
Dezembro está quase pelo meio, já.
O mês só perde em brevidade para fevereiro, quando, felizmente, os dias festivos do Carnaval não obrigam ninguém a enfrentar a maratona de compras natalinas. Entre víveres para a ceia e ‘lembrancinhas’, quem quiser dar bons presentes, pode escolher, sempre, um livro. Como os que se seguem.
As mortas (Pinard, R$ 76,10), de Jorge Ibargüengoitia, recria, de forma envolvente e ferina, a pavorosa trajetória das chamadas irmãs Poquianchis, que, entre 1950 e 1964, administraram bordéis no México, escravizando mulheres obrigadas a se prostituírem. As quatro irmãs, no livro, são condensadas em duas, mas também responsabilizadas pelo assassinato de dezenas de pessoas, com a conivência de políticos e militares corruptos. Apesar do tema, o romance satírico é satírico e muito envolvente.
Alexandre Dumas, um dos mais célebres criadores do folhetim, o romance que tinha capítulos publicados diariamente nos jornais, prendendo os leitores com a sugestão de reviravoltas constantes na trama, assinou apenas uma história claramente baseada na vida de seu pai, o militar Thomas, nascido em São Domingo, filho de um aristocrata francês e de uma escravizada. Adolescente, Thomas foi levado pelo pai para a França, onde fez uma notável carreira militar, sem, no entanto, deixar de sofrer preconceito racial.
A discriminação também atingiu seu celebradíssimo filho escritor, que se inspirou em Thomas para criar Georges (Zahar, R$ 44,90), faz de um “orgulhoso mulato” o herói de seu romance abolicionista, ambientado nas Ilhas Maurício, então colônia francesa. Também de Dumas e também integrando a excelente coleção Clássicos Zahar, sai, finalmente o terceiro volume de O visconde de Bragelonne (Zahar, R$ 123), que traz a mais conhecida das aventuras da trilogia sobre D’Artagnan, Porthos, Athos e Aramis, os mosqueteiros, na maturidade – O homem da máscara de ferro, um prisioneiro que seria irmão gêmeo do rei da França.
Amizade, solidão, lealdade, choque de classes, de gerações e de cultura se entrelaçam em Babilônia (Aiyné, R$ 85,10), formando o habitual mosaico que a francesa Yasmina Reza monta para discutir as relações humanas na contemporaneidade. Depois de uma festa em que reúne a família, amigos, colegas de trabalho e vizinhos, um acontecimento abala os moradores de um prédio na periferia de Paris. A tragédia se revela através das recordações da narradora que se angustia para fortalecer o entrosamento de desconhecidos, enquanto mantém um olhar crítico, porém se deixa levar pela piedade com os menos afortunados. O não pertencimento é característica humana desde quando os judeus “sentavam às margens dos rios da Babilônia e choravam pela lembrança de Sião”, lembra a mulher, buscando compreender o permanente exílio pessoal de cada um.
Inspirada por personagens e trechos de A terra devastada, poema de T.S. Eliot, a paulista Thereza Christina Rocque da Motta retoma o exercício poético de dialogar com a obra do norte-americano. Os 61 textos compostos entre 2021 e 2023 estão em O jardim de jacintos de Madame Sosostris (Ibis Libris, R$ 60), em edição bilíngue. Eliot costumava praticar a chamada glosa – usar versos ou fragmentos de trabalhos de Dante, Shakespeare e Verlaine -, e já havia inspirado Thereza a compor 22 poemas lançados em Lilases, que também ganhou nova edição pela Ibis.
Com mais de 8 milhões vendidos no Brasil, Rick Riordan juntou-se a outro craque da literatura juvenil na série que acompanha as aventuras de Nico di Angelo, filho do deus grego Hades, e suas interações com outros semideuses da mitologia greco-romana, em “O tribunal dos mortos” (Intrínseca, R$ 69). Desta vez, nessa expansão do universo de Percy Jackson e os olimpianos, Nico e seu namorado Will se juntam à Hazel, filha do deus romano Plutão, para lutar contra uma força maligna que está fazendo desaparecer seres do Mundo Inferior.
As estratégias de obsolescência programada, o descarte de toneladas de roupas no deserto do Atacama, a exploração dos trabalhadores nas confecções de roupas são alguns dos pontos abordados pela professora de design Joana Contino em A indústria da moda no capitalismo tardio: design, ideologia e relações de trabalho (RioBooks, R$ 75). Se as demandas do capitalismo aos produtos da moda se limitaram, no passado, ao lançamento de duas coleções de roupas por ano, hoje essas exigências são de novidades com frequência maior, atendendo a uma dita avidez do consumo – incentivado exatamente pela indústria, que se pauta pelo desperdício, diz a autora, que pesquisa e trabalha na área há mais de vinte anos.
Um casal de intelectuais politizados decide levar os filhos para viver na China de Mao-Tse-Tung a fim de aprender a doutrina maoista e retornar para a Colômbia, onde passam a integrar grupos guerrilheiros. O que seria o enredo de um romance épico aconteceu realmente com o cineasta Sergio Cabrera, que, ao lado da irmã Marinella, integrou o Exército Vermelho por indicação dos pais. Olhar para trás (Companhia das Letras, R$ 89,90), de Juan Gabriel Vásquez, conta como essa família se preparou para mudar o mundo, mas acabou encontrando outras formas, que não a revolução armada, para contestar os regimes autoritários. Mais do que a biografia da família Cabrera, o livro é um meticuloso e envolvente registro dos anos 1960, das oscilações políticas e da contracultura que transformaram a ordem social em boa parte do planeta.



