
JP – Olá Guilherme! Quais são as novidades da 21 Mostra de Filme Livre?
A maior novidade é que voltamos a acontecer de forma plena, total, nos Centros Culturais Banco do Brasil de Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo, com patrocínio do Banco do Brasil. Nossa última edição nesta parceria foi em 2019. Outra novidade muito bacana é a realização do nosso mercado, o MMFL, exclusivo para os filmes desta edição, ação apenas possível com o apoio da RioFIlme através da Lei Paulo Gustavo. O MMFL vai acontecer nos cinemas do CCBB Rio nos dias 08 a 27 de janeiro de 2025 (mais informações em https://mostralivre.com/
JP – A mostra foi criada no ano de 2002. Qual é o balanço que você faz desses vinte e três anos? Quais são os pontos positivos que você gostaria de destacar ao longo desses anos? E quais vocês gostariam de implementar e ainda não conseguiram?
É muito assunto para dúzias de páginas. O ponto mais positivo é a continuidade do projeto, evidenciando a sua relevância a nível nacional, já que exibimos filmes de todo o país. Este ano recebemos 1.100 filmes e selecionamos 180. Também a questão da realização de mercado para tais filmes pode ser vista como um ponto muito positivo neste ano. Fizemos em 2008, em parceria com a Casa França-Brasil, uma feira chamada Feira Livre, por 5 dias, sendo um tremendo sucesso. Também as homenagens que fizemos nestas duas décadas foram muito importantes para nosso fortalecimento, principalmente nos primeiros anos, quando Eliseu Visconti, Andrea Tonacci, Luiz Rosemberg Filho, Luiz Carlos Prates e Ana Carolina, entre tantos outros que vieram depois, como Sergio Ricardo, Helena Ignez, Maurice Capovilla, José Sette, Edgard Navarro e Silvio Lanna. A presença deles e delas na MFL aumentou a qualidade e a importância do evento. Ao todo, nestas duas décadas, exibimos mais de 2.000 filmes para mais 100.000 pessoas. E a ação Cineclubes Livres, que retorna este ano, foi super positiva, ao levar sessões da MFL para mais cidades além das capitais em que o evento ocorre. Assim a MFL já esteve presente em mais de 100 cidades. Uma meta é incrementar esta ação para levar mais sessões da MFL para mais cidades Brasil adentro nos próximos anos.
JP – Como tem sido o caminho para os produtores independentes inserirem os seus filmes no mercado cinematográfico?
Tem sido complicado, a oferta tem sido cada vez maior, pois mais gente tem feito seus filmes, o que é ótimo, sendo então, um paradoxo, quanto mais filmes são feitos mais dificuldades estes filmes encontram para se destacarem neste manancial de produções de todos os tipos, gêneros e durações. E a MFL sempre foi e segue sendo a primeira da fila a incentivar que mais pessoas façam seus filmes possíveis, de forma amadora e/ou profissional. Por isso a importância das mostras, festivais e cineclubes, para que haja algum tipo de critério estético nestas seleções, que então sinalizam ao mercado cultural algum viés curatorial. Cada evento com as suas demandas de acordo com seus interesses, sejam temáticos, sejam de gênero, sejam por duração, o Brasil possui hoje mais de 300 festivais, que dão conta de exibir boa parte do citado manancial, e com a chegada das leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc, se somam os cineclubes de todo o país, numa grande rede de difusão nacional, não comercial, que já era pra ter acontecido há muito tempo, como se tentou nos anos 2000, com a Programadora Brasil, mas que infelizmente não teve sequência mas muito ajudou no desenvolvimento e/ou a formação de novos cineclubes enquanto durou.
E a cereja no bolo da resistência cultural que somos é o MMFL, o mercado que faremos, nos cinemas do CCBB Rio, a fim de dar acesso aos filmes da mostra à compradores de conteúdo como a TV Brasil, o Canal Brasil e o canal BOX Brasil, a fim de que negócios e/ou parcerias sejam feitos.
JP – Quando você começou a se interessar em “fazer cinema”?
Em 1986 tinha 16 anos e fui morar no Chile com meu pai que lá morava. Ele conseguiu que eu trabalhasse como assistente do assistente numa produtora de vídeo e tive a chance de conhecer mais e melhor de produção, num momento, quando já estava pra voltar ao Brasil (fui e voltei de ônibus em 3 dias de viagem) peguei a câmera da produtora emprestada (VHS) e com um amigo filmei 2 horas na escola. Quase vinte anos depois, quando já tinha a minha produtora, a WSET, decupei tal material e fiz um curta de 11 minutos, chamado “1986” (que pode ser visto em https://www.youtube.com/watch?
Em 1989, já no Brasil, fui o primeiro gerente da locadora do Grupo Estação, em Botafogo, onde fiquei por dois anos. Na época se alugavam filmes em VHS. E por trabalhar na galeria do cinema, tive acesso a todas as sessões que rolavam sem parar nesta época, com exibições em 35mm numa sala de 300 lugares. Foi o início do grupo que depois se tornou talvez o maior da difusão alternativa comercial no Brasil, o Grupo Estação. Foi ali que assisti a filmes como “Vá e veja” e” Asas do desejo”, e brasileiros como “Faca de dois gumes”, “Feliz ano velho” e “Nós que aqui estamos por vós esperamos”, entre tantos outros filmes que mudaram a minha vida neste sentido de querer me envolver com o cinema, tanto na produção de curtas quanto na produção de eventos de difusão. Além da MFL, produzi no Brasil a mostra completa dos cineastas David Cronenberg e Michael Haneke, com curadoria de Tadeu Capistrano, no RJ, SP, MG e em PE. Também produzi, com Marcelo Ikeda e Dellani Lima na curadoria, a mostra “Cinema de Garagem”. E existe algo a mais nisso tudo, em 2000, antes de criar a MFL e no mesmo momento que abri a citada WSET, em Botafogo, do meu quarto, criei um site chamado Curta o Curta (www.curtaocurta.com), para exibir filmes na internet e publicar notícias relacionadas (faltou dizer que me formei em jornalismo na FACHA em 1994), tal site segue vivo, tendo publicado quase quatro mil (!!!!) notícias relacionadas ao curta nacional, e exibindo filmes, sendo o primeiro no Brasil a exibir filmes de forma regular, bem antes do YouTube e Vimeo existirem, obviamente guardadas as devidas dimensões, pois o CoC foi feito, literalmente, do meu quarto em Botafogo, junto com dois amigos que entendiam de informática, na era da internet discada. O nome disso tudo talvez seja história, com certeza se chama resistência cultural. A MFL e tudo que ela representa é, também, fruto destas camadas de desejos, focos e possibilidades que a vida permitiu que eu desenvolvesse, com e-ou sem patrocínios e-ou grana, mas sempre com muita gana.
JP – No contexto brasileiro, qual é a situação real para se fazer um filme?
Ela foi e segue sendo múltipla e variada, pois depende de tudo. Pelo menos hoje o Zezinho da padaria, se quiser, consegue se expressar audiovisualmente, o que há 20 anos era impossível por conta do custo e dificuldades técnicas, era preciso ter grana para filmar seja o que fosse e depois para revelar e editar em ilhas de edição, tudo que hoje um celular mais potente consegue substituir. Então o problema hoje não é filmar em si mas como exibir, além da internet, seus filmes, caso seja este o interesse, ir além do ambiente virtual, na maioria das vezes não é o caso, uma postagem nas redes sociais já basta ao filme, mas tem casos que é possível ir além, tentar passar em festivais, ganhar prêmios, se inserir no mercado mais profissional de difusão em tvs abertas e a cabo, porém a concorrência é gigante e será cada vez mais, visto que o mundo em geral se tornou e segue sendo cada vez mais audiovisual, presente na vida de quase todos em todos os lugares, o que é ótimo pelo lado das facilidades de acesso e replicagem de conteúdos porém dificulta quem almeja viver de cinema, que precisa achar caminhos para se destacar, na web e fora dela, por entre tanta oferta de conteúdo, paradoxos da vida pós wi-fi. Filmar por prazer, hoje, registrar e contar histórias em vídeo, como sonhávamos tempos atrás, é tão fácil que virou quase lugar comum, filmes que vão além disso é o que buscamos destacar na MFL, sejam filmes feitos pelo Zezinho sem dinheiro ou com apoios de editais e ancines da vida, tudo vale a pena quando a vontade de registrar o mundo e ou contar histórias não é pequena…
JP – Quais são os seus tipos de filmes preferidos?
São muitos, mas destaco O ESPELHO, de Andrei tarkovski; AMOR, de Michael Haneke; e ALL THAT JAZZ, de Bob Fosse; e do Brasil, LIMITE, de Mario Peixoto; SERRAS DA DESORDEM, de Andrea Tonacci; e TERRA EM TRANSE, de Glauber Rocha, deixando de fora dúzias de obras primas de nosso cinema, um dos mais originais e potentes do mundo.
JP – Como você analisa a atuação da ANCINE?
A única relação que tenho com a Ancine desde sua criação é com a liberação de pagamento de Condecine nos eventos que realizo, nunca participei de nenhuma linha de ação nem de editais deles. Entendo que é importante ter uma agência para ajudar nosso cinema industrial e comercial a melhorar no geral, mas desde sempre critico tal agência por lavar as mãos com relação à difusão cultural… Se ela tivesse tido um pingo de esforço, tipo 0,5% de seu orçamento anual, para desenvolver, como política de Estado, um circuito cineclubista, por exemplo, via editais etc., hoje teríamos salas de cinema cultural espalhadas Brasil adentro, muito ajudando a revirar (mudar) a triste e histórica discrepância entre o que se investe, a cada ano, na produção de conteúdos e o que gasta em sua difusão. O resultado é milhares de filmes feitos, com ou sem patrocínios , que depois lutam para serem exibidos no circuito dos festivais, que se esforça mas não consegue dar conta de exibir tal volume de filmes. Hoje o Brasil possui mais de 300 festivais de todos os tipos, ótimo, que venham mais 300, porém o circuito cineclubista (agora reativado pelas leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc) deveria ser levado à sério para dar conta de levar de fato os filmes nacionais para mais cidades além das capitais. A indústria cultural e audiovisual só ganharia se houvesse um cineclube com sessões semanais em cada cidade, tal luta por mais arte e cultura pra todos deveria ser o primeiro foco de qualquer entidade pública ligada à cultura, mas é mais fácil dar dinheiro, e muito, para longas que depois cobram ingressos de quem os financiou, o povo… pois o povo deveria ter acesso também ao cinema de curta e média-metragem feito de forma independente, mas sem apoio fica nas mãos de altruístas da cultura, que fazem sessões por amor ao cinema, sem qualquer tipo de apoio quando tal apoio é irrisório para tal agência, que sempre diz ou dizia que essa coisa de cineclube é com o MINC, mostrando completa falta de visão estratégica de longo prazo com relação à difusão, quem sabe um dia acordam e tentam recuperar estas décadas já perdidas.
JP – Quais são os seus projetos futuros?
Além de seguir cultivando minhocas na composteira e realizando as sessões do Cineclube Lumiar (onde vivo), espero seguir produzindo a maior mostra de cinema do Brasil, a MFL, espero seguir levando mais filmes para mais gente além dos CCBBs via a ação independente Cineclubes Livres, espero não deixar o site Curta o Curta morrer de inanição e espero este ano conseguir fazer um próximo curta, bissextamente, pois em 2025 completa dez anos desde meu último, ´Instante Karma`, de 2015.