
Essa semana foi conversar com Luciana De Lamare, fundadora e presidente do Instituto Aupaba que trata de Turismo Regenerativo. Confira!
JP – Olá Luciana De Lamare! Você é fundadora e presidente do Instituto Aupaba. O que é o Instituto? Quais são as suas metas? Como está estruturado?
O Instituto é fruto de 20 anos trabalhando no setor de turismo, uma cadeia produtiva complexa e interdisciplinar que merece uma abordagem mais comprometida em nosso país.
Nosso objetivo é realmente evidenciar o turismo como um instrumento de transformação social e econômica que ele é. Somos uma organização não governamental, sem fins lucrativos, com toda a estrutura de governança enxuta, focada em transparência e segurança jurídica.
Nosso objetivo é trabalhar como um hub de projetos para apoiar empresas e instituições a concretizar suas ações e contribuir com o advocacy do setor.
JP – Quais são os projetos desenvolvidos no âmbito do Instituto Aupaba?
Depende do cliente. No caso do poder público, a procura maior é pelos planos estratégicos, algo que muitos municípios, por incrível que pareça, não tem! Ou quando tem, não é um plano compartilhado por diferentes ecossistemas locais, algo que é fundamental.
Também temos projetos próprios, que são projetos incentivados, beneficiando não só as empresas, mas seu entorno geográfico. Além disso, também temos empresas que solicitam projetos sob demanda.
Nossos projetos sempre tentam combinar aspectos sociais, culturais e ambientais.
JP – Você considera que o turismo transcende uma atividade econômica? Justifique sua resposta.
Não só considero como também sou testemunha de que o turismo transforma vidas!
Antes de tudo é preciso sair do modo turista para entender essas dimensões. O turismo não trata somente de viagens, de festas ou de eventos de grande porte. Infelizmente, ainda temos o hábito de associar turismo a grandes eventos e ao entretenimento, mas o turismo é muito além disso.
Virando essa chave e olhando para o turismo pela ótica do desenvolvimento territorial, vamos encontrar o setor mais diverso de todos pois abraça perfis profissionais complementares, onde ninguém é melhor do que ninguém – e todos são igualmente relevantes.
Além disso, algo importante a lembrar é que este é o único setor em que educamos de forma lúdica e transmitimos informações sérias quando as pessoas estão receptivas, abertas afetiva e cognitivamente.
Num país com tanta desigualdade social e com a diversidade cultural que tem, o turismo deve ter um papel de protagonismo na economia e na transmissão de conhecimento, 365 dias no ano. Isso é turismo sustentável.
JP – O Brasil tem uma vocação turística gigantesca. Há infraestrutura para o desenvolvimento do setor turístico em nosso país?
É claro que precisamos investir em infraestrutura de qualidade, em especial, em cidades menores, onde o desenvolvimento precisa ser acompanhado de infraestrutura conforme.
Apesar disso, me parece que a questão é mais complexa do que parece e um exemplo disso é o legado dos megaeventos esportivos. O Brasil se tornou um grande destino turístico por isso? Não! As infraestruturas foram criadas? Foram.
Então a nossa reflexão precisa abranger outras frentes, e talvez aquelas que demandem mais diálogo e entendimento. Estamos falando de um setor dominado pela força empresarial, o que é bom. Porém, o empresário no Brasil sofre para empreender no turismo, correndo risco jurídico, fiscal, trabalhista, social, operacional. A responsabilidade do empresário é cuidar do seu negócio. A infraestrutura montada por ele tem um risco tremendo e por isso vemos destinos turísticos que nascem quando chega um empresário e morrem quando ele abre falência. E não deveria ser assim.
Por outro lado, a dimensão social, que me parece a mais complexa, precisa de mais atenção, algo que estamos deixando a desejar. Se queremos oferecer um turismo de qualidade, precisamos focar em educação.
Há vinte anos Portugal se preparava para se tornar um destino turístico de excelência. Uma das ações principais foi a educação técnica para jovens e adultos ociosos, continuamente, paulatinamente, inserindo esses indivíduos no mercado de trabalho com outro entusiasmo, novas oportunidades e possibilidade de desenvolvimento pessoal. Esse tipo de programa só logra atingir seus objetivos se for perene, continuado. Nada é de um dia para o outro.
JP – Existe uma política pública voltada para o setor turístico em nosso país?
O Brasil conta com uma política pública que garante o status quo do ordenamento jurídico, sem grandes surpresas, nem para o mal, nem para o bem. Se o turismo não dependesse tanto do setor privado, seria pior.
O plano nacional corresponde ao que é preconizado pela Organização Mundial do Turismo e há bons exemplos a serem seguidos, sem dúvida. Porém, a grande maioria, infelizmente, não consegue atingir o potencial de interlocução pertinente ao território, permanecendo como plataforma política de governo, o que infelizmente não resolve os nossos maiores problemas do setor. Criar mecanismos criteriosos, que não dependam de articulação política, como as leis de incentivo ao esporte e à cultura, é fundamental para estimular verdadeiramente a cadeia produtiva do setor. Capacitar e promover mais intercâmbios entre instituições nacionais e internacionais também irá promover a oxigenação da nossa frente de trabalho de e para o setor.
JP – Para uma região ter uma vocação turística, o que é necessário?
Adorei esta pregunta! E vou te dizer por quê. Acho que a maioria das pessoas faz um checklist de coisas do tipo: portal, centro de atendimento ao turista, centro de convenções, aeroporto…
O que eu posso afirmar é que para ter vocação turística uma região precisa de uma coisa que é fundamental: a autoconsciência.
Com a autoconsciência quero dizer que a população precisa sentir orgulho do que é, sentir amor pelas suas tradições e suas raízes. É preciso saber rir de si mesmo, receber com carinho, saber o valor de uma praça arrumada, de jardins bem cuidados, de seu folclore. É conhecer e identificar os artistas locais, o artesanato, o lugar onde e possível ver o pôr do sol e tomar uma cachaça, um suco, um caldo de cana ou uma água de coco.
Para ter vocação turística o lugar precisa ser ele mesmo, com toda sua força.
JP – A Cidade do Rio de Janeiro é uma cidade turística? Justifique.
O Rio é inegavelmente uma cidade com vocação turística, mas que precisa fazer um esforço para ser mais que linda.
Sabe aquela pessoa que sabe que é linda e não faz muito esforço, nem para agradar, nem para crescer, aprender e ser melhor? Pois é…eu acho que o Rio precisa trilhar esse caminho de ser melhor: pra si mesmo, para seus cidadãos e, consequentemente, será melhor para o turista.
JP – Quais são os seus projetos futuros?
Estamos comemorando um ano de fundação do Instituto Aupaba e com a convicção de que temos muito a contribuir. Pretendemos abranger mais regiões no país com nossas parcerias e impactar cada vez mais pessoas positivamente.