
Por Arlindenor Pedro – Professor de História, Filosofia e Sociologia, editor do Blog, Revista Eletrônica e canal YouTube Utopias Pós Capitalistas.Pobreza! Sempre tive uma dúvida sobre este conceito. Afinal, como poderíamos definir uma pessoa como pobre? Seria através dos parâmetros que o ex-presidente Bolsonaro traçou ao se referir aos povos originários e às comunidades quilombolas do Brasil?
Para ele os moradores do espaço-nação Brasil estão impedidos de enriquecer (deixar de serem pobres), devido à política desenvolvida de demarcação de terras, pois esta os deixaria em uma espécie de jardim zoológico, impedindo-os de explorar, comercialmente, as riquezas destes territórios: Ouro, petróleo, minerais, pastos, etc.
Pelos cálculos da ONU, considera-se pobre aquele que está abaixo da linha de pobreza, que delimita uma renda diária inferior a US$ 5,50, aproximadamente 875 reais por mês. Para a organização, esses indicadores são importantes.
Vejo também que há aqueles que definem a pobreza, geralmente, como a falta do que é necessário para o bem-estar material — especialmente alimentos, moradia, terra e outros ativos. Em outras palavras, a pobreza seria a falta de recursos múltiplos que podem levar à fome e à privação física. Mas, para mim, estes conceitos são insuficientes para definir o conceito de pobreza. Pois, têm, como medida de comparação, a economia e a posse de bens materiais. Essa forma de pensar, para mim, se torna insuficiente e tem que ser repensada.
Tenho o hábito de acompanhar, desde 2013, as matérias produzidas pela jornalista Eliane Brum, da Rede Sumaúma de notícias, da Amazônia. Eu a considero como uma das melhores jornalistas do país. Tem produzido, nos últimos tempos magníficos estudos que nos mostram com exatidão a tragédia a que os povos desta região estão submetidos, com o avanço do capitalismo predatório nas áreas que ocupam há muitas gerações.
Um desses estudos aborda a situação atual dos antigos moradores das áreas ribeirinhas limítrofes de Belo Monte, que tiveram suas casas invadidas pelos lagos formados para o funcionamento da enorme represa construída no governo petista da ex-presidente Dilma Rousseff.
Após uma intensa luta, deflagrada pelas comunidades indígenas e ribeirinhas e, em compensação, pela perda que tiveram, seus habitantes ganharam, como prêmio, serem transferidos para assentamentos construídos na cidade de Altamira. E é aí que a tragédia toma contornos inacreditáveis!
Esses ribeirinhos, a maioria de famílias de pescadores, artesãos, pequenos comerciantes, caçadores ou extrativistas, são jogados em um ambiente inóspito, totalmente diferente do espaço que ocupavam, ao qual estavam plenamente adaptados, pois pobres, na verdade, eles nunca foram. Estavam plenamente aptos à sobrevivência em um ambiente que dominavam e queriam ficar, pois, até a chegada das obras da represa, viviam em uma natureza exuberante que lhes dava as condições de sobrevivência. Com a ação de despejo governamental e da empresa responsável pela represa, deflagrou-se então um processo de diáspora, onde famílias são separadas e a vida tem que ser recomeçada. Perdeu-se aí então, para estes ribeirinhos, a identidade cultural construída em anos, e o caos se estabeleceu.
Altamira é uma cidade quente e desmatada. Ela, em última instância, é fruto da política de ocupação dos militares da Ditadura de 1964. Representa hoje o espaço de uma das cidades mais violentas do país. O empreendimento de Belo Monte, estimado em R$ 30 bilhões na época e a transferência dos povos ribeirinhos, fez a população altamirense saltar, em tempo recorde, de 100 mil, segundo o Censo de 2010, para mais de 140 mil, na avaliação da prefeitura. Dentre os problemas que daí resultaram, em uma cidade até então muito pobre, estão a piora do trânsito local, causada pelo aumento da frota de motocicletas, a escassez de água potável, déficits na estrutura de saúde e escolar, além da falta de emprego e condições de sobrevivência. Na área de segurança, podemos citar episódios correlacionados aos problemas socioeconômicos e ambientais gerados pelo empreendimento de Belo Monte. Como, por exemplo, o que em julho de 2019 se configurou como o Massacre de Altamira. Uma disputa entre as facções criminosas do Comando Vermelho e aliados do PCC pelo domínio do tráfico de entorpecentes e armas na região, que levou a morte de 62 detentos do Centro de Recuperação Regional de Altamira. E é neste ambiente que os moradores das comunidades alagadas da área de Belo Monte vão tentar sobreviver.
As reportagens da Rede Sumaúma sobre Altamira e sobre a diáspora dos ribeirinhos e a saga que empreenderam fora de suas terras é impressionante, e recomendo que todos procurem conhecer.
Mas, para o governo federal e estadual, a saída dos ribeirinhos da região onde viviam foi um avanço civilizacional. Para eles estes ribeirinhos acenderam economicamente: deixaram de ser pobres e ascenderam à classe média, ao irem morar em um conjunto habitacional, com luz, em rua asfaltada, acesso à internet, etc. Sairiam das casas de palafita, não precisariam mais coletar na floresta, criar animais para se alimentarem. Teriam conta no banco e teriam valor econômico, poderiam pagar com seus boletos os produtos de consumo do mercado, fazendo parte da estatística daqueles acima da linha de miséria computada pela ONU.
Não se ponderou trilhar outro caminho, ajudando estes ribeirinhos a se integrarem mais ainda na área em que já viviam e desenvolverem uma economia autossuficiente, plenamente integrada na floresta e no seu entorno. Uma economia de estrutura horizontal baseada nos recursos provenientes da natureza, potencializada pelas drogas vegetais, a preservação ambiental e o que é mais importante: uma relação entre os seres humanos onde o valor de uso tivesse plena preponderância sobre o valor de troca. Ao Estado caberia aqui ajudar a montar um sistema de saúde e de educação para dar suporte a tais comunidades, que teriam plena liberdade de gerência dos recursos federais e estaduais alocados. Enfim: uma comunidade autônoma, cujo desafio seria preservar suas tradições e crenças.
Mas, se fez outro caminho. Numa concepção de progresso, eles foram tratados como seres indesejáveis, um estorvo. Tiveram, então, com a remoção, simplesmente, a oportunidade de se tornarem homo economicus, e de sobra participarem da estatística civilizatória governamental. Ou seja: De se tornarem realmente pobres, homo sacer modernos, vivendo o horror da periferia de uma cidade como Altamira.
Esses ribeirinhos, a maioria de famílias de pescadores, artesãos, pequenos comerciantes, caçadores ou extrativistas, são jogados em um ambiente inóspito, totalmente diferente do espaço que ocupavam, ao qual estavam plenamente adaptados, pois pobres, na verdade, eles nunca foram. Estavam plenamente aptos à sobrevivência em um ambiente que dominavam e queriam ficar, pois, até a chegada das obras da represa, viviam em uma natureza exuberante que lhes dava as condições de sobrevivência. Com a ação de despejo governamental e da empresa responsável pela represa, deflagrou-se então um processo de diáspora, onde famílias são separadas e a vida tem que ser recomeçada. Perdeu-se aí então, para estes ribeirinhos, a identidade cultural construída em anos, e o caos se estabeleceu.
Altamira é uma cidade quente e desmatada. Ela, em última instância, é fruto da política de ocupação dos militares da Ditadura de 1964. Representa hoje o espaço de uma das cidades mais violentas do país. O empreendimento de Belo Monte, estimado em R$ 30 bilhões na época e a transferência dos povos ribeirinhos, fez a população altamirense saltar, em tempo recorde, de 100 mil, segundo o Censo de 2010, para mais de 140 mil, na avaliação da prefeitura. Dentre os problemas que daí resultaram, em uma cidade até então muito pobre, estão a piora do trânsito local, causada pelo aumento da frota de motocicletas, a escassez de água potável, déficits na estrutura de saúde e escolar, além da falta de emprego e condições de sobrevivência. Na área de segurança, podemos citar episódios correlacionados aos problemas socioeconômicos e ambientais gerados pelo empreendimento de Belo Monte. Como, por exemplo, o que em julho de 2019 se configurou como o Massacre de Altamira. Uma disputa entre as facções criminosas do Comando Vermelho e aliados do PCC pelo domínio do tráfico de entorpecentes e armas na região, que levou a morte de 62 detentos do Centro de Recuperação Regional de Altamira. E é neste ambiente que os moradores das comunidades alagadas da área de Belo Monte vão tentar sobreviver.
As reportagens da Rede Sumaúma sobre Altamira e sobre a diáspora dos ribeirinhos e a saga que empreenderam fora de suas terras é impressionante, e recomendo que todos procurem conhecer.
Mas, para o governo federal e estadual, a saída dos ribeirinhos da região onde viviam foi um avanço civilizacional. Para eles estes ribeirinhos acenderam economicamente: deixaram de ser pobres e ascenderam à classe média, ao irem morar em um conjunto habitacional, com luz, em rua asfaltada, acesso à internet, etc. Sairiam das casas de palafita, não precisariam mais coletar na floresta, criar animais para se alimentarem. Teriam conta no banco e teriam valor econômico, poderiam pagar com seus boletos os produtos de consumo do mercado, fazendo parte da estatística daqueles acima da linha de miséria computada pela ONU.
Não se ponderou trilhar outro caminho, ajudando estes ribeirinhos a se integrarem mais ainda na área em que já viviam e desenvolverem uma economia autossuficiente, plenamente integrada na floresta e no seu entorno. Uma economia de estrutura horizontal baseada nos recursos provenientes da natureza, potencializada pelas drogas vegetais, a preservação ambiental e o que é mais importante: uma relação entre os seres humanos onde o valor de uso tivesse plena preponderância sobre o valor de troca. Ao Estado caberia aqui ajudar a montar um sistema de saúde e de educação para dar suporte a tais comunidades, que teriam plena liberdade de gerência dos recursos federais e estaduais alocados. Enfim: uma comunidade autônoma, cujo desafio seria preservar suas tradições e crenças.
Mas, se fez outro caminho. Numa concepção de progresso, eles foram tratados como seres indesejáveis, um estorvo. Tiveram, então, com a remoção, simplesmente, a oportunidade de se tornarem homo economicus, e de sobra participarem da estatística civilizatória governamental. Ou seja: De se tornarem realmente pobres, homo sacer modernos, vivendo o horror da periferia de uma cidade como Altamira.





