
“Só os idiotas têm certezas. Os inteligentes, esses vivem se debatendo em dúvidas.” – Paráfrase de Bertrand Russell (1872 – 1970)
“Estes são os meus princípios. Se não gostou, eu tenho outros”
Groucho Marx (1890 – 1977)
Este é um livro que investiga a natureza das memórias. Verdadeiras, doloridas e leves, mas que também podem soar falsas, imaginadas e aventureiras. Algumas foram vividas com suas consequências e, aparentemente, entre nostalgias e sustos, constroem a narrativa de uma vida. As inventadas se confundem com as verdadeiras, as vezes de forma dramática, as vezes cômica. E modificam uma narrativa que parecia linear e feliz. É a memória que falha? Ou a invenção é intencional? O que, no fim das contas, é realidade e imaginação na reconstrução narrada de lembranças vividas?
A motivação inicial para este livro foi a doença e posterior morte do irmão do autor. Além da dor da perda física, ficou em Pedro uma sensação de ter perdido histórias e memórias, passagens de uma vida que só seu irmão poderia conhecer e guardar. Assim, pensou, o que fazer com as suas? Colocar no papel. Mas descrever aventuras de adolescência ou juventude pareceu pouco, um arquivo de passagens de uma vida comum soou aborrecido e desinteressante para si e para quem mais fosse ler. Por que não inventar uma outra vida que refletisse estes mesmos momentos, por um ponto de vista bem menos otimista, as vezes trágico, embora em muitos momentos cômico?
Leitor ávido, graduação e mestrado em Economia pela PUC – RJ, autor de uma coluna mensal de jornal, o carioca Pedro abriu a página em branco confiante de que não teria dificuldade para preenchê-la. Disposto a mostrar que de tédio nunca planejou morrer, no ano de pausas e trabalho remoto provocados pela pandemia da Covid 19, consegue dedicar algum tempo a escrever as memórias afetivas da vida, de fato, cheia de aventuras, passada entre as praias e a Lagoa do Rio de Janeiro. E começa a compartilhar com amigos histórias envolvendo personagens de quem esteve próximo por toda uma vida. Ou quase todas.
Numa espécie de fluxo de consciência cômico-memorialístico e alguma dose de imaginação, por vezes até hiperbólica, vai com tudo em busca da redenção de seus avessos e maus costumes. O resultado é, alusões à parte, um autorretrato do economista quando jovem que começa logo de cara com a revelação de uma espantosa árvore genealógica. Por exemplo: o ilustre professor Pedro Cavalcanti Ferreira é neto de um militar assassino estelionatário.
Logo na abertura do rascunho que viria a se tornar este primeiro livro, ele vai direto ao ponto e fulmina o leitor com a história do avô materno, o general Felinto Abaeté Cavalcanti, que ainda casado com a esposa carola, depois de matar a amante com tiros à queima-roupa, foi condenado e preso por aplicar golpes como a venda de lotes de terrenos inexistentes. Mas as contradições ancestrais não acabam aí. De más influências o universo familiar deste carioca de elite estava cheio. Mais tarde, descobriu que o avô paterno, o fazendeiro Ordomundi, não tinha de estranho apenas o nome de batismo realista-fantástico. Era outro homem pequeno e ruim.
Mesquinho e cruel com os filhos e netos, Ordomundi é descrito pelo neto e autor como um incompetente que vivia da herança da esposa e nunca conseguiu tocar a fazenda deixada pelo sogro em Minas: “(…) quando este morreu, não lamentou, não derramou uma lágrima nem foi ao enterro em Cambuquira, inventou uma desculpa para ficar no Rio (…)”, confessa Pedro em uma das passagens autorreferentes escritas em terceira pessoa.
Sim, mas o que é verdade e o que é mentira nesta narrativa que sugere mistura de tudo o tempo todo? Mais adiante, com o circo familiar armado, Pedro provoca mais confusão ao revisitar as próprias zonas de sombra. Sugere em ordem direta que elas existem em sua vida solar e podem ser mais surpreendentes do que imagina a vã filosofia de boteco de beira de praia dos amigos de juventude.
A vida do professor de reputação ilibada, como a de qualquer um de nós, foi feita de escolhas que, nesta narrativa à luz difusa da memória, poderiam ter levado a outra – ou outras trajetórias. Roubo e assassinato do melhor amigo? Talvez. Drogas, alienação juvenil, trapaças? Seguramente. Quem diria, professor Pedro?
Para a economista Elena Landau, prima-irmã do autor que assina a orelha do livro, foi uma grata surpresa descobrir a veia literária do primo. “Quando Pedro me contou que estava escrevendo, eu esperava algo sobre Economia. Mas não, fui tomada de surpresa ao ler os primeiros rascunhos. Autobiografia e romance policial se intercalam em suas páginas. Sabemos que toda memória é uma construção. Ao longo do tempo é quase inevitável a revisão do passado, muitas vezes buscando dar uma moldura mais positiva aos acontecimentos. Não é o que Pedro faz neste livro, no qual mentiras invadem as lembranças, construindo um personagem quase sinistro”, escreve Elena.
Prefaciador do romance de autoficção, o jornalista e escritor Marcelo Lins foi levado pela leitura a reflexões profundas: “Se cada pessoa é uma galáxia, de pensamentos, atos, relações, vivências, vitórias, derrotas, orgulhos e vergonhas, toda família é um universo, com todos esses elementos multiplicados ao infinito. Quando espanamos a poeira da memória, acumulada ao longo dos anos sobre personagens e episódios, (re) descobrimos um mundo novo, inclusive as invenções da nossa cabeça”, diz ele.
Com fatos ou hipérboles fantasiosas, nesse jogo da memória, o autor diverte seus leitores, mas também instiga a imaginação sobre tudo que poderia ter sido e não foi na vida de cada um de nós. Abala conceitos e convicções e mostra, sobretudo, que sim, as aparências enganam.
Sobre o autor: Formado e graduado em Economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC- RJ), com PhD pela University of Pennsylvania, Pedro Cavalcanti Ferreira é responsável por extensa produção científica no campo da macroeconomia. Professor desde 1993 da Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getúlio Vargas (EPGE-FGV), dirige na instituição o centro de pesquisa Crescimento & Desenvolvimento Econômico, orientando o estudo de temas como educação, aposentadoria, desigualdade de renda e riqueza. Autor de uma coluna mensal no jornal Valor Econômico, participa ativamente do debate de política econômica no Brasil.
Ficha técnica
Título: Memórias e mentiras
Gênero: Romance
Autor: Pedro Cavalcanti Ferreira
Editora: 7 Letras
Páginas: 256
Preço: R$ 87,00
* Em pré-venda no site da editora até o lançamento com desconto de 20%:
R$ 70,00 ou R$ 66,50 no pix.
Sessão de autógrafos: Segunda-feira, 10 de novembro de 2025
Local: Livraria Travessa Leblon
Horário: 19h






