
Uma mulher com um passado tenebroso que conseguiu se fortalecer para ter uma boa vida. Assim a jornalista argentina Leila Guerriero define Silvia Labayru, que sobreviveu à tortura e pressões dos militares que a aprisionaram em 1977, quando tinha vinte anos e cinco meses de gravidez. Depois de dar à luz na cadeia, Silvia foi convocada, como outros presos, a fazer “serviços” para os militares, dentro de um programa de “recuperação” ideológica. Entre as tarefas estava a de se passar por irmã de um de seus captores para se infiltrar entre as Mães da Praça de Mayo.
Passaram-se quarenta anos até Silvia Labayru aceitar conversar com um jornalista. Libertada em 1978, ela foi repudiada por ex-companheiros de militância do grupo Montoneros, pois a ação junto às Mães da Praça de Mayo levou ao desaparecimento de três das associadas e de duas freiras francesas. Leila Guerriero gravou mais de 80 conversas com Silvia para traçar seu perfil. Também ouviu amigos, ex-colegas de colégio, o primeiro marido, seus filhos, detalhando nas mais de 450 páginas de “A chamada” (Todavia, R$ 87,40) diferentes visões sobre uma personalidade fascinante.
A beleza da loura de olhos azuis destacava Silvia Labayru entre os colegas adolescentes do Colégio Nacional Buenos Aires, instituição de ensino que formava a elite portenha. Descrita como tímida, colecionou apaixonados, mas seu principal interesse era a militância no grupo Montoneros. Capturada sem acusação formal, ficou um ano e meio nas dependências da Escola de Mecânica da Marinha. Aos amigos influentes do pai foi creditado o “privilégio” da inclusão na “recuperação”, mas nem seus bons contatos impediram que sofresse toda sorte de violências físicas e sexuais. Para demonstrar boa vontade, os militares a levavam a visitar a filha recém-nascida, entregue aos avós paternos – o marido havia saído do país – ou marcavam encontros com seus pais. Depois, voltava para o centro clandestino de detenção da Marinha.
Atualmente no terceiro casamento, com um psiquiatra a quem namorou antes de se juntar aos Montoneros, ela se divide entre a Argentina e a Espanha. Boa parte das entrevistas aconteceu durante a pandemia, quando Silvia permaneceu em Buenos Aires, fazendo raras visitas à filha, que mora na Irlanda, e ao filho, que vive nos Estados Unidos. O retrato captado por Leila Guerriero mostra uma mulher cautelosa ao revelar o passado, que compreende o ressentimento dos antigos companheiros e refuta a acusação de traidora, justificando seu comportamento pelo temor de que os militares matassem sua família. Trabalhos anteriores da jornalista são marcados pelas minúcias narrativas que compõem as facetas de seus personagens reais. “Uma vida simples” (Bertrand, R$ 49,90), um livro-reportagem sobre um candidato a campeão de dança folclórica, também foi montado sobre as camadas que apresentam a diversidade que caracteriza cada indivíduo.
“A hora mágica” (Patuá, R$ 60), de Carlos Messias, aborda a espiritualidade dos povos originários da Amazônia dentro de um contexto atual: o crime organizado que se infiltra na região a serviço do agronegócio e o combate aos saberes ancestrais por fundamentalistas religiosos. Um psiquiatra em crise pessoal percorre o interior do Acre, descobrindo caminhos além do racionalismo ocidental através da ayahuasca e das medicinas tradicionais amazônicas. Ao conhecer os cantos de cura e cerimônias xamânicas, em meio a tensões sociais e políticas, ele estabelece um ponto de contato entre a cultura milenar dos indígenas e a ciência contemporânea, na narrativa que combina oralidade indígena e linguagem poética.
“Perimenoquê? Uma conversa sobre os hormônios a partir dos 40” (Intrínseca, R$ 59,90), da especialista em saúde holística Isabela Fortes, enfoca a perimenopausa – período de cerca de sete anos que antecede a menopausa propriamente dita – e a transição do que chama de “segunda adolescência” da mulher para a “Nova Primavera”. Dividido em três partes, o guia se aprofunda em questões como sintomas e diagnóstico da perimenopausa, aborda a polêmica em torno da reposição hormonal, tirando dúvidas sobre alterações no corpo que podem ocorrer na pós-menopausa: da pele seca, redução da libido e queimação na língua, passando pelas oscilações de humor até a necessidade de atenção à osteoporose.
“12 Coisas que a criança sabe que existem” (Armazém da Cultura, R$ 60), Manoela Queiroz Bacelar, mistura realidade e fantasia, trazendo o olhar encantado dos pequenos para os objetos do dia a dia. Só as crianças conhecem, por exemplo, sapatos-foguete em forma de sapos e vagalumes japoneses que vivem debaixo de sua cama, entretidos em comer pipoca escondido das mães. As ilustrações de Fernando França traduzem esse universo lúdico essencial para a formação de cada um. Embora destinado originalmente ao público infantil, o lirismo da autora, que recorda o quanto a imaginação é instrumento das crianças para entenderem os mistérios e normas da existência conquista leitores de todas as idades.