Meu convidado dessa semana é o cara que sabe tudo de Arte. O curador e crítico de arte Marcus Lontra me recebeu para um bate-papo alegre e principalmente muito esclarecedor. Ele fala do papel do curador de artes, de como funciona uma curadoria de exposição e ainda dá dicas para quem quer entrar nesse universo tão fascinante e rico culturalmente.
JP – Qual o perfil do curador e crítico de artes Marcus Lontra?
Nasci no Rio de Janeiro e atualmente resido em São Paulo. Na década de 1970 trabalhei com Oscar Niemeyer, em Paris, e ao regressar ao Brasil, fui editor da revista Módulo, editada pelo arquiteto. Fui crítico de arte dos jornais O Globo, Tribuna da Imprensa, e Revista Isto É. Dirigi a Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio de Janeiro, onde realizei a histórica mostra “Como vai você Geração 80”. Fui curador do Museu de Arte Moderna de Brasília, e do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Implantei e dirigi o Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães, em Recife. Fui Secretário de Cultura e Turismo do Município de Nova Iguaçu. Fu i Curador chefe do Prêmio CNI/SESI Marco Antônio Vilaça. E implantei a Estação Cultural de Olímpia/SP. Tenho realizado diversas exposições coletivas e individuais em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Natal, e Fortaleza. No CCBB Rio fui curador, juntamente com Dodora Guimaraes, da exposição “Sérvulo Esmeraldo: Linha e Luz”, que esta aberta a visitação ate o dia 7 de agosto.
JP – Qual é o papel do curador nas artes?
O curador de arte e, antes de tudo, um intermediário entre a obra e o público. Trata-se de uma profissão denominada há pouco tempo. A ação curatorial nas artes existe há a séculos. Mas essa ideia de um profissional capacitado e preparado para sistematizar informações e colaborar com o público no desmembramento de determinados conceitos implícitos, na obra de arte é relativamente nova. No Brasil, por exemplo, passamos a nominar curadores de arte no final dos anos setenta e inicio dos oitenta. Temos, portanto, menos de meio século . Essa é basicamente a função de um curador: escolher, selecionar as obras de arte, criar com elas um percurso que colabore na compreensão da trajetória do artista, seja através da disposição dessas obras no espaço, como também através da elaboração de textos críticos que colaborem para esse tipo de compreensão. Essa é basicamente a função do curador numa exposição individual ou coletiva, quando o curador evidentemente seleciona os artistas que desenvolvem questões relacionadas a temática a proposta.
JP – O que faz o profissional responsável pela curadoria de exposições?
O profissional da curadoria cabe a ele propor temas e assuntos pertinentes para a compreensão da vida artística e cultural do país. No caso do Brasil, isso e muito significativo porque ainda somos um país que publicamos poucas teses. Exemplificando: vivemos no ano passado a comemoração ao do centenário da Semana de Arte de 1922, em SP. Trata-se sem dúvida de um momento importante, mas a elaboração ao de teses desenvolvidas apenas por uma instituição acadêmica acabaram determinando um caminho do modernismo muito fechado, como se a Semana de Arte Moderna sintetizasse toda a complexidade de um movimento modernista que aconteceu no RJ, em MG, em PE, no RS, enfim, um movimento que teve peculiaridades que merecem ser vistas. Essa é, portanto, uma função muito importante da curadoria no Brasil, que é procurar para ampliar conhecimento. Não o sentido de estabelecer rivalidades desnecessárias, mas apenas de poder mostrar a possibilidades, variedades e a complexidade dos processos históricos os que se refletem na ação artística, diversificada e criativa de todo o Brasil. Essa a meu ver um desafio que o curador poderá por temáticas que examinem a capacidade artística na sua totalidade. O curador coordena equipes responsáveis pela exposição de montagem, dialoga com todos os setores de produção exposição, com os gestores culturais, e, principalmente, com os artistas, os quais ele deve servir e se colocar a disposição , para que a produção deles seja melhor absorvida pelo público .
JP – Uma dica importante para quem está iniciando a carreira de curador.
Hoje, principalmente, em São Paulo, e no Rio de Janeiro, existe uma serie de pequenos cursos e de ações acadêmicas que formam curadores, fato que é muito importante. Devemos considerar que um curador e, antes de tudo, um profissional inquieto e que conheça não apenas a ação artística, mas a vida cultural, social, politica e econômica do país e da região onde ele opera. É fundamental que esse curador compreenda e estabeleça esses limites fundamentais entre a arte e a vida, entre as relações que dialogam com a vida artística, com a filosofia, com a psicanálise , com a antropologia, enfim, com diversas ciências , porque a arte não é uma coisa estanque, não é um objeto fechado em si, é uma instância de conhecimento. Ela ocorre exatamente como ação colaborativa em todas as demais ciências e saberes do ser humano. O jovem curador deve estar sempre atento a isso. Ele deve se comprometer com o público. É um perigo, muitas vezes, que a formação acadêmica leve com que jovens curadores acabem por dialogar com o seu próprio meio. Nós sabemos que existem questões complexas que devem ser discutidas só no âmbito acadêmico . Mas quando estamos fazendo uma exposição no espaço público devemos considerar que o Brasil necessita urgentemente de informação, de conhecimento e ampliação do seu quadro de saber, que muitas vezes o ensino formal não oferece. Por isso, o curador deve se comprometer com essa ação o de intermediar as relações entre obras muitas vezes complexas, e um público que muitas vezes não teve a possibilidade de ser devidamente informado. Portanto, se pudesse recomendar alguma coisa ao jovem curador, e que ele ame e respeite o que faz.
O curador mostrando para o público um de seus trabalhos
JP – Qual foi a exposição que mais te marcou?
Foram diversas as exposições que me marcaram. Quando era jovem eu tive a oportunidade de residir em Paris e me lembro de ter visto uma exposição Caos de Renee Magritte. Eu fiquei impressionado. Vi também nos museus franceses a obra de Claude Monet, e confesso que ainda hoje eu tenho uma paixão profunda por ele e todos os artistas impressionistas que eu reputo ser a base de toda a ação modernista internacional. Depois, mais velho, diversas exposições me marcaram muito, a Bienal de São Paulo de 1981, a exposição do Leonilson na galeria Thomas kuhn no RJ, a do artista Fernando Lindotte no Instituto Tomie Otake, entre outras. Muitas exposições que sempre foram referências para mim.
JP – Em que país visitado você encontrou mais dedicação a arte em termos de exposições e investimentos?
Cada pais tem seus caminhos específicos de ação política para as artes. Talvez, pela minha formação e pelo meu conhecimento, uma vez que nos anos noventa eu tive a oportunidade de receber uma bolsa de estudos do governo francês para pesquisar as ações na área oficial do governo . Na França me impressionou a ação efetiva do governo de promover exposições , de criar eventos importantes, e, sobretudo, de criar uma politica de aquisição de obras que permite a França manter-se sempre antenada, sempre comprometida com o contemporâneo sem em nenhum momento abandonar a sua importância histórica rica. Por isso, eu acho que no caso brasileiro, onde a ação oficial é cada vez mais necessária, evidentemente que devemos prestigiar, incentivar ações e leis que objetivam renuncias fiscais, e politicas privadas muito justas e necessarias do pais, que tem uma força do capital privado muito forte, mas sem duvida o estabelecimento de politicas culturais, isso é papel que o Estado nao pode e nem deve abrir mão . E este é um projeto, uma atividade que a França realiza com extrema competência e deve servir de referência fundamental para o Brasil.
JP – Tem alguma exposição internacional já agendada?
Sempre há o interesse de levar nossa capacidade criativa para o exterior. Eu tive a oportunidade, antes da pandemia, de viajar com a exposição do grande Oscar Niemeyer por diversos países do mundo. Com a pandemia, e com a tragédia política moral que se abateu no Brasil , evidente que estas ações foram interrompidas. Hoje estamos felizmente retomando essa pauta. Acabamos de reabrir aqui em SP, o IAT, o Instituto de Arte e Design, que existiu na cidade nos anos 60 e 70, e estamos ja estabelecendo contatos internacionais para a realizações de mostras de arte brasileira, e de arte e design no exterior. Estas são os nossos planos internacionais.
JP – Uma frase preferida.
Há várias as frases. Mas eu sempre acredito na nossa capacidade de se renovar, de se apoiar nas referências do passado, nas experiências vividas e com isso fazer ações prospectivas, realizar atos para o futuro. Nesse sentido a frase, para mim, que é muito marcante : “A história só se repete como farsa”, de Karl Marx.