
A entrevista da tradutora e professora Aurora Bernardini e suas considerações sobre Itamar Vieira, Annie Ernaux e Elena Ferrante, que, a seu ver, não fazem literatura, deixaram as redes sociais em polvorosa. Bernardini conquistou aplausos de uns por insurgir-se contra os best-sellers em geral, mas foi condenada pelos que a veem como anacrônica e elitista.
Separar a escrita medíocre do que vai “ficar” é praticamente impossível em tempos de desconstrução incessante. Só quem estiver no planeta daqui a dois séculos poderá constatar quais autores se tornaram clássicos. Enquanto se fala, como Bernardini, em conteúdo privilegiado em detrimento da forma, em escritores que não ousam experimentar novas formas de narrativa, poucos leitores se aproximam desse debate teórico. Só o tempo consagra os clássicos – e nem sempre as experimentações criativas perduram, como o nouveau roman francês, mais preocupado detalhar ambientes aos quais estariam subordinados trama e personagens.
A eterna rotulação do que é artístico e o que é apenas popular por sua simplicidade em atingir grandes públicos interessa mais aos acadêmicos do que ao próprio mercado editorial, sustentado, no mundo inteiro por livros de temática religiosa, autoajuda, biografias e romances sem grande profundidade. Um dos gêneros mais desprezados pelos especialistas em literatura, o romance policial, têm seus fãs entre os próprios estudiosos, que incensam autores como Dashiell Hammett e Patricia Highsmith. Popularíssimo, o segmento também obedece às ondas de mercado. Atualmente, sobram os enredos que alternam flashbacks e momentos do presente narrativo. E se a maioria é previsível, há os que surpreendem os admiradores do suspense, como “Herança macabra” (Faro Editorial, R$ 57,90), da mexicana Verónica E. Llaca, que cria uma teoria ficcional em torno de Felicitas Sanchez Aguillón, talvez a maior serial killer do México, acusada de matar incontáveis recém-nascidos entre 1910 e 1941.
Llaca monta um mosaico de personagens sinistros, que congregam bons e maus sentimentos, entre eles os filhos (fictícios) da assassina. Parteira e aborteira, Felicitas traficava os bebês indesejados, assassinando os que não conseguia dar para adoção. A maternidade biológica, indesejada, almejada ou renegada, além da carga genética que determinaria propensão para o crime angustiam os personagens. Não faltam elementos reais pavorosos, como os corpos de criancinhas encontrados na rede hidráulica da casa de Felicitas, um nome que contradiz seu próprio significado. Talvez Verónica E. Llaca não faça a literatura que a Academia quer entronizar, mas criou um vira-páginas que faz o leitor continuar refletindo depois de fechar o livro. Não é isso o que a arte deve propor?
“Partida ao cais” (Urutau, R$ 55), de Carla Mühlhaus, traz as mulheres (dos) surrealistas, cujas carreiras foram obliteradas pelas de seus companheiros, para traçar uma história ficcional atriz Elizabeth Short, conhecida como Dália Negra, assassinada aos 23 anos, em Los Angeles. Encontrado em um terreno baldio, o corpo da jovem parecia compor um quadro surrealista fotografado por Man Ray. A morte da mãe da narradora é o que a se debruçar sobre a obra de Leonora Carrington e Frida Khalo, entre outras artistas, em uma narrativa onírica que busca dar voz a tantas criadoras, que tiveram reconhecimento tardio, quando não depois de morrerem.
“O Rei de Ferro” (Bertrand Brasil, R$ 69,90), de Maurice Druon, primeiro dos sete volumes dos romances históricos “Os reis malditos”, ganha sua décima segunda edição brasileira. Lançada em 1955, a série começa com a morte do último mestre da ordem dos Templários, que teria amaldiçoado o rei francês Felipe, o Belo, um ministro de Estado e o papa da época. Os três morreram no período de um ano após a execução, confirmando a lenda da maldição, que se estenderia aos descendentes do rei. A linguagem é antiquada, mas a trama irresistível!
“O 8 de janeiro que o Brasil não viu” (Intrínseca, R$ 59,90), de Ricardo Capelli, é seu relato sobre o período em que ficou à frente da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, a partir da invasão e depredação das instalações do Congresso, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal por uma multidão de simpatizantes do ex-presidente Jair Bolsonaro. Dois anos e meio depois, o ex-presidente responde a processo por tentativa de golpe de Estado.