
Oscar Wilde
Por Fernando Peregrino – Ex-presidente do CONFIES, vice-presidente do Clube de Engenharia, Pró-Reitor de Gestão e Governança da UFRJ.
“A vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida”.
Oscar Wilde
Oscar Wilde acreditava que a arte moldaria a vida. Enquanto a ciência lança hipóteses sobre o porvir, a arte — e o artista — conseguem vislumbrar o que está por vir. E, às vezes, prever o futuro.
Há vinte anos, lutávamos contra a burocracia e os ataques às fundações de apoio. Quem não se lembra do slogan maldoso de certos grupos dentro da própria universidade, que nos chamavam de “as fundações ditas (sic) de apoio”? A ironia vinha carregada de acusações: diziam que as fundações privatizariam as universidades. Um jornal de grande circulação chegou a lançar a campanha “Universidade S/A”.
Para nos defender, contávamos apenas com o CONFIES e algumas raras vozes da comunidade acadêmica e científica.
Certo dia, o professor Luiz Pinguelli Rosa, então diretor da COPPE/UFRJ, irritado com os órgãos de controle que travavam o funcionamento das fundações de apoio, lançou-me um desafio, como diretor da Fundação COPPETEC:
— Peregrino, que tal fazermos uma peça de teatro denunciando o excesso de burocracia dos órgãos de controle?
A Controladoria-Geral da União (CGU) havia criado uma “cartilha de entendimentos” sobre o que as fundações podiam, ou não podiam fazer. Eram 114 verbetes, de grande simplismo: “pode”, “não pode”.
Pinguelli respondeu à cartilha com um artigo no jornal O Globo, intitulado “Quem vai pagar o almoço do Einstein?”. No texto, ele contava que um dia o cientista famoso vinha almoçar com pesquisadores da UFRJ e alguém perguntava: “Quem pagará o almoço desse cientista ilustre?”
Chegamos a nos reunir na OAB, pedindo apoio à entidade conhecida por defender os que sofrem com o arbítrio. Depois, fomos à Assembleia Legislativa receber uma homenagem. Até que chegou o dia do desafio teatral.
A linguagem da arte poderia ser uma saída para convencer o controle de que, daquele jeito, não haveria mais pesquisa no Brasil. Convidei a atriz Jalluza Barcelos, que liderava um grupo de teatro, e ela me apresentou ao dramaturgo Levi. Reunimo-nos e passamos a eles a ideia central da peça.
O enredo tratava de um “pecado” então gravíssimo para um pesquisador: trocar uma rubrica orçamentária do projeto. Era proibido alterar qualquer rubrica sem um longo e tortuoso processo de autorização prévia. Quando a resposta chegava, o projeto já havia mudado — ou terminado.
Assim, a peça imaginada contava a história de um reitor fictício que recebia uma carta dos “Us” (CGU e TCU):“Sinto muito. V.Sa será destituído porque trocou de rubrica em seu projeto.”
O reitor lia a carta diante da família, desesperado:
“Não suporto essa dor. Vou me suicidar.”
Planejava pular no tanque oceânico da COPPE/UFRJ. Consultei o professor Luiz Bevilaqua da UFRJ sobre o roteiro, iluminado, ele me disse: – Peregrino, muito legal essa ideia desse roteiro do teatro, mas vamos fazer um final feliz…. Essa foi a chave! Assim, antes do ato, os agentes dos “Us” começam a refletir: “Será que a ciência não deve ser apoiada? Não estamos tolhendo justamente quem faz a ciência avançar?”
E então mudaram de lado: passam a defender a ciência, os cientistas e os professores. No final, não houve suicídio. Os agentes do TCU e da CGU se confraternizaram com os cientistas, e tudo voltou ao normal.
A peça antecipou o que, felizmente, o tempo confirmou: o próprio TCU se considerou uma ICT – Instituição de Ciencia e Tecologia; a AGU implantou um laboratório de inovação; e o marco legal da inovação passou a enfatizar que o essencial na prestação de contas é o resultado do projeto de pesquisa, e não a rubrica orçamentária.
Infelizmente, a vida viria a imitar o que a arte havia recusado realizar. Poucos meses depois, o reitor Luiz Carlos Cancellier, da UFSC, lançou-se do quarto andar de um shopping, após ser injustamente perseguido e humilhado. Um vítima fatal de um sistema de controle e de um judiciário que o condenaram sem culpa.
Moral da história: uma peça de teatro previu o futuro. Confirmava o que formulava o Oscar Wilde que naepígrafe. O dia em que os órgãos de controle passariam a compreender e apoiar mais a ciência. Mais que isso, passaram a imitar os métodos de fazer e gerir a ciência.
Mais uma vez a arte nos ensinou..