
No momento em que o país estremece diante de ameaças de sanções comerciais por motivos difusos, é hora de reforçar a brasilidade com livros que mesclam a cultura sincrética que cunhou nosso povo. Um guia de dramaturgia, poesias, um romance, um dicionário – todos convergem para a formação brasileira, tão mestiça, cuja desintegração só é almejada por quem teme essa troca de saberes, de afetividades e irmandade que integra uma nação.
Reunindo mais de 90 dinâmicas e exercícios técnicos, sensoriais e performativos, “Focos Móveis – Atuação no campo intensivo das artes da cena” (Editora Javali, R$ 120), da atriz, diretora, professora e pesquisadora Ana Kfouri, traz sua prática de ensino de Artes Cênicas, focada na escuta do corpo e na sua relação com a palavra, fugindo de métodos hegemônicos e normativos. As dinâmicas podem ser vistas por QR Codes distribuídos ao longo das páginas e oferecem “uma alternativa brasileira às técnicas europeias e americanas que tendem a se perpetuar na tradição do teatro pelo mundo”, explica Ana Kfouri, que parte de uma abordagem ética, estética, afetiva e política nesse “livro-cena”, voltado para artistas, cuja conceituação filosófica e libertária pode atingir outros públicos.
Com um título e uma capa que convidam a múltiplas interpretações, “Borda – Mais alguma poesia” (Numa, R$ 53), de Flávia Souza Lima, remete tanto para o limiar entre diferentes espaços, como as formas bordadas que arrematam tecidos diversos. Elementos da natureza permeiam os vários textos, relacionados por conceitos – Beira, Vaga, Linha, Arrebentação, Miragem, Espuma – que adentram organismos – da criadora, do leitor. São poemas que falam de amor, de procura, de desencontros, da integração com o ambiente da megalópole onde a natureza ainda luta para sobreviver. Praia, a principal avenida da cidade grande, o mar que intimida e acolhe quem vive em sua borda são alguns dos cenários onde a poeta vislumbra paixões por pessoas e pela vida.
Trilhando estradas Brasil adentro, uma dupla sem qualquer ponto em comum na vivência, cria uma nova trajetória, confrontando o racismo, a herança escravagista e a perseguição religiosa em “O patuá de Oxum” (Numa, R$ 60), de Marcus Veras. Jefferson, um jovem branco, de formação evangélica, rouba a féria de uma quadrilha que vende drogas e contrata o negro Baldwin como motorista para fugir até a Bahia. Na viagem de fuga, os dois encontram com personagens e fenômenos da religiosidade brasileira que vão ajudá-los a escapar da perseguição do bando, revelando um universo mágico que se conecta com a herança africana e indígena no Brasil. O romance, que começou como conto, transformou-se em argumento de roteiro antes de chegar à forma atual, conta o autor, que faz o lançamento na segunda-feira, 28/07, às 19h, na Livraria da Travessa de Botafogo.
E nesta sexta, 18/07, 18h, no Cortiço Carioca (Rua Joaquim Silva, 105, Lapa, RJ), o professor e filósofo Renato Noguera lançou “ABC do amor”(Oficina Raquel, R$ 68), que a partir de 103 palavras ou expressões, apresenta breves ensaios sobre as múltiplas sintaxes da experiência amorosa e defende a potência revolucionária das relações afetivas. Estruturado como um dicionário, conceitos como “Abraço”, “Alegria”, “Amor-próprio”, “Afeto”, “Amizade”, “Amor como ato político”, entre outros, constroem uma cartografia do amor, com referências que vão de Espinosa a bell hooks, de Platão a Sobonfu Somé, entrelaçando os saberes da tradição ocidental com percepções afrodiaspóricas e indígenas.