
Meu pai, João Pinheiro Neto, estava lá, ao lado de João Goulart, no palanque do célebre comício da Central do Brasil, em 13 de março de 1964, quando o então presidente da República, anunciou as Reformas de Base, que entrariam em prática, em seu governo, a partir daquele momento histórico, inclusive a Reforma Agrária.
Jango assinou dois decretos no Comício da Central do Brasil. E, isso
era possível, de acordo com a Constituição de 1946.
O primeiro decreto era simbólico. Sobre a desapropriação das refinarias de petróleo que ainda não estavam em poder da Petrobras (atualmente, a palavra Petrobras é sem acento e muita coisa mudou, a partir da ditadura militar).
O segundo era o chamado ” Decreto da Supra, elaborado por João Pinheiro Neto, presidente, na época, da Superintendência da Reforma Agrária.
Pelo decreto da Reforma Agrária, João Goulart declarava as propriedades subutilizadas como sujeitas à desapropriação.
Organizado pela Central Geral dos Trabalhadores, CGT , presidida pelo sindicalista e deputado, pelo PTB de Juiz de Fora, Clodesmidt Riani (1920-2024), pelo PTB e trabalhistas históricos, como o jornalista e ex-deputado José Gomes Talarico, grandes amigos de meu pai, o Comício da Central foi um sucesso.
O palanque , instalado na tradicional Praça da República, situada em frente à Central do Brasil, com a Avenida Presidente Vargas , ficava a 133 metros de distância do Palácio Duque de Caxias, onde funcionava o quartel-general do Comando Militar do Leste, antigo prédio do Ministério da Guerra (que, em 1964, já havia sido transferido para Brasília).
Havia rumores de que Jango poderia sofrer um atentado, no comício. A primeira-dama, Maria Tereza Goulart fez questão de comparecer e de ficar do lado direito de seu marido, presidente da República.
Comandante do I Exército, em março de 1964, o Marechal Moraes Âncora ( que também ficou ao lado de Getúlio Vargas quando os militares golpistas quiseram invadir o Palácio do Catete, em 1954) ficou a postos, alerta, para que nada acontecesse ao querido e pacífico presidente Jango.
Duzentas mil pessoas ( entre admiradores de João Goulart, sindicalistas, representantes da sociedade civil, estudantes, professores, artistas, intelectuais e lideranças progressistas ) , pelos cálculos da imprensa e da polícia militar, estiveram no Comício da Central do Brasil. Para ouvir o discurso de Jango.
Na ocasião, João Goulart revelou, ainda, que preparava a Reforma Urbana.
Disse que iria diminuir os valores dos aluguéis, que iria fazer a reforma administrativa, a reforma universitária, a reforma bancária, a reforma eleitoral, a reforma universitária e a reforma fiscal.
Também estavam programados Comícios de João Goulart, no dia 21 de abril ( Dia de Tiradentes)de 1964, em Belo Horizonte, no dia primeiro de maio, em São Paulo.
No palanque, também participaram o genial Darcy Ribeiro e os políticos Miguel Arraes e Leonel Brizola, que, além de Jango, eram alvos da oposição ferrenha que Carlos Lacerda, da conservadora União Democrática Nacional, UDN, fazia aos trabalhistas, do PTB, e aos setores progressistas do antigo PSD .
Em resposta ao Comício da Central do Brasil, no dia 13 de março de 1964, no dia 19 de março, seis dias depois, setores da igreja, do meio rural retrógrado
e do empresariado que defendiam o discurso moralista da UDN e representavam as elites e a propriedade privada, organizaram no dia de São José, “padroeiro das famílias “, a ” Marcha da Família com Deus pela Liberdade “, que teve grande adesão, principalmente, em São Paulo, com o discurso do anticomunismo (eles acusavam o fazendeiro Jango de ser comunista).
Em seu discurso, no Comício da Central, Jango falou sobre a importância do “inolvidavel Papa João XXIII”, que nos ensinou “que a dignidade da pessoa humana exige o direito ao uso dos bens da terra “.
Ao contrario, os idealizadores da “Marcha da Família” tinham como grande inspirador o padre irlandês Patrick Peyton, que ignorava as mensagens de cunho social do Papa João XXIII.