
“Uma cidade se define pela história dos seus crimes”, diz o carioca Alberto Mussa, cuja última indicação para o prêmio Jabuti foi “A extraordinária Zona Norte”, um romance policial ambientado nos anos 1970. O Jabuti não veio este ano, mas Mussa coleciona premiações tão ou mais importantes do que a grande honraria literária brasileira: publicado em 19 países e em 16 idiomas, já ganhou o prêmio da Academia Brasileira de Letras, o Casa de Las Américas, o da Associação Paulista de Críticos de Arte, o da Fundação Biblioteca Nacional e o Oceanos.
Entre 1999 e 2018, Mussa, que costuma fundir a tradição narrativa ocidental a relatos de mitologias afrobrasileira, da indígena brasileira e da Arábia pré-islâmica e do Brasil, lançou cinco romances de suspense, cada um ambientado em um século da história do Brasil. As novelas, reunidas no Compêndio Mítico do Rio de Janeiro, acabam de voltar ao mercado com nova edição da editora Record.
“A extraordinária Zona Norte” (Todavia, R$ 75,90) também traz a carioquice mestiçada e sincrética cuja construção é demonstrada nos cinco volumes do Compêndio. Concebida, segundo o autor, como narrativa “elusivamente autobiográfica”, se transcorre nos lugares que compõem seu “mapa-mundi afetivo”, os bairros do Andaraí e Grajaú, onde Mussa cresceu. A afetividade se expressa nos retratos acurados de personagens como o cego Jorge, vidente que comanda “de ouvido” a bateria da escola de samba local. Um Jorge guardião da história, uma junção, talvez, do poeta grego Homero e do argentino Jorge Luiz Borges, auxilia o protagonista, Domício Baeta, um detetive particular, a desvendar mistérios.
Baeta é um desses detetives da literatura contemporânea carioca: medíocre, decadente, mas um excelente leitor, que desfia conhecimento e conclusões a partir de suas leituras de clássicos. Ele sai à procura do tio, um policial que desapareceu depois de uma chacina, em 1966, quando surgem indícios de que é possível encontrar o paradeiro dos alvos da matança. É nos anos 1970 que as execuções de criminosos começam a se tornar corriqueiras, com o Esquadrão da Morte, outro nome da Scuderie Le Cocq, um grupo de policiais que pretendia vingar o assassinato de um detetive. Os exterminadores de bandidos ganham força durante a ditadura, enquanto os chefes do jogo do bicho pairam como poder paralelo na cidade.
Cada volume do Compêndio Mítico – ao custo unitário de R$ 64,90 – pode ser lido separadamente e sem seguir a ordem cronológica nas histórias reais que servem de pano de fundo para crimes fictícios. Passado em 1567, “A primeira história do mundo” trata do crime passional que teria envolvido 15% da população carioca em sua resolução, numa época de piratas, indígenas e aventureiros disputando as terras da Guanabara. “O trono da Rainha Jinga” traz cinco crimes supostamente planejados por uma irmandade secreta de escravizados, no Rio do século XVII. “A biblioteca elementar” parte de um assassinato, com testemunhas, em 1733, no que viria a ser o Largo da Carioca. “A hipótese humana” apresenta o assassinato de uma jovem dentro da chácara da família, no Catumbi, em 1854. Já “O senhor do lado esquerdo” acompanha as investigações do assassinato do secretário da Presidência da República dentro de um prostíbulo de luxo, em 1913.
“O assassinato no verão de 1999” (Intrínseca, R$ 59,90), de Jeneva Rose, é daqueles irresistíveis thrillers que expõem as dificuldades da convivência de uma família quando morre a matriarca. A filha mais velha, Beth, jamais deixou a cidadezinha e cuidou da mãe até o fim. Nicole, a do meio, se afastou de todos por causa da dependência química, enquanto o caçula bem-sucedido, Michael, não encontra as irmãs desde que o pai abandonou a família, sete anos atrás. Ao verem um vídeo mostrando o pai coberto de sangue, os três irmãos precisam decidir se investigam o que aconteceu ou se concentram em viver o presente, deixando o passado para trás.
Como falar de fome e desigualdade social com crianças que desconhecem tal realidade? Em “O prato vazio” (Ação Editora, R$ 73,90), Adriana Falcão e o ilustrador Bruno de Almeida trazem o tema para pequenos leitores pelo ponto de vista de um prato, alinhando sua história através de indagações como “faz sentido uma pessoa com fome, uma criança com fome, um prato vazio?”. O prato pertence a uma menina, cuja mãe precisa decidir se compra feijão ou se paga um crediário. O questionamento sobre o valor do dinheiro versus o atendimento às necessidades básicas suscita reflexões profundas – embora adequadas à faixa etária do leitor – sobre problemas do mundo contemporâneo a serem enfrentados por todas as camadas da sociedade.
Os artigos, discursos e pensatas de Deborah Levy, reunidos em “A posição das colheres – e outras intimidades” (Autêntica Contemporânea, R$ 53,99), partem do espaço doméstico dos objetos cotidianos para pensar na relação da arte, cinema, a rotina diária e, principalmente da literatura, com a vida de cada um. O cheiro dos limões à mesa, a libertária obra literária de Colette, a sensualidade como combate à pobreza e ao não-pertencimento sofridos por Marguerite Duras na Indochina, transcritos em seu romance “O amante”, as tentativas de Alice para se comunicar com o Coelho Branco atravessando túneis de bairros londrinos são algumas das reflexões oferecidas por alguém que trata a imaginação como fator da realidade.




