
Estreou Hamlet no âmbito da ocupação da Companhia Teatro Esplendor no teatro do CCBB-RIO 3.
O espetáculo é uma adaptação do texto de William Shakespeare, publicado em 1623. A tradução utilizada é a de Geraldo Carneiro.
O texto de William Shakespeare é renascentista, trágico, dramático, emocionante, e humanista.
A adaptação realizada mantem a poesia do texto, fato que confere acessibilidade ao mesmo. Ademais, ao manter esse tom poético, deixa transparecer a preocupação em permanecer associados o verso e a prosa, e não optar apenas por uma das alternativas. Quando imerso na sua loucura, nos seus devaneios, Hamlet fala em prosa. Por sua vez, nos momentos de racionalidade pura, em estado normal, ele fala em verso. Ao optar pela prosa e pelo verso, o Hamlet da companhia é um misto de loucura e sanidade. Hamlet é razão também, dotado de capacidade de reflexão e serenidade. Ele age seguindo os princípios da razão de Estado e os da insanidade. Ele quer vingança pela morte do seu pai.
O elenco mostra segurança, capacidade e força. Sobressai, porém, o desempenho de Sirléa Aleixo (Gertrudes, mãe de Hamlet); Gustavo Damasceno no papel do correto vilão rei Claudius; Jaime Leibovitch como coveiro e Polônio, o cômico camareiro-mor; Ricardo Lopes como o amigo Horácio, que dança capoeira, e como o revelador espectro; e especialmente, Bruce Gomlevsky como Hamlet, dono de surpreendente presença cênica. Ele interpreta de forma notável e emociona. Faz um Hamlet que é loucura e sanidade.
Bruce Gomlevsky ao interpretar Hamlet deixa transparecer a sua força como um dos principais atores brasileiros. Ele interpretou Renato Russo, Raul Seixas, Cyrano de Bergerac, o poeta de Uma Ilíada, entre tantos outros, e agora o Príncipe da Dinamarca, deixando evidente a sua alta capacidade de interpretar e emocionar.
O público assiste a encenação em pé nos primeiros vinte e cinco minutos. Há uma interação total entre elenco e público. A seguir, passa a assistir sentado, mas por três ou quatro vezes muda de lugar (lado esquerdo, direito e ao fundo). Portanto, o público assiste de diferentes ângulos a cada ato da peça. Como são quase três horas de espetáculo, essa boa experiência faz o público se movimentar, interagir e a mantê-lo atento e interessado no espetáculo.
A direção de Bruce Gomlevsky é correta e ordenada, se reconhecendo um foco bem definido, realizando marcações precisas e certeiras que definiu o que cada integrante do elenco deveria realizar. O pensamento do texto é bastante explorado pela direção, fato que permite alcançar as intenções ou sutilezas dos personagens.
Bruce Gomlevsky em sua direção incorporou elementos contemporâneos ao texto como celulares e a inteligência artificial. Tal atitude é ousada, mas pode parecer anacrônica, uma vez que são elementos que não existiam no contexto em que Shakespeare escreveu o texto. Redigido no início do século XVII, o texto deixa transparecer questões que atravessam o tempo, como corrupção e disputa pelo poder.
Ademais, a preocupação e o respeito com a diversidade, questão do tempo presente, foi incorporada na encenação ao inserir no elenco uma atriz trans Alitta de León no papel de Fortimbrás, princesa da Noruega.
Salienta-se que ao manter Fortimbrás na adaptação, porque já assistimos montagens que a personagem foi cortada, a direção deixa transparecer a manutenção do lado político da peça, concedendo a Hamlet a oportunidade de dar o seu voto à Princesa da Noruega, parte do desejo de Hamlet de repor o reino nos eixos, pelo qual ele deu sua vida.
A cenografia de Nello Marrese é funcional e mínima.
Os figurinos criados por Maria Callou são fraquíssimos e de péssimo gosto, ponto negativo da encenação.
É boa e bonita a luz criada Elisa Tandeta.
Interessante e agradável a música de Sacha Amback.
No momento da apresentação da cena teatral pela trupe artística foi exibido um áudio visual mudo bem realizado.
E, para finalizar, parabenizar Gabriel Garcia pela produção cuidadosa e exitosa.
Hamlet é uma adaptação do texto de Shakespeare que mantém o verso e a prosa, deixando transparecer a loucura e a sanidade do príncipe da Dinamarca; um elenco potente e de boa qualidade; e uma direção firme e competente que definiu com rigor a atuação de cada um dos integrantes do elenco.
Excelente produção cênica!
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