
Benjamin Rothstein inaugurou nesta quinta-feira, 4, na galeria da Universidade Cândido Mendes, em Ipanema, sua exposição “A Dois”. A mostra tem curadoria de Denise Araripe e mentoria de Daniele Machado. Os séculos de tradição somados à ciência ameaçaram a pintura no século passado com a possibilidade do esgotamento, fazendo crer que não restariam mais mistérios na tela. Tais ideias não consideraram, ao menos não o suficiente, a magia e o rito que estão na gênese da imagem, bem como a relação dialógica que permanece como uma variável da equação pictórica. A imprevisibilidade inerente de estar a dois, quando a individualidade é constituída de modo interdependente, se tornou um objeto e uma ferramenta para Benjamin Rothstein.
Em suas paisagens abertas e fechadas, os elementos são sempre em relação ao outro, sendo revelados e escondidos à medida que se alternam em formar pares. Entre as pinceladas aparentes, que registram a coreografia e os níveis de tensão do corpo, há traços mais fluidos e mais duros. Por vezes, eles formam grandes manchas, com raras gradações, cujas passagens bruscas entre as cores as equipara às narrativas oníricas reconhecidas primeiramente. Nessa hierarquia, a abstração também pesa sobre a figuração com os vazios que irrompem sem regra nas cenas, mas de modo ameno.
O próprio processo artístico de Rothstein acontece a dois. Esse objeto caro que ele busca representar tem como modelos os que encontra em sua relação a dois com o mundo, no cotidiano: entre pessoas e coisas, sem distinção. São encontros que surgem nas caminhadas diárias na Lagoa Rodrigo de Freitas, nas ruas das cidades para onde viaja, nas exposições que frequenta, nos filmes que assiste, dentro dos cômodos de casa e de outras arquiteturas. No entanto, esses encontros são apenas referenciais. Sem um plano inicial, eles são decupados e reimaginados, sofrendo subtrações e adições de componentes estrangeiros. O processo se encerra quando a instabilidade é atingida e as lacunas estão seguras, bem fundadas.
De nossa parte, a inclinação sedutora a tentar dominar as narrativas construídas é vã. Ao menos um elemento escapará, ao mesmo tempo que será animado justamente pelo mistério de sua inconveniência na composição, ao obstruir a expectativa de equilíbrio e harmonia com uma suavidade ácida. Em outra via, esses objetos de estranheza ligam o pintor à tradição, resguardando na produção artistica atual um lugar precioso, que é livre da palavra que explica. Benjamin Rothstein o faz com um humor sofisticado pela espontaneidade, sem razão, e exige do espectador a cumplicidade — sem a qual não existe ser a dois — para a experiência primeira, desprevenida, como a da criança, poder acontecer a cada quadro.
Fotos José Olímpio