
1.
No começo do século, participei de entrevista inesquecível com o arquiteto Oscar Niemeyer (1907-2012) para o jornal Opasquim21. Ao final, nos sentamos em volta de sua prancheta, para ouvir outras histórias e matar a segunda garrafa de uísque, ele sempre com a cigarrilha Suerdieck preta pendurada no bico, embora passasse dos noventa.
Não resisti:
– Pita desde quando, professor?
– Desde sempre.
– O pulmão tá firme?
– Não sei, porque não vou a médico. Mas deve estar bem fodido, né?! – antes de dar um gole, puxar um trago e soltar uma gargalhada.
– Gostei muito quando o senhor nos disse que continua comunista porque no
Partidão conheceu as pessoas de melhor índole, melhor caráter, maior generosidade. Me lembra a frase que ouvi na infância: “Comunista é o sujeito que não tem porra nenhuma e ainda quer dividir!”
E ele:
– Pois é. Enquanto o capitalista tem tudo e não abre mão de porra nenhuma.
Novas gargalhadas, goles e baforadas, presenteou cada entrevistador com um desenho feito na hora. Coube-me uma preciosidade, que foi imediatamente para um quadro.
2.
Foi assim:
quinze anos atrás ele morava em apartamento amplo em Laranjeiras, Zona Sul do Rio, e trabalhava em empresa estatal do setor elétrico. Na hora do almoço com os colegas, fazia críticas ao governo que, segundo ele, tinha no comando um nordestino analfabeto que transformava o país numa zona:
– O filho do meu porteiro entrou na universidade e vai ter financiamento. Com o nosso dinheiro, claro!
Hoje ele não tem mais o emprego na estatal, que nem é mais estatal, e se arrebenta no volante do Corsa 2008, como motorista de aplicativo, para pagar o colégio do filho. Mora num apartamento bem menor no Rio Comprido.
Dia desses pegou um passageiro em Laranjeiras, para deixar no Centro, num daqueles prédios cheios de escritórios de advocacia. No papo, ouviu que o pai do moço trabalhava de porteiro ali perto, lutando sem sucesso para se aposentar. Que o moço se formou em Direito e destinava algumas horas do dia ao atendimento de gente que não podia pagar honorários.
O bolo na garganta não lhe permitiu fazer comentários. Apenas pediu licença para dar uma paradinha no posto e perguntou se o passageiro poderia adiantar o da corrida, para ele pingar dois litros de gasolina – que andava pela hora da morte – no tanque do bravo Corsinha.
3.
Meu amigo Chico Genu tocava violão no play do condomínio (matando as saudades das rodas de samba do Bip Bip), quando duas menininhas se aproximaram.
Uma delas indagou:
– Você toca violão?
– Eu toco.
A curiosa mudou de assunto:
– Você é menino ou menina?
Chico aderiu à brincadeira:
– Eu acho que sou menino.
– Acha? Por que acha? Qual é o seu nome?
– Francisco.
– Então é claro que você é menino, seu bobo.