
Tenho dado uns vacilos, mas a vida tem se mostrado generosa comigo.
Por exemplo: faz pouco tempo, deixei o celular cair na rua, em frente ao Metrô, em São Paulo. Só fui perceber quando já estava prestes a entrar no vagão. Não entrei, sai da estação para uma busca sem sucesso do celular perdido na calçada. Dei um jeito e liguei para meu próprio número e um senhor, junto com seu neto – ambos palmeirenses e uniformizados – vieram me devolver o aparelho que eles acharam caído. Vamos combinar: sorte.
Pois bem: ontem aconteceu algo ainda mais fantástico. Deixei a carteira cair em frente ao Metrô de São Conrado, aos pés da Rocinha. Me dei conta assim que entrei na estação, mas não podia sequer voltar. Tinha compromisso importante, tinha horário certo e segui em frente, meio na dúvida de que, talvez, tivesse deixado a carteira em casa. Não, não tinha deixado em casa. Segui para meu compromisso, com a sorte de ter o cartão do metrô no bolso da camisa, então tinha recursos para voltar pra casa. E tinha o celular.
No longo trajeto até a Estação Uruguai, tentei bloquear cartões e fiquei lamentando por toda a trabalheira e pelas dificuldades que teria nas próximas semanas até conseguir refazer a Habilitação, Identidade, cartões de débito e crédito… até a carteirinha de vacinação com minhas 5 doses estavam perdidas. Sabemos todos a tristeza que isso provoca.
Durante o trajeto, tentando ligar para bancos, minha bateria acabou e fiquei com o celular mortinho nas mãos. Tudo era prenuncio de um dia errado.
Isso aconteceu lá pelas 14 horas e eu só cheguei de volta à Estação de São Conrado por volta das 18h. Com aquela esperança dos desesperados, ainda procurei no chão, em meio aos ambulantes, mesmo sabendo que milhares de pessoas circulavam por ali. Claro que não achei nada.
O Chico da Kombi que faz o transporte da minha rua até o metrô me recomendou que fosse ali na Universal da Rocinha. Muitas vezes, entregam achados lá. Mas não. Até tinham deixado uma carteira lá, mas era preta. A minha é marrom.
Voltei pra casa e botei o celular pra carregar para acompanhar possíveis movimentações dos meus cartões. Felizmente, ninguém tinha usado nenhum deles. (Se tivessem tentado usar, acabariam fazendo uma vaquinha pra mim, coitados!)
De repente: plim! Uma mensagem no direct do Instagram. A foto da minha identidade e uma mensagem:- achei sua carteira. Ela está ali no ponto dos moto-táxis. Pode ir lá buscar com o Daniel. Era o Lemos, que ainda não conheço pessoalmente, mas ainda vou conhecer. Ele é guia de turismo na Rocinha e muito simpático e atencioso.
Fui até o ponto das motos ali na Rocinha, o Daniel não estava lá, mas foi avisado que eu tinha ido buscar a carteira. Ele demorou um tanto a chegar. Enquanto esperava, fui convidado a me sentar pelos rapazes das motos. Demos muitas risadas, falamos muita bobagem. Discutimos animadamente sobre quem era o melhor: Pelé, Messi, Ronaldinho….. Quase me convenceram de que Messi seria melhor, mas aí me lembrei que eles eram jovens demais pra ter conhecido o Pelé, então apenas concordei sabiamente, só pra não contrariar a juventude. Eles falaram das melhorias que tinham planejado para aquela área deles, enquanto uma fumaça curiosa perambulava sobre nossas cabeças. Acho que a fumaça vinha dos escapamentos das motos … claro, do escapamento.
Daniel finalmente chegou. Me devolveu a carteira absolutamente completa e até mais arrumada. A carteira estava repleta de papeizinhos, uma confusão. Mas ela me foi devolvida organizada. Seguramente, quando abriram a carteira pra buscar pelo dono, coisas caíram e os meninos organizaram. Até os cartões foram organizados. Estava tudo lá, direitinho, inclusive a pouca grana. Eu, muito feliz, peguei o dinheiro da carteira e dei ao Daniel que nem queria aceitar, mas eu argumentei que eles tinham me livrado de uma grande dor de cabeça.
Ele ainda falou animado:
– Mostrei sua foto pra minha mãe. Você é o Pajé da novela, não é?
(Ele se referia ao Paser da novela Os Dez Mandamentos)
Eu concordei que era o Pajé, nos abraçamos, fui convidado a fazer um tour pelos altos da Rocinha. Eu disse que já tinha gravado lá em cima, num grande estacionamento de ônibus etc e tal. Os meninos disseram que esse estacionamento já não existe mais e que eu deveria dar uma passeada pra ver como as coisas estavam por lá.
Apesar de tanta coisa errada pela cidade, tenho muito orgulho do meu bairro. E essa sensação de pertencimento que eu sinto deveria ser direito de todos.
E eu voltei pra casa com a sensação de que, no último minuto, tinha virado um jogo que parecia perdido. E fiz novos e bons amigos.
Evoé!