
Por Angela Rocha – Escritora, autora de Gaveta de Histórias.
O primeiro amor a gente nunca esquece. Ainda mais quando começa no Rio de Janeiro, atravessa quase trinta horas de ônibus até Porto Alegre, passa por ruas perigosas, enfrenta todo tipo de perrengue – e termina num centro cirúrgico, onde quase perdi um rim.
Tudo começou quando eu e uma amiga fomos abordadas por dois jovens gaúchos dentro da barca que liga o Rio a Niterói. Eles pediam informações. Foram apenas vinte minutos de travessia, mas o suficiente para que eu chegasse em casa e anunciasse à minha mãe:
– Encontrei o grande amor da minha vida!
O problema é que eles já estavam de partida. Foram só dois dias de passeios pela Cidade Maravilhosa. O jovem de 17 anos foi embora levando minha promessa de que moveria céus e terras para encontrá-lo em Porto Alegre, em janeiro do ano seguinte.
Não foi fácil convencer as famílias a permitir que duas meninas de 15 anos viajassem sozinhas de ônibus até o Sul do Brasil. Foram seis meses de cartas, telefonemas, economia de mesada e toda uma trama cuidadosamente arquitetada para que a viagem acontecesse.
O universo conspirava a nosso favor. A amiga da história também era gaúcha e tinha avós morando no Sul. E depois de muita confusão, voltas e reviravoltas, partimos felizes rumo à aventura.
E que aventura! A primeira parada foi Porto Alegre, onde nos hospedamos na casa de parentes distantes dela. Um apartamento minúsculo no centro, na então famosa Rua Voluntários da Pátria – a” Volunta”!
Descobrimos logo na primeira noite, da pior forma possível, que estávamos hospedadas na principal rua de prostituição da cidade. Só saímos ilesas graças à generosidade de um funcionário de lanchonete, que embrulhou nossos sanduiches e nos escoltou até a porta do prédio.
Mas os problemas estavam só começando. Em Rio Grande, extremo sul do Estado, fomos recebidas pelos avós paternos da minha amiga – dois imigrantes poloneses austeros que me estranharam logo de cara. Uma carioca de shortinho e que tratava todo mundo por “você” em vez de “tu”? Um escândalo!
Nossa rota de fuga dos olhares atentos dos avós era a praia do Cassino. O ponto de encontro, a estátua de Iemanjá. Foi ela que testemunhou encontros fugazes e juras de amor.
Mas também houve desencontros – e as primeiras cólicas renais. Em certo momento comecei a urinar “cor de coca cola”. Sangue, eu descobriria depois. A amiga, desesperada. Eu, firme no segredo. Afinal, ainda restava uma semana de viagem. E, naquela idade, nos achamos imortais.
Voltamos um dia antes para Porto Alegre. A família do primeiro amor avisou que só chegaria no dia seguinte. Surgiu a oportunidade: um apartamento vazio e uma noite inteira pela frente. Dois jovens apaixonados.
A lua cheia entrava pela janela do quarto, junto com a brisa suave. Estávamos deitados lado a lado na cama. As respirações ofegantes e o silêncio dos pensamentos, em perfeita sincronia.
Na cabeça dele, as recomendações sobre respeitar moças de família. Na minha, as contradições adolescentes: Força e fragilidade, certezas e dúvidas, coragem e medo.
Senti sua mão escorregar pelos lençóis e encontrar a minha. Dormimos assim: de mãos dadas, paralisados, olhando para o teto, vencidos pelo cansaço.
A despedida foi carinhosa, com beijos molhados de lágrimas – mas desta vez, sem promessas. Ambos sabíamos que a vida seguiria seu curso implacável.
De volta ao Rio, tive a pior das crises renais e fui parar no hospital. Uma pedra havia obstruído o canal do rim esquerdo.
A cirurgia foi de emergência. O rim foi salvo. E tudo acabou bem – na medida do possível.
As loucuras que fazemos por um primeiro amor não tem preço – e, às vezes, nem medem consequências. Mas o que ficou para sempre foi a amizade com a cúmplice de todas as aventuras e loucuras: Rita.
( Na foto, as amigas, Angela Rocha e Rita, em 1975 e em 2024, no lançamento de Gaveta de Histórias, na Livraria da Travessa do Leblon).