
Dia desses fui convidado por uns amigos para visitar um barzinho onde uma amiga do casal, cantora de MPB, voz e violão, se apresentaria. Nada mais cara de barzinho descolado e programa gostoso para um fim de tarde quente. A menina tinha uma afinação perfeita e, como diria minha avó, uma voz maviosa, afora a simpatia ímpar, com um ‘plus a mais’; cantava sem a famosa ‘dália’ eletrônica formada por laptops, tablets ou até mesmo celulares. Tudo decorado tim-tim por tim-tim, nota a nota, solfejo por solfejo. Impecável!
Lá pelas tantas, talvez pela madrugada que já se prenunciara há mais de uma hora, ela engrena Claudio Zoli e sua mais conhecida “Noite do Prazer”. Tudo ia muito bem até que… “…Na madrugada vitrola rolando um blues / Trocando de biquíni sem parar…”. Ri contidamente, pois quem nunca? Mesmo não tendo muito sentido alguém passar a noite trocando de biquini, a sonoridade confunde com o nome do Mago do blues e sua inseparável Lucille, apelido que carinhosamente batizou todas as suas Gibson e a delícia de ‘ouvir B. B. King sem parar’.
Nada disso maculou a apresentação impecável da menina/cantora, mas aguçou meu pensamento para outros memoráveis desafios de ‘Cante a letra certa’ ou ‘Qual é a música afinal’. Lembrei de alguns clássicos como “Malandragem”, da saudosa Cássia Eller, onde o príncipe vira sapo e não ‘…Um chato / Que vive dando / No meu saco…’ ou do “Oceano” de Djavan onde o deserto fica ‘amarelo’ em vez de “…Amar é um deserto e seus temores…”. Vamos combinar que para Djavam tudo é possível; letras cheias de simbologias intrínsecas em que até o deserto pode ter tremores sendo amarelo, icterícia quem sabe.
Em tempos nos quais a selvageria corre à solta, com essa onda monstruosa de feminicídios e agressões descabidas às mulheres, a letra de “Homem Primata”, dos Titãs, cabe bem na versão incorreta: “…Homem que mata! / Capitalismo selvagem… / Ôoooo Ôooo Ô…!”. Nem os primatas são capazes de tamanha frieza e descalabros, transformando ‘ciúmes’ em agressões e assassinatos frios e covardes.
Outra clássica é “Chão de giz’ do amado Zé Ramalho, onde as “…Fotografias recortadas / São de jornais de folhas, amiúde…” se tornam internacionais em Hollywood ou a querida Pimentinha, que não foge à regra, em seu “Bêbado e o equilibrista”, que sonhava “… com a volta do irmão do Henfil, do nosso amado Betinho, e não com um irmão ‘doentil’ ou ainda, em “Como Nossos Pais” onde há uma transformação gastronômica: “…Mas é você, / Que é mal passado que e que não vê…” ao invés de “…Mas é você, / Que ama o passado e que não vê…”.
Na “Pintura Íntima” de Kid Abelha o amor tem jeito de pirata ao invés de virada. Em “SOS Solidão”, Lulu Santos canta “…SOS solidão…”, o que é bem óbvio, mas a galera insiste em mandar uns pontos cardeais ‘Leste-Oeste solidão’. Para Cazuza trocam o ‘puteiro’ por ‘chuveiro’. Imaginem o Brasil virando um banho geral, talvez fosse até interessantes nestes tempos sombrios…
“Na rua, na chuva, na fazenda” de Hyldon “jogar as suas mãos para o céu e a cabeça se acaso tiver” pode ser prenuncio de valorizar a letra, nem que seja com a insuperável dália eletrônica e até o TP.
Essa história me faz lembrar uma viagem, nos anos 2000, para uma matéria especial, que resolvemos jantar à beira do caminho, numa churrascaria dessas bem animadas. A atração da noite era “fulano e seus teclados”. Muito modão, sertanejo e alguns clássicos do cancioneiro popular. Lá pelas tantas, inovando o repertório, ele resolve interpretar a obra-prima “Rosa” de Pixinguinha e Otávio de Souza. Louvável se não fosse por uma “estaulta” logo no início.
São os bailes da vida ou num bar em troca de pão, quem sabe a música?


















