
A rapidez com que a torre Grenfell queimou no oeste de Londres, em junho de 2017, chocou o mundo. Já passava da meia-noite quando ligações telefônicas vindas de toda a cidade, clamavam por urgência no socorro de uma tragédia que produziu imagens estarrecedoras. Foi possível avistar as chamas muito além da região de North Kensington, naquela madrugada. E de imediato, alertas da precariedade na gestão da última reforma do prédio vieram à público, escancarando o descaso com os moradores da edificação de 24 andares e destacando, também, os riscos em que se encontravam outras inúmeras construções pela capital britânica. A velocidade com que o fogo se alastrou, desde a identificação do primeiro foco, no quarto andar, anulou qualquer chance imediata de reação de inúmeros residentes, que seguiram a orientação oficial na Inglaterra de não sair de suas habitações, em ocorrências do tipo. O protocolo que indica que as vítimas devem ficar onde estão, partindo da premissa que a situação seria controlada no local de origem, agravou ainda mais as condições de resgate. A grande maioria aguardou a chegada de um oficial dos bombeiros para retirá-los e, muitos morreram nas escadas, pelos corredores ou dentro de seus apartamentos.
Provido de relatos intensos de sobreviventes e parentes dos que se foram no incêndio, Torre Grenfell: A Verdade por Trás do Desastre (Netflix) sequencia os principais fatos de forma didática, expondo a conduta dos que ainda seguem tentando se esquivar de qualquer responsabilidade. Partindo de antes da fatídica noite, o documentário se aprofunda no vasto conteúdo coletado na investigação feita pela imprensa. E com a ajuda de especialistas, esclarece que a escolha do revestimento usado para alterar a fachada, foi decisiva para aquele desfecho. Ao considerar, especialmente, questões estéticas, a construtora responsável pela reforma ignorou o uso de um material plástico, entre placas de alumínio, altamente inflamável e de baixo custo. Mas outras falhas estruturais também comprometeram as chances de diversas vítimas escaparem do prédio. Portas corta-fogo em desacordo com o recomendável e a ausência de um sistema de ventilação de fumaça eficiente, somam-se ao catálogo repleto de negligências que ajudam a explicar a morte de 72 pessoas. O perigo era de conhecimento de todos os que poderiam impedir que algo assim acontecesse e, muitos dos alertas, vieram de vários dos ocupantes dos 120 apartamentos.
Olaide Sadiq, diretora do documentário, repassa de forma técnica, detalhes de um caso escandaloso sempre com um olhar solidário aos inúmeros dramas individuais que compõem este episódio. Destacando a união entre moradores de vários bairros, que seguem cobrando respostas ao ocorrido, ante a morosidade da justiça, passados oito anos. Ao fim do inquérito, restou às famílias esperarem. Ninguém foi formalmente responsabilizado por hora e, uma investigação criminal continua. As empresas citadas pela comercialização e uso de um material que queima dez vezes mais rápido, libera sete vezes mais calor e três vezes mais fumaça, apontaram o dedo umas às outras ao longo do processo. Trocas de e-mails entre funcionários da fabricante do composto comprovaram que testes pretéritos já acusavam os riscos do uso desse tipo de produto. E mensagens entre funcionários públicos locais, revelaram velhas intenções para a construção fincada numa das áreas mais ricas e mais pobres de Londres. Construída no início da década de 70 e sem ter recebido muita atenção da prefeitura desde então, a torre Grenfell destoava aos olhos de alguns que entendiam se tratar de um velho empreendimento que desvalorizava novos espaços, mais modernos. Logo, para esses mesmos, era uma boa idéia revestir a fachada e distanciar o edifício do aspecto de “primo pobre” entre inúmeras residências de luxo.
O absurdo dessa tragédia evidencia realidades muito comuns em diversos países. Ressalta problemas sistêmicos causados por políticos que comungam de ideias ordinárias e colocam em prática ações que não consideram a segurança pública antes de tudo. Depois da contagem dos corpos, gestos tardios de solidariedade, por parte de quem detém o poder de impedir ocorrências como esta, tentam erradicar a ideia de que o governo não está sempre dedicado ao bem estar de todos. Mas as inações que se fazem rotina, não convencem.