
Estreou Nebulosa de Baco no teatro do CCBB RIO 2. Uma criação e Produção da Cia. Stavis-Damaceno.
O texto de Marcos Damaceno nos apresenta duas mulheres, que também são atrizes, e estão em seus “habitats naturais” – que são as salas de ensaio, espaços fascinantes de caos e criação, onde atrizes reconhecidamente fortes revelam suas fragilidades e inseguranças, mesmo já sendo pessoas com trajetórias reconhecidas e consolidadas.
Nebulosa é um vocabulário astronômico, que significa o lugar onde nascem as estrelas, no meio da via láctea, no caos do universo. Ao transportar o termo para o espaço teatral, para o mundo de Baco, deus do teatro, do vinho e das festividades, significa o nascimento de uma atriz, pronta para brilhar, arrasar, e como coloca a dramaturgia, com seu brilho, iluminar vidas e o mundo.
A atriz que está a nascer na dramaturgia de Marcos Damaceno está mergulhada na confusão provocada pelo excesso de informações, de muitas situações acontecendo ao mesmo tempo, tudo embaralhado.
Naquele caos de informações há duas mulheres, que são atrizes. Uma delas, interpretada por Helena de Jorge Portela, inicia narrando a aversão que tem por seu padrasto e diz que foi violentada sexualmente por ele na infância num dark room. Ela nos informa que está interpretando uma peça de auto-ficção autobiográfica, baseada em fatos reais, que seria uma história de verdade. Seria a sua própria história. Realidade, fatos da vida real, verdade. Histórias que teriam acontecido de verdade. Não seria imaginação. Segundo a atriz, é esse tipo de texto que o público prefere, as realidades. Essa é a mensagem narrada pela atriz.
Na autobiografia da atriz um ponto é crucial: a violência sexual contra as mulheres, sobretudo nas meninas jovens. Ainda mais envolvendo pais. Uma crítica a sociedade machista, patriarcal, dominada pelos homens brancos e heteros. Dos palcos para a realidade, o Brasil é um dos países que mais violenta as mulheres.
Helena ao narrar a sua autobiografia faz chorar e chora também. Sua história comove a plateia. Expressa indignação, raiva, ódio, contra atitude tão vil do seu pai. Ela passa uma forte carga de emoção.
Não sabemos se é de fato a história real da atriz, ou pura imaginação! Mas o que importa é que a sua história sensibiliza a plateia.
A amiga da atriz, também atriz, interpretada por Rosana Stavis, auxilia o tempo todo a colega no ensaio. Ela dá dicas de como atuar, apresenta palavras de incentivo, de como interpretar, informa sobre o sentimento dos atores e atrizes, como eles são, a forma como agem, auxilia na interpretação de personagens, dialoga sobre confusões e ansiedades, fragilidades e inseguranças.
O texto é uma celebração ao trabalho dos atores e atrizes; poético; sublime; mistura mitologia, astronomia, e artes cênicas; discute o que é verdade e o que é ficção; crítico; denuncia a violência sexual contra as mulheres; apresenta um caos de informações, nos deixando confusos e embaralhados, como eles atores e atrizes procedem quando estão no palco. É uma obra-prima, denso, profundo, que deixa a todos inebriados, possuídos por Baco.
Rosana Stavis, e Helena de Jorge Portela apresentam uma atuação impecável. Elas estabelecem um diálogo de alto padrão cênico. Dominam o texto e o palco com perfeição. Estão juntas e misturadas, se complementando. Estão em sintonia e conectadas. Apresentam uma linguagem simples, de fácil compreensão, com uma boa retórica, que oscila entre o cômico, o drama, e a ironia. Para além da interpretação notável, elas emocionam também, tocam o coração, despertam os sentimentos.
Na parte final do espetáculo, Rosana nos brinda cantando de forma antológica. E, abusada como ela é, encima de uma cadeira. Ela é gigante! Uma das melhores atrizes do Brasil.
Além de dramaturgo, Marcos Damasceno também é o responsável pela direção. Ele foi preciso nas marcações e em detalhes de direção de atores.
O figurino é uma criação de Karen Brustollin, marcado pelo bom gosto e adequação.
Rosana usa o espetáculo todo blusa e calça preta, e um colete cinza.
Por sua vez, Helena esbanja sensualidade, num vestido estampado brilhoso, e um casaco vermelho. Calça botas verdes. E uma longa peruca loura. Ao longo do espetáculo, tira o casaco vermelho, coloca outro na cor preta, usa um vestido preto de tecido vinil e uma outra peruca. Calça botas pretas. Ao final, veste um casaco azul, calça preta, e tênis. É o fim do ensaio. O retorno para casa.
O figurino de Helena esbanja sensualidade. Os vestidos justos ao corpo evidenciam a beleza da atriz e da sua performance. Os casacos são chiques. As botas de salto alto a fazem crescer, ficar grandona. As perucas são bem confeccionadas, e dão um toque divertido a personagem.
A cenografia, bem planejada e construída por Marcos Damaceno, é a sala de ensaios. Ela é constituída por um platô com mesa e cadeiras. Ao fundo três estruturas, uma ao lado da outra, que remetem a um espelho. Num lado, araras com roupas. Do outro lado, mesas com frutas, garrafa térmica, entre outros.
A iluminação de Beto Bruel e Ana Luisa Molinari de Simoni é bonita, impactante, sofisticada. Ela realça as interpretações das atrizes. A luz azul ao final é deslumbrante.
Nebulosa de Baco é uma peça teatral que apresenta um texto potente, poético, e com um conteúdo denso; duas atrizes com uma atuação de gala; e figurinos, cenografia e iluminação que primam pelo bom gosto e qualidade.
Excelente e imperdível produção cênica!