
Estreou no teatro Sesc Copacabana a peça teatral Ponciá – Conceição Evaristo
O texto é inspirado e construído a partir das palavras da escritora mineira Conceição Evaristo, cuja trajetória literária engloba poemas e contos, romances, coletâneas, entre outras produções.
O espetáculo tem como base o romance redigido pela referida escritora intitulado “Ponciá Vicêncio”. A adaptação dramatúrgica foi realizada por Renato Farias. Este último também dirige a peça teatral em conjunto com Tatiana Tibúrcio.
O espetáculo apresenta um diálogo da escrita de Conceição Evaristo com as suas próprias recordações. Como elementos de costura estão os poemas por ela redigidos.
As três atrizes em cena (Damiana Inês, Luciana Lopes e Tatiana Tiburcio) reverberam a trajetória de Ponciá Vicêncio, uma mulher preta. Narram desde a sua infância, quando morava com a mãe, Maria Vicêncio, na Vila Vicêncio, no interior do Brasil, onde vivia numa população de descendentes de escravos. A Infância foi passada numa casinha de chão de barro. Tudo era de barro. Seu pai e seu irmão trabalhavam no cultivo da lavoura da família Vicêncio, que era proprietária das terras na região. A menina vivia na vila junto da mãe, produzindo juntas o artesanato com o barro que faziam. Após a perda do pai, Ponciá partiu para a cidade grande em busca de uma vida melhor, viajou de trem. Ao chegar à cidade não tinha para onde ir. Ela passou uma noite na porta da Igreja e conseguiu um emprego de doméstica. Após um certo tempo, ela voltou à vila para buscar sua mãe e o seu irmão, mas não encontrou ninguém, apenas o boneco de barro do avô guardado no fundo de um baú que ela tinha produzido. Ao retornar à cidade, ela se juntou a um homem que conheceu na favela. No início apaixonada, mas depois sofreu agressões físicas, causadas pelo seu estado de apatia, que deu pelas perdas sofridas: a ausência dos familiares e os sete abortos. Na favela, Ponciá, delirou com saudades do barro. Ela decidiu retornar à cidade natal, e na estação de trem reencontrou a família e retornaram juntos para a Vila Vicêncio, onde Ponciá fez o cumprimento de sua herança ancestral.
O espetáculo é potente, denso, reflexivo e denunciador. Ele mergulha no universo da escrevivencia da escritora Conceição Evaristo, por meio da obra Ponciá Vivencio, para recuperar as ancestralidades das mulheres negras, que por meio das suas histórias narradas oralmente, mantem vivas e perpetuam as suas tradições culturais. Por meio da oralidade, elas resistem frente aos mandos e desmandos da sociedade patriarcal machista que impera no universo brasileira. São os legados da ancestralidade e da oralidade, a estrutura que serve de alicerce para o grito contra o racismo estrutural da nossa organização social.
Se, em momento anterior, as mulheres pretas narravam histórias para ninar os senhores brancos em suas casas-grandes, hoje em dia, elas narram suas histórias passadas de gerações a gerações, por meio da cultura oral, para resistir e mostrar que tem uma identidade cultural própria, e para denunciar as injustiças e os atos de violência que já sofreram e continuam a sofrer.
As três atrizes apresentam uma atuação impecável. Elas são fortes, potentes, densas, sensíveis e emotivas. São atrizes pretas que ocupam a arena para mostrar que são resistentes, não vão desistir, permanecem lutando, levantando as suas bandeiras de lutas. Falam das suas ancestralidades, das suas familiares que realizaram a forçada diáspora. E se entregam de corpo e alma. Dominam o texto com uma linguagem que é tranquila de se compreender, uma linguagem que tem dor, sofrimento, mas também expressa sentimento, emoção, por que falam de coisas delas.
As atrizes apresentam uma boa movimentação pela arena, fato que contribui para que o texto seja narrado não de forma monótona, e com um dinamismo que torna agradável a sua compreensão.
Os figurinos criados por Ricardo Rocha são bonitos, criativos e de bom gosto. As atrizes usam túnica longa com tecido em cor de rosa claro nas mangas e ombros, e ao longo branco com estampas dos escritos de Conceição Evaristo. Por baixo usam vestido de alça longo em tom de terra. Usam longos cabelos com tranças afros.
A cenografia criada por Cachalote Mattos é composta por uma árvore, que remete a um baobá. Em frente há uma espécie de altar em forma circular. Ao longo do espetáculo, o altar circular vai para o meio do palco. Dentro dele há uma estrutura de ferro que as atrizes utilizam para representar.
Pelo palco estão espalhados diversos elementos decorativos de barro como vasos, jarras, entre outros. São os materiais produzidos por Ponciá quando menina e sua mãe. O chão da arena é forrado com tecido cor de terra.
A iluminação criada por Ana Luzia de Simoni é bonita, e adequada as diversas cenas do espetáculo.
Ponciá – Conceição Evaristo apresenta uma proposta correta de adaptação de um texto literário para o teatro; um elenco constituído por atrizes potentes e de qualidade; e figurinos e cenários bonitos e criativos.
Excelente produção cênica.