
JP – Olá Thelma! Fale um pouco de sua formação fundamental e média.
Somos marcados por esse hiato, esse silêncio, esse véu de concordância das famílias, da escola e da igreja, com as diferenças, seja de classe, cor da pele e gênero.JP – Quando você começou a se interessar pelas artes plásticas? Qual é a sua formação superior?
Sempre fui ótima aluna, mas nunca gostei de perguntar ao professor, escutava e quando tinha dúvida, debatia. Sempre fui avessa, àquelas pessoas do suposto saber, melhorando após anos de terapia. Entrei na faculdade para fazer Direito e no quarto período, abandonei para inaugurar o restaurante o Enjoy, na Tijuca, palco interessante de músicos e no final dos espetáculos, iam para lá e rolava jam sessões inesquecíveis, onde ficávamos extasiados, por exemplo com músicos da orquestra municipal, que tocavam chorinho até de manhã, lindo!
Frequentei alguns cursos no EAV, mas meu viés autodidata, sempre falou mais alto, e diversificava saberes nos livros e frequências em ateliers de cerâmica.
O mais marcante foi o da Maria Teresa Vieira, na Rua da Carioca, uma efervescência de pessoas e práticas e com muita liberdade e acolhimento. Lá, o uruguaio Mario Garcia, de muitos saberes na cerâmica, política e música, ali dava um curso de cerâmica, foi minha identificação imediata.JP – Por que você escolheu o bairro de Santa Teresa como sede do seu ateliê?
Também, por ser um bairro absolutamente residencial, boêmio e turístico, sua arquitetura encantadora, seu ar de interior e claro o bondinho. Apesar de ser um bairro tão grande, a sua periferia é imensa, não temos um mercado, isso é muito incompreensível!
A proximidade com a floresta, é um luxo, sempre gambás, ouriços, micos, até tamanduá e macaco prego já apareceram na casa onde resido, que pertenceu ao grande ator Nelson Xavier.JP – Você é uma ceramista, correto?! Qual a razão do seu interesse em trabalhar com a cerâmica? Quem foram os seus mestres? Quais foram as suas principais referencias?
Primeiro muitas mulheres com falos inimagináveis, na orelha como brinco, na cintura como uma adaga, e peitos.
Depois cabeças, e as cenas do quotidiano que começaram com Empilhadinhos, após aquela imagem terrível da chacina da Candelária, depois veio Carandirú, Beslan, na Rússia, enfim, elas param! A humanidade demora a perceber que ela é uma só, por isso considero uma série atemporal, que perpassa o tempo, infelizmente, sempre Uns Sobre os Outros. Minhas referências foram acontecendo com o tempo, em Paris, quando fui na primeira exposição de Louise Bourgeois, fiquei louca, depois no CCBB a exposição de Celeida Tostes, formaram minhas principais fontes de desejo de expressão e de referências.JP – O que define o seu fazer artístico? Quais são as características?O tema político social é o fio condutor do meu trabalho, cenas do cotidiano, leituras e assuntos como gênero, preconceitos, observação da desformatação do caráter, humanidades. A profunda desigualdade social e cultural definem meu pensamento crítico. Os corpos das praças públicas, os pedintes, moradores de rua, os trabalhadores em situações precárias, suas moradias distantes, toda essa escultura humana de corpos empilhados que habitam as mesmas praças e demais espaços públicos a arquitetura, o urbanismo, atualizando discussões sobre a ocupação do espaço público e seus motivos. Rapas não adiantam. Adianta política de consequências, de pensar futuro.

A arte está todas as formas e situações, acredito que sempre existe uma conexão com a sociedade, muitas vezes desvendada pelo olhar do outro. Ela é uma provocadora, como digital, é singular no seu fazer, na tensão, na pergunta que ela não responde.
JP – Você é a gestora do hotel Modernistas Hospedagem e Arte. Portanto, você é uma mulher empreendedora. Como tem sido atuar nessa dupla função de gestora e artista plástica?
Um grande desafio pela ambiguidade essas funções tão diferentes entre si, trazem. Não é fácil, procuro estar à frente da Galeria Modernistas, me relacionar com os artistas, é um prazer. Minha sócia e minha companheira há 26 anos, Lorena Coutinho, me ajuda muito nesse equilíbrio, ela é psicanalista. O artista, sublima, e eu sou caótica, e o princípio de realidade x princípio do prazer, risos, conflito humanos na sua essência, então, dar respostas à gestão, é sempre um conflito.
JP – Quais são as suas principais produções no campo da cerâmica?
Estou sempre com coisas na cabeça e mãos com um pedacinho de barro, as vezes vou fazendo e esperando o fio condutor da coisa. O barro convida como matéria que traz forte memória afetiva, além de outras memórias, é uma matéria citada como origem em várias religiões, com 14 anos, ganhei o livro Rubáiyát, de Omar Kháyyám, uma ode ao barro. Mas, tenho duas séries em pesquisa, além de sempre a série Uns Sobre os Outros. Uma fala da de conexões inter arteriais, uma invenção onde as artérias defendem e atacam e como rizomas, se conectam silenciosamente, coração abriga memórias, um ponto de convergência entre o pessoal e o coletivo. A outra, que unir a arte no atelier com a arte na cozinha, um banquete com muitas perguntas. Alias, adoro cozinha, muitas vezes, tenho uma bancada com duas pias e num lado, levo meu barro e começo a trabalhar nas duas partes. Morar comigo não é fácil!
JP – Vamos recordar! Relembre a sua primeira exposição individual Estufa no ano de 2007.
Um movimento, um momento com meu querido e brilhante Jorge Salomão, a voz de trovão. Foi muito importante, pois pela primeira vez, recebia amigos e público, num espaço que não era minha casa, meu atelier, que abria no Arte de Portas Abertas. Foi na galeria do Cine Santa, que amo, aliás é meu cinema preferido. Com Estufa, conseguimos uma foto que quem fez foi o maravilhoso Renan Cepeda, na página de arte do jornal O Globo, foi uma ótima sensação. Jorge saía pelas ruas gritando, olhem o jornal…Depois, foram várias coletivas e individuais. Foi Uns Sobre os Outros na Galeria O Galpão, Belo Horizonte em 2021 e em 2022, na Casa França Brasil Rio de Janeiro, essas vieram de um prêmio de Artes Visuais, muito significativo, dado pela FUNARTE. Também em 2022, Alhures, na MGallery, Rio de Janeiro, com patrocínio da Rede Accor e Heineken.
JP – Quais são os seus projetos futuros? E, para finalizar, deixe uma mensagem para os seus seguidores.