram a música brasileira, mas fizeram a crítica aos anos de ditadura, compositores portugueses também deram o tom e a senha – a canção Vila Grandola, Morena, que anunciava a chegada dos militares de todo o país a Lisboa – para a derrubada do salazarismo, em 1974. No sábado, 7 de junho, às 19h, no sebo Baratos da Ribeiro (Rua 19 de fevereiro, 90, Botafogo), o crítico musical Luís de Freitas Branco lança “A Revolução Antes da Revolução” (Zigurate, R$ 90), e fala sobre canções e intérpretes como Sérgio Godinho, Amália Rodrigues, Tonicha, que, entre outros, desde 1971 fizeram da música instrumento de luta contra o fascismo.