
Não há outra forma de iniciar essa coluna senão por Mariana Colasanti. Sua ausência fará uma enorme falta à literatura, confortada apenas por sua extraordinária obra. Marina é da cepa das autoras de fôlego, cuja obra é um pilar da literatura brasileira. Europeia, nascida na Asmara, Eritreia, passou parte da infância na Itália, chegou ao Brasil aos 10 anos e pra nossa felicidade aqui ficou. Escolheu- nos. Reconhecida internacionalmente, detentora de inúmeros e relevantes prêmios, escritora única de contos mínimos, com mais de 70 livros publicados, além de jornalista, artista plástica e tradutora. Abarcou também em sua literatura o universo feminino e o mundo infantil com igual interesse instigando crianças a leitura e motivando mulheres. Trocamos muitos papos interessantes de fraterna amizade, que guardarei no coração como fã, leitora e aprendiz. Entreviste-a também algumas vezes rendendo sempre excelentes entrevistas. Entre elas há uma disponível no canal do youtube da Tv Alerj. Nesta ao perguntá-la para quem daria seu aplauso, bem a seu modo, ela respondeu de pronto: para a vida. Essa é Marina. Como ela mesma escreveu: “a gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma”. Desculpe Marina, mas acostumarmos à sua ausência não será tarefa simples. Mas se há consolo, é saber que sua obra está aí, viva. Aproveitemos.
Rabo de Foguete – Os anos no Exílio
*José Olympio
Recente lançamento sobre as memórias do poeta Ferreira Gullar, de reconhecida obra, chega ao público o livro Rabo de Foguete – Os anos no Exílio, dedicado aos seus anos fora do Brasil, como exilado. Assim como o incrível e já premiado filme ‘Ainda Estou Aqui’, este título chega à boa hora, pelo teor que propõe. Falar das circunstâncias em que brasileiros foram submetidos durante o regime militar é sempre pertinente. Refrescar a memória coletiva sobre esse período funesto, ainda é necessário.
Gullar, exilado nos anos 1070, viveu inúmeras histórias, inclusive romances, nos países que esteve. Tentou escapar como pôde do regime militar refugiando-se na casa de amigos, até que a sua situação tornou-se insustentável. Com nome alterado para Cláudio e passaporte falso, encarou a clandestinidade. Separar-se da família, esposa, filhos pequenos, como aconteceu com muitos outros, o fez ter demasiado foco e determinação. Apesar de não estar na linha de frente, nem participado de luta armada, atuando sempre de forma pacífica, precisou sair do país. Contra sua vontade foi eleito para direção do Partido Comunista e por isso ficou na mira do regime militar opressor. Seu primeiro destino foi União Soviética participando como aluno do Instituto Marxista Lenista onde viveu paixões e romances. Seguiu para o Chile e Argentina até seu retorno ao Brasil em 1977, no entanto, ainda como perseguido político. No exílio escreveu um de seus mais celebres poemas ‘ O Poema Sujo’. O livro é uma mistura de seus relatos com fatos históricos, um regaste desse capitulo da história do poeta que como poucos soube driblar esses anos nublados, de dor e angustias, sem esmorecer. Sempre criativo e original como sua obra é.
João do Rio
João do Rio, pseudônimo de João Paulo Barreto está em alta. Varias publicações dão conta de sua obra. João do Rio foi um jornalista e cronista de mão cheia. Observador atento registrou em seus escritos o inicio do século passado. Ainda jovem, aos 29 anos foi eleito para a Academia Brasileira de Letras. Façanha característica de sua personalidade.
A Civilização Brasileira, em edição caprichada, lança a biografia João do Rio – Vida, Paixão e Obra escrita pelo jornalista João Carlos Rodrigues que por óbvio apresenta vida e obra de forma detalhada e cuidadosa com uma escrita direta que prende a atenção do leitor. Aborda a juventude do cronista vivida na virada do século, fazendo dele um observador perspicaz das transformações da sociedade. Com sua alma tão conectada às ruas João se traduz em um observador costumaz do país, do teatro e da boa boemia carioca. O livro aborda suas trocas de emprego, textos de oposição ao governo e por fim sua morte. Esta de forma súbita causou grande comoção no povo que o aclamou pelas ruas. Entidades carnavalescas, esportivas, SBAT- Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, Real Gabinete Português, além artistas, acadêmicos, intelectuais o saudaram por onde passou o cortejo até o cemitério São João Batista, reunindo por estimativa da época cem mil pessoas, o que dadas às proporções foi, sem dúvida, um número considerável. Apesar de sua relevância, João Paulo Barreto seu nome de batismo, é merecedor de obras que relembrem sua trajetória e importância, sobretudo como um observador atento à sociedade de sua época. Há quem considere que seus escritos traduzem com muita pertinência o Brasil do início do século passado, responsável pelo começo das transformações da sociedade. Uma biografia que merece atenção não só pelo conteúdo como também pela escrita segue fluida deixando grande interesse ao leitor.
João do Rio A Alma Encantadora das Ruas é a nova versão da editora Via Leitura que com seleção que reúne textos clássicos, onde se pode rever com clareza o retrato do Brasil desses idos. O livro tem cinco partes: A Rua, O que se vê nas ruas, Três Aspectos da Miséria, Onde às vezes termina a rua e As Musas da Rua. Como bom observador das ruas e dos costumes, aliado ao seu jeito sempre bem humorado, sarcástico e divertido, João do Rio marcou esse início de século. Na leitura podemos descobrir curiosidades sobre figuras marginais, pessoas da sociedade, pessoas comuns numa época em que a modernidade estaca começando a dar as caras. O Rio de Janeiro desde sempre teve e tem suas histórias a contar e João do Rio fez isso de forma singular e genial, o que se pode constatar neste título. Uma leitura deliciosa e rápida, que vale muito para se conhecer de forma sintética a obra de João e cuja publicação tem como diferencial notas explicativas para termos não usuais, facilitando a leitura.
A outra edição é da Jose Olympio de título homônimo que recebe comentários do autor, Luiz Antônio Simas, professor e mestre em história, que também nutre especial interesse pela obra de João e por suas observações do Rio de Janeiro e sua gente. O livro conta com as anotações de Simas entrelaçadas à obra do cronista, o que se traduz em um livro diferente e instigante, onde o autor por suas anotações e particular admiração à João traz ao titulo uma leitura fascinante. Como nas obras de João do Rio, muito se fala sobre sua relação com a cidade, que de fato é uma das características de sua obra, e por conseqüência sua tenaz observação às pessoas de diferentes estilos e comportamentos. Essas características são ressaltadas pelo autor de forma a revisitar João do Rio de um jeito instigante. Um olhar diferenciado sobre a obra e estilo de João do Rio. Um livro que apesar de suas mais de 300 paginas consegue prender a atenção do leitor.
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