
Há quem diga que o amor nasce no instante em que dois olhos se reconhecem, mas talvez ele exista antes da história, antes da palavra, antes mesmo da primeira fala. Talvez seja música antiga que atravessa gerações, rumor de mar que chamava antes de sabermos nos expressar.
O amor pode ser retorno a um colo perdido, reencontro com uma promessa que nunca lembramos ter recebido. Uma fome inicial, um espaço vazio que pede forma, uma ausência que organiza toda a busca. Amamos para reconstruir aquilo que se perdeu, para reencontrar o que acreditamos ter sido um dia, para voltar à casa que nunca existiu e ainda assim permanece como destino. O amor é saudade do que não vivemos, é sede que antecede a água.
Mas o amor não é plenitude. Ele exige renúncia, fronteira, risco. Não existe amor onde um se apaga para que o outro floresça.
O amor pede a condição do encontro, e encontro só existe onde há dois. Amar é suportar o enigma do outro e permanecer diante dele. É aceitar o desconhecido que cada um carrega como uma sombra inseparável. Amar é permitir que o outro habite nossa memória, mesmo sabendo que ele não nos pertence. O amor se faz no limite, na negociação incessante entre desejo e cuidado, fome e acolhimento. Amar é dar sem perder-se, receber sem devorar. Há amores que chegam como incêndio e se consomem no próprio fogo. Há outros que começam quase invisíveis, plantados no cotidiano, e crescem devagar como árvore silenciosa que resiste à estação mais dura. Alguns duram uma noite e deixam marcas de eternidade. Outros, duram a vida e, ainda assim, parecem curtos. O tempo não define o amor, é o amor que fabrica o tempo. Porque o amor é duração interior, é aquilo que permanece mesmo quando tudo já foi. Amar é escrever o próprio destino enquanto ele se cumpre.
É ser autor da própria perda e da própria salvação. O amor verdadeiro carrega contradição. Ternura e dor convivem, alegria e ruína se abraçam. No coração humano dormem poemas e abismos. E é justamente ali que o amor trabalha, na fronteira entre o que sustenta e o que ameaça. Já houve quem descesse à alma humana como quem desce ao subsolo de si mesmo, encontrando a beleza amarrada à culpa, descobrindo que a compaixão nasce do limite. Já houve quem escrevesse vidas inteiras a partir de um detalhe mínimo, de uma xícara sobre a mesa, de um silêncio suspenso entre duas pessoas.
O amor é assim, invisível e imenso ao mesmo tempo. Há ainda o amor que aprende com a terra, com o vento, com as histórias narradas ao pé da noite. O amor que sabe que as palavras às vezes caminham para trás, que o tempo se dobra, que o impossível também floresce. Amar é desaprender para sentir de novo. É transformar-se em casa para que o outro possa respirar. É aceitar que tudo o que chamamos de amor talvez seja apenas o desejo de continuar vivo diante do que morre. E mesmo assim insistimos. Insistimos no risco, na entrega, no salto sem rede.
Amar é caminhar sobre ruínas e ainda assim sorrir. É entregar o coração sabendo que pode ser ferido, é escolher o outro mesmo quando a noite é longa. Amar é perder um pouco para existir melhor. Amamos não pela felicidade que promete, mas porque sem amor a alma seca. Sem amor, sobrevivemos apenas e sobrevivência não basta a quem conhece o infinito por dentro. O amor é fome e é pão. É queda e ascensão. É o que resta quando o naufrágio passa. Mas o amor não termina na perda. Ele se desfaz, quebra, se dispersa, e ainda assim retorna. Volta como onda que reconhece o caminho da praia, volta como verso que se recita sozinho, volta como memória que se recusa ao esquecimento. O amor é o retorno do que valeu a dor. Amar é reencontrar-se no outro e reencontrar o outro em si.
E então, quando tudo parece ruir, quando a vida se mostra áspera, quando as mãos estão vazias, o amor reaparece. Não como promessa, mas como revelação. Descobrimos que amar é acordar para a própria humanidade, é aceitar que somos frágeis, imperfeitos, inacabados. O amor nos devolve ao que somos antes de qualquer defesa, antes de qualquer máscara. O amor é o ponto onde começamos e para onde voltamos.





