
Faltando pouco mais de um mês para o Dia Nacional de Combate ao Alcoolismo, comemorado em 18 de fevereiro, conversei essa com a psicóloga, Mestre em Tratamento ePrevenção à Dependência Química, Terapeuta de Família e Casal. Amiga de Alcoólicos Anônimos, sendo presidente da JUNAAB – Junta de Serviços Gerais de Alcoólicos Anônimos do Brasil de 2014 a 2017, Jaira Freixiela Adamczyk.Em nosso bate-papo falamos sobre o crescimento do alcoolismo no país, das medidas e soluções para conter esse avenço, da atuação da Colcha de Retalhos de A. A. e muito mais. Confira!JP – O alcoolismo está crescendo cada vez mais entre as mulheres. Como a Colchade Retalhos de Alcoólicos Anônimos avalia essa situação?
Durante muitos anos o alcoolismo esteve identificado com a população masculina, gerando resultados que apontavam e ainda apontam para uma prevalência mínima de mulheres na
busca de serviços de saúde especializados.
Entretanto, em pouco mais de uma década, o consumo de álcool pela população feminina
cresceu aproximadamente 30%. Proporcionalmente as mulheres bebem menos
quantidades que os homens, mais sofrem mais rapidamente os efeitos do álcool no seu
organismo. Prova disso foi o aumento de 7% de óbitos e 5% de internações de mulheres
por alcoolismo segundo dados do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool.
Tão complexo quanto às complicações clínicas do álcool no organismo da mulher, o
alcoolismo é o grande propulsor das doenças emocionais na vida de um grande número
de mulheres. O estigma do alcoolismo se faz muito mais presente quando associado à
questão do gênero. Para muitos é difícil imaginar uma mulher grávida alcoolizada, uma
mãe alcoolizada dirigindo seu carro em alta velocidade com os filhos dentro ou que uma
mulher seja capaz de beber perfume, desodorante líquido ou álcool 70º durante uma
Síndrome de Abstinência.
Acolher a dor desse sofrimento tem sido um trabalho incansável de milhares de mulheres
que sofrem da doença do alcoolismo. Juntando retalhos em retalhos compostos de muitas
histórias dolorosas, elas vão formando a Colcha de Retalhos de Alcoólicos Anônimos por
todo o Brasil. Uma rede de apoio em forma de uma grande colcha que abraça cada
recém-chegada em suas reuniões presenciais ou on-line dizendo: você não está mais
sozinha. Existe ajuda, existe esperança.JP – Quais são as medidas e soluções a serem tomadas para frear essecrescimento?
Precisamos trabalhar de forma preventiva os fatores de risco, como facilidade de acesso à bebida alcoólica, associação do álcool ao ambiente social e à diversão,
glamourização do consumo de bebidas alcoólicas, contato precoce com a bebida e
principalmente a falta de divulgação dos prejuízos que o álcool acarreta no organismo
humano. Alertar sobre essas questões pode ser determinante para a conscientização
e a diminuição do consumo de bebidas alcoólicas.Também é necessário desmistificar a doença do alcoolismo. Muitas pessoas ainda
acreditam que o alcoolismo não é uma doença e sim falta de vergonha na cara, de
força de vontade e fé. A imagem que temos do alcoólico é do indivíduo sujo caído na
sarjeta ou cambaleando pela calçada, sofrendo todas as formas de abusos,
humilhações e julgamento. Vivemos numa sociedade contraditória que faz apologia à
bebida alcoólica, porém, ao mesmo tempo, critica e debocha do alcoólico.JP – O alcoolismo é uma doença? Justifique.
Desde 1967, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece o alcoolismo como uma doença crônica e multifatorial, isto é, diversos fatores podem contribuir para sua evolução, como fatores genéticos, psicossociais, quantidade e frequência de uso da
bebida alcoólica. Porém, precisamos ter claro que não existe um nível seguro para o
uso de bebidas alcoólicas, visto que mesmo pequenas doses ainda podem estar
associadas a riscos significativos. Segundo a OMS, no Brasil, 91.927 mortes foram
causadas pelo álcool no Brasil, em 2019, sendo 80.461 entre homens e
11.466 entre mulheres. A doença atingi pessoas de diversas idades, gêneros e classes
sociais.
JP – O que leva um indivíduo a ser alcoólico? Falando especificamente de mulheres que têm problemas com alcoolismo podemos afirmar que seus comportamentos sofrem influências de diversos fatores demográficos,como idade, estado civil e etnia. Também há fatores de risco, como predisposição
genética, história de abusos físicos, emocionais e sexuais durante a infância e
adolescência, depressão, transtorno de ansiedade, uso precoce de álcool e outras
drogas, convívio com parceiros que bebem excessivamente, separações traumáticas,
saídas do filhos de casa, menopausa, baixa de libido e principalmente a não aceitação
do envelhecimento são alguns dos fatores mais prevalentes.
JP – Quais as maiores dificuldades encontradas no tratamento dos alcoólicos?
Alcoolismo é a doença da solidão, do aprisionamento emocional. O alcoólico (a) não reconhece a evolução da doença, sendo a negação um dos principais mecanismos de
defesa do paciente. Um dos grandes fatores responsáveis pelo não reconhecimento do
alcoolismo como doença é o preconceito. Preconceito associado a uma cultura de
desigualdade social, torna o alcoolismo ainda mais avassalador quando o associamos
com a condição do gênero feminino. Os padrões de comportamento do beber das
mulheres sempre foi algo extremamente velado. Na maioria das vezes, as mulheres
que sofrem da doença do alcoolismo procuram o profissional médico relatando estar
sofrendo de ansiedade e depressão. É imensa a dificuldade da mulher em reconhecer-
se como alcoólica e revelar suas dolorosas reservas e segredos.
Revista do Villa – Chico Vartulli
Dezembro/2024
JP – Você poderia comentar sobre a atuação da Colcha de Retalhos de A. A.?
Atualmente há no Brasil cerca de 62 reuniões de composição feminina semanais, realizadas de forma presencial ou online, um aumento de 41% no número comparando
o período pré e pós-pandemia de covid-19. Esse crescimento também está relacionado
ao belo trabalho desenvolvido pela Colcha de Retalhos de Alcoólicos Anônimos de
informação ao público através do seu Canal de Ajuda –
www.colchaderetalhosdeaa.com.br – e nas redes sociais, como Instagram
(https://www.instagram.com/colchaderetalhosdeaa/), onde promove diversas temáticas
com profissionais da área da saúde, ou pelo Whatsapp. A cada dois anos a Colcha de
Retalhos de Alcoólicos Anônimos realiza um evento, reunindo mulheres de diversos
grupos do Brasil e do exterior. O próximo será em agosto de 2025, na cidade de Recife,
em Pernambuco. Nesse evento, que contará com a participação de diversos
profissionais especialistas em dependência química, serão oferecidos diversos
seminários e rodas de conversa sobre alcoolismo em mulheres. O evento será aberto
a todos que desejam saber como e onde buscar ajuda para o tratamento da doença do
alcoolismo.
JP – Você poderia, sem informar nomes, comentar sobre experiências de sucesso de indivíduos que conseguiram tratar o alcoolismo?
Criada em 1935 nos Estados Unidos, Alcóolicos Anônimos existe em mais de 180 países. No Brasil, A.A está presente em todo território nacional com cerca de 4 mil
grupos realizando 9 mil reuniões semanais de forma presencial ou online. Alcoólicos
Anônimos preserva o anonimato dos seus membros como base do seu programa de
recuperação, evitando com isso que as personalidades dos seus membros jamais
estejam acima dos seus princípios. Em relatório recente, a Organização Mundial da
Saúde (OMS) destacou a importância do trabalho de A.A., na recuperação de
alcoólicos: “Alcoólicos Anônimos é de longe a fonte mais amplamente utilizada de ajuda
para pessoas com problemas com bebida. Vários estudos bem concebidos e em
grande escala sugerem que A.A., pode ter efeito incremental quando combinado com
tratamento formal, e a frequência de A.A., por si só, pode ser melhor do que nenhuma
intervenção”. Mesmo sem dados estatísticos Alcoólicos Anônimos vem mostrando ao
mundo seu único objetivo: ajudar as pessoas que sofrem da doença do alcoolismo.
JP – Quais são os projetos futuros da Colcha de Retalhos?
A Colcha de Retalhos de Alcoólicos Anônimos em 2025 realizará seu maior evento. A sexta edição do evento Colcha de Retalhos acontecerá nos dias 22 a 24 de agosto em
Recife (PE), recebendo mulheres de todo Brasil e da América Latina. Além desse
grande evento, a Colcha de Retalhos continuará trabalhando no seu grande objetivo
de levar a mensagem de A.A. a todas as mulheres que sofrem da doença do
alcoolismo. Suas ações em 2025 estarão voltadas à ampliação dos seus trabalhos nas
redes sociais (Instagram, Facebook e Youtube), à realização de palestras com
profissionais da área da saúde, abordando temas diretamente associados às causas e
consequências do alcoolismo, e ao apoio à realização de mais reuniões de composição
feminina dentro dos grupos de A.A., já existentes em A.A. em todo Brasil. Um trabalho
Revista do Villa – Chico Vartulli
Dezembro/2024
incansável feito por mulheres em recuperação que buscam incessantemente estender
suas mãos para a alcoólica que sofre.