
Desde muito cedo, Val Kilmer produziu uma espécie de diário visual do cotidiano de um ator. Captou sua privacidade muito antes de imaginar o sucesso que alcançaria e, manteve guardado em caixas, contos de sua vida incompleta, segundo ele mesmo. Ainda na infância, reencenava os filmes que gostava tanto com o irmão no quintal, enquanto sonhava com sua primeira paixão, o teatro. E cresceu fiel ao entendimento de que se você acredita bastante em uma coisa, ela se torna real.
Após o tratamento de um câncer na garganta, diagnosticado em 2014, sua voz foi severamente comprometida. E diante da dificuldade de se comunicar verbalmente, todo esse material foi ressignificado, de certa forma. Testes para papeis, filmes caseiros, ensaios, ideias para personagens, tudo, colocado a disposição de um projeto dirigido por Ting Poo e Leo Scott. Surgia assim, a oportunidade de apresentar as diversas camadas da carreira desse ator californiano e como ele viveu nos hiatos entre uma cena e outra. Com narração de seu filho, Jack Kilmer, Val (2021), disponível no Prime Vídeo, é um recorte emotivo de alguém muito dedicado ao seu ofício. Um intérprete que poucas vezes parece ter estado distante de uma câmera ligada ou dos aplausos da plateia.
Ao ser admitido na prestigiada Juilliard School, aos 17 anos, a meta sempre foi se aprimorar. Da mesma forma que aproveitou as oportunidades que se revelaram, o artista também teve a bravura de recusar o que entendia não conseguir fazer, sem nunca se alienar do quanto é difícil se estabelecer nesse ramo e se manter nele, depois de ser notado. Os bastidores de gravações e os relatos de questões pessoais, como investimentos financeiros mal sucedidos com o pai e o divórcio da mãe de seus dois filhos, expõem a realidade de uma estrela de Hollywood que sempre cobrou muito de si mesmo, na tentativa de alcançar um nível de excelência em suas atuações. E o custo dessa dedicação para o personagem da vida real, também foi muito alto. Como foi escolhido para interpretar alguns dos tipos mais marcantes de sua trajetória e o que extraiu de cada experiência é contado pela voz do filho, em primeira pessoa, o que torna essa obra mais tocante.
A interpretação de Jim Morrison e os impactos em sua vida, ao encarnar o intenso cantor, são partilhadas com franqueza, junto da frustrante experiência como o novo vigilante de Gotham, nas grandes telas, em 1995. Kilmer relata que sempre se empenhou em guardar o máximo que pôde de todos os trabalhos, em produções tão distintas. E em cada um desses projetos, admitiu sempre ter tentado apresentar o melhor desempenho possível, enquanto convivia com a reputação de ser um tipo difícil de lidar, por alguns colegas. Sua filmografia destaca clássicos e grandes sucessos comerciais que o posicionaram num lugar de protagonismo numa indústria que nem sempre parece atenta a qualidade da performance de um elenco. Top Secret, Top Gun, Willow, The Doors, Batman Eternamente, O Santo e À Primeira Vista, estão entre os títulos que marcaram duas décadas nas salas de cinema.
No último dia 1° de abril, fãs no mundo todo lamentaram a notícia do falecimento do astro, aos 65 anos, em decorrência de uma pneumonia. Com cinematografia principal do próprio Kilmer, Val já acenava ao público com um tom de despedida quando lançado. Trata-se de um documentário sensível que apresenta um ator vivendo seu personagem mais complexo e desafiador. Ele mesmo.