
E continua o pré-Natal
Chegando aos momentos finais de escolha de presentes para a grande festa do comércio, mais sugestões de livros que farão bonito na reunião de família.
“Escalavra” (Amarcord, R$ 54,90), de Marcelino Freire, é um exercício poético em prosa para contar a história de um pai e seu filho. Quase um poema concreto em sua forma, construída por palavras curtas e monossílabos empregados raramente pelo pai para se comunicar com o filho, é dos silêncios que se alimentam os sonhos dos dois personagens. A silenciosa rotina é abalada com a chegada de um professor ao lugarejo onde vivem, contrariando os poderosos da região, que pretendem manter a população na ignorância a fim de não perder a mão de obra barata local.
“Machado — O filho do inverno” (Ação Editora, R$ 105), de C.S. Soares, é o primeiro volume de uma biografia que traz um novo olhar sobre o mais celebrado escritor brasileiro, cobrindo sua vida do nascimento, pobre, no Morro do Livramento, até o lançamento de “Memórias póstumas de Brás Cubas”. A intensa atividade intelectual de um romancista negro que acompanhou a mudança do Império para a República, mas cuja identidade racial foi camuflada pela maior parte de seus estudiosos é um dos pontos em destaque no texto. O próximo volume sairá no primeiro semestre de 2026, abordando sua trajetória, o casamento e seus últimos anos de vida, no bairro carioca do Cosme Velho.
“Depois do trovão” (Companhia das Letras, R$ 71), de Micheliny Verunschk, mistura diversos idiomas – português arcaico, tupi-guarani, línguas tapuias e usa vocabulário de outros grupos indígenas – para lembrar as expedições da Coroa portuguesa pelo interior do Nordeste brasileiro, nos séculos XVII e XVIII, com a finalidade de exterminar os povos da região.
A chamada Guerra dos Bárbaros foi liderada por bandeirantes paulistas, que destruíam vilarejos e suas populações. O protagonista é Auati, filho de um jesuíta e de uma indígena, levado pelo pai para integrar as tropas que matam os nativos, sendo obrigado a assumir uma identidade de branco.
“Os anos de vidro” (Nós Editora, 51,90), de Matheus Baldi, traz onze contos que revelam a dualidade da vida em situações inusitadas. Um aluno segue o professor, de cuja sexualidade desconfia; um linchamento presenciado por uma criança a caminho da escola; a mulher que reflete sobre transição de gênero ao encontrar um grupo de pessoas trans na rua. O questionamento de limites é uma constante apresentada com delicadeza em textos que se complementam, embora diversos entre si.
“Flórida” (Autêntica Contemporânea, R$ 63,90), de Olivier Bourdeaut, é o retorno do escritor ao universo da infância atônita com o desconcertante comportamento dos adultos – o que ele já havia abordado em seu romance de estreia, “Esperando Bojangles” (Autêntica Contemporânea, R$ 42,90), no qual mostra como a doença mental afeta todos os membros de uma família. Desta vez, a crítica vai para a exploração infantil e a sexualização da infância nos concursos de beleza de crianças, que se submetem à ditadura do culto ao corpo, mesmo que os seus ainda não estejam completamente formados. Aos sete anos, Elizabeth vence a primeira disputa de ‘minimiss’ de que participa. Daí em diante, jamais ganhará outra, ficando sempre entre as cinco finalistas, pois tem “perfil de segundo lugar” – para desespero de sua mãe. À medida que cresce, Elizabeth decide deformar o próprio corpo e deixar de ser a “princesinha”, que perde os fins de semana em desfiles e precisa enfrentar a frustração da mãe, inconformada com suas sucessivas derrotas.
“Cartas para Camondo” (Intrínseca, R$ 56,12), de Edmundo de Waal, conta, em forma epistolar, a trajetória de uma rica família judia perseguida pelo nazismo, cujo legado para a França foi a maior coleção particular de arte francesa do século XVIII. Ao descobrir que o conde Moïse de Camondo, banqueiro descendente de turcos, morava na rua de Monceau, a metros de seus antepassados, os Ephrussi, De Waal escreveu 58 cartas imaginárias ao aristocrata, tratando da escolha do casarão onde abrigou suas obras de arte, transformado no museu Nissin de Camondo. A descrição dos objetos da casa-museu aborda não apenas as rotinas de compra e exibição, mas revela detalhes da vida de uma família que sofreu com o antissemitismo na Segunda Guerra Mundial.
“Minhas queridas e outras cartas”, (Rocco, R$ 93,90) ganha nova edição, reunindo boa parte da correspondência entre Clarice Lispector, suas irmãs Tânia e Elisa, e o filho Pedro. Se a escritora nascida na Ucrânia e criada no Brasil era conhecida por sua personalidade arredia, nas cartas à família, ela se derrama em cuidados, carinhos e detalhamento do cotidiano no exterior, onde viveu por quinze anos, acompanhando o marido diplomata. Que ninguém espere encontrar literatura nos bilhetes, mas um relato pessoal das experiências vividas durante a Segunda Guerra Mundial, quando Clarice passou por uma Itália marcada pelo conflito, chegando à tranquilidade de Berna, na Suíça. A redação calorosa demonstra o apego às irmãs e aos filhos, bem distante da cerebral e reverenciadíssima obra literária.



