
Estreou O Papel de Parede Amarelo e Eu no Teatro Prio.
O espetáculo é um monólogo protagonizado pela atriz Gabriela Duarte.
O texto de Charlotte Perkins Gilman é feminino, contemporâneo, ficcional, crítico, irônico, reflexivo e profundo. O texto se constitui num grito pela liberdade feminina, sem opressão e repressão.
O texto é datado do ano de 1892, quando a mulher não ocupava um espaço central na vida da sociedade. A figura feminina estava restrita ao lar, cuidando dos afazeres domésticos e da educação dos filhos. Não tinha voz nem era visível. Estava subordinada ao marido, e aos seus mandos e desmandos. As raras vezes que saía de casa era para acompanhar o seu esposo, ou ir assistir a missa na igreja. Portanto, a mulher estava presa e confinada ao lar.
A personagem feminina protagonizada pela atriz Gabriela Duarte segue esse padrão feminino do final do oitocentos. Ela narra o calvário de uma mulher diagnosticada com depressão e histeria, forçada por seu marido, Donald, um médico, a se isolar em uma casa para evitar qualquer esforço físico ou mental. Durante esse isolamento, ela desenvolve uma obsessão com o papel de parede amarelo de seu quarto, um símbolo de sua crescente confusão mental e angústia. O papel a oprime e aprisiona. Ele representa a imagem do confinamento, da ausência de liberdade, dos caprichos do marido, expressão máxima do patriarcado. Trancada naquele quarto pelo discurso médico para tratar da sua saúde mental, tal procedimento ao invés de ajudar, acaba piorando ainda mais o seu estado. Então, ela em desespero quer ter voz, valor e direitos. Ela quer ser livre!
Por ser datado do ano de 1895, a autora está escrevendo num contexto em que a mulher ainda não tinha conseguido a sua liberdade. Num processo histórico de lutas e debates intensos, a mulher conseguiu se libertar e ocupar o seu lugar na sociedade, e, sobretudo, no mundo do trabalho. Passou a ter voz, visibilidade, cidadania e direitos. Mas a luta não para. Hoje as bandeiras são outras! O machismo e o patriarcalismo ainda não foram implodidos! E Gabriela está no palco para manter acesa a chama da esperança. Ela é resistência!
Ainda assim há homens que nos dias atuais isolam e enclausuram mulheres!
Gabriela Duarte tem uma atuação arrebatadora e de forte qualidade. Ela interpreta de forma correta, com verdade e emociona. Ela toca o coração do espectador, e o leva a refletir sobre a situação daquela mulher enclausurada, reclusa naquele quarto. Ela atua sentada, em pè, agachada, se rasteja, em meio a uma profusão de papéis amarelos de diversos tamanhos lançados do teto. Ela realiza todo um gestual de braços e mãos intensos, e diversas expressões faciais. Ao longo do espetáculo, sua voz é ouvida presencialmente, e também por meio de gravações. Ela domina o texto, passando-o com tranquilidade e uma boa retórica. Também domina o palco, se movimentando no palco e preenchendo todos os espaços. Portanto, uma apresentação que merece ser apreciada e aplaudida com entusiasmo.
A direção é de Alessandra Maestrini e Denise Stoklos que realizaram as marcações precisas e certeiras, e deram uma direção à correta atuação da atriz, em que se evidencia uma intensa expressividade realizada por uma ação gestual e corporal.
O figurino criado por Leandro Castro é criativo, de bom gosto, e adequado. Ela inicia com um traje luxuoso vermelho, que lhe cobre todo o corpo, com uma bonita peruca. Ao longo do espetáculo, Gabriela vai tirando as partes desse figurino, encerrando com um vestido bege de alça do quotidiano, justo, deixando descobertas as pernas e o colo, e de joelheiras. Ela encerra a vontade! Livre!
As perucas criadas por Feliciano San Roman são bonitas e bem produzidas.
A cenografia criada por Marcia Moon é criativa, original e impactante. Genial a criação do quarto prisão com os papéis amarelos de distintos tamanhos e formas caindo de cima e inundando o quarto. E a mulher enclausurada contracenando com o elemento cênico.
A iluminação criada por Cesar Pivetti apresenta um bonito desenho de luz, e contribui para realçar a interpretação da atriz de seu personagem.
O Papel de Parede Amarelo e Eu é um monólogo cujo texto é feminino, contemporâneo, e crítico; é protagonizado por uma atriz que interpreta com emoção e potencia; e, figurino, cenografia e iluminação que, no conjunto, funcionam bem e dao um bom equilíbrio à encenação.
Excelente produção cênica!