Elegante, simpática e muito talentosa, Claudia Mauro fala, entre outros assuntos, da peça A Vida Passou Por Aqui, em cartaz desde 2017. Confira!
JP – Claudia, desde 2017 você está em cartaz com a peça A Vida Passou Por Aqui. Inclusive já completou mais de cem apresentações. Como surgiu o projeto dessa produção cênica que é sucesso de público e de crítica?
A produção teatral surgiu em 2014. A minha mãe teve um AVC (acidente vascular cerebral). Eu fui arrumar as coisas na casa dela, e encontrei uma agenda, que ela escrevia como diário. E folheando, me lembrei do Floriano, que era um funcionário da Secretaria de Cultura. Ele era contínuo, faxineiro, e ele se tornou um amigo da família. Na verdade, ele começou trabalhando lá em casa, era muito divertido, alegre, chegava sempre sorrindo. Eu nasci no Leblon, morava na quadra da praia. Floriano morava no morro, em Santa Tereza, e chegava sempre sorrindo, cantando. E, eu desde pequenininha, já pensava nisso. Ele tem uma vida bem mais difícil do que a nossa, e chegava lá em casa cantando, sorrindo. Na minha casa tinha muitas festas. Meu pai era um intelectual daqueles nascidos na década de quarenta, economista. Minha mãe era educadora, artista plástica, uma mulher a frente do seu tempo. Essa educação que esta aí hoje, ela já falava naquela época. Eu cresci nesse ambiente de festa, e o Floriano sempre presente. Então, me ocorreu criaŕ uma história de ficção, e esse amigo seria o que iria visitar uma mulher que teria tido um AVC, todos os dias numa casa de repouso. Minha mãe não foi para uma casa de repouso. Eu ia misturar essa ficção. Misturei a alegria dele, a maneira como ele vivia vida, mesmo tendo uma vida mais difícil do que a dela, aos poucos ele ia devolvendo a saúde a amiga. Isso foi uma ficção misturada com uma história verdadeira, porque o Floriano era realmente essa pessoa, e ficou depois de muitos anos amigo da minha família. Ele frequentou a minha casa até mesmo antes de morrer. Só que o Floriano também tinha uma característica de alegria muito parecida com a do meu pai. Meu pai era esse homem que tinha esse olhar para a vida muito alegre, sempre divertido, era um cara muito inteligente. Então, minha mãe ficou casada com meu pai durante vinte e cinco anos. Se separaram. E, quando minha mãe teve um AVC, meu pai ficou muito amigo da minha mãe, ficaram muito amigos. Meu pai ficou dez anos fiel da minha mãe. Ele falava isso quando se juntavam, era muito divertido. Depois de dez anos, ele teve algumas amantes, algumas mulheres, eu vim saber isso depois, minha mãe contava as histórias de todas as amantes. Minha mãe acabou ficando amiga de todas as amantes, menos de uma, que era uma italiana, que segundo a minha mãe, acabou sendo a glicose da vida dela. Atração fatal. Meu pai dizia que não. Eles ficaram Muito amigos, muito amigos. Então esse personagem do Floriano tem muito do meu pai. Porque quando minha mãe sofreu o AVC, meu pai já estava casado de novo com a Carmem, que também está na peça, tudo misturado, vinte e cinco anos já casado com outra mulher, eram muito amigos, tenho muitas conversas deles ali. E as teorias divertidas do meu pai estão na boca do Floriano. O que aconteceu foi que eu comecei a escrever essa história, misturando lembranças da minha infância, os personagens começam com oitenta anos e voltam em quatro décadas, o Floriano, que é o Floriano mesmo, e a Silvia, que é o personagem da minha mãe. Minha mãe se chamava Iara. E aí o que aconteceu foi que o meu pai descobriu que ele tinha um aneurisma na aorta abdominal. Ele tinha um prognóstico de viver três anos, não quis fazer a cirurgia de jeito algum. Era uma cirurgia delicada, e ele tinha certeza que poderia ter algum problema durante a cirurgia, e cancelou, e não a realizou. E, pronto. Ele passou a viver a vida ainda mais com alegria, fazendo tudo, viajando, saindo com os amigos. Meu pai também escrevia. Ele era estudioso da sociedade indígena, um professor, dava aulas de economia. E ele começou a eacrever no final da.vida dele. Ele deixou dois romances escritos, inclusive, a gente trocava muito. Eu escrevendo a peça falando pai agora vou voltar no passado da mamãe, para contar toda a história de vocês. É uma história muito divertida, que mistura ficção com o Floriano, que já não estava mais vivo. Então mostrei o texto para ele, uma vez que já estava a seis anos com o aneurisma na aorta abdominal. E, no dia seguinte quando ele leu o texto, ele elogiou, e faleceu nesse dia. Então eu misturei tudo. Foi uma grande mistura. Veio tudo. Dos meus pais. Dos meus avós. Era uma família muito animada. Está tudo misturado nos personagens. Meus avós viveram por muitos anos, lúcidos. Meus pais, no final das contas, morreram jovens, com setenta e poucos anos. Minha mãe teve AVC, virou outra pessoa, faleceu em 2020. Não foi de COVID, mas virou outra pessoa. E, o meu pai morreu em 2015. Entao veio tudo a tona. É um texto em que está tudo misturado, escrito numa catarse. Tem os diálogos com os meus avós. As festas da minha família. O Floriano está muito misturado. O meu pai, o meu avô. Essa realização teve o retorno do público, uma unanimidade de crítica. E tem tudo haver com o que está dentro de mim, das minhas memórias, da minha família. Minha mãe era puro amor. Meu pai era só alegria. Todas as pessoas ali ao redor tinham essas mesmas características.
JP – Claudia, você é carioca. Como foi a sua infância na cidade do RJ? Onde você estudou?
]Eu sou carioca, nascida no Rio de Janeiro. Quando eu nasci, eu morava na Tijuca. Em 1969 fomos morar no Leblon. O must era Copacabana, Ipanema. O Leblon ainda era um bairro com casas, terreno baldio. Eu pulava amarelinha ali na rua quadra da Francisco Espíndola. E ali morei durante a minha vida inteira praticamente. Depois meus pais se separaram. Mas a família inteira morou no Leblon. A minha vida toda, fui nascida e criada no Leblon. Tem uma história. Todas as famílias que estão lá no Leblon nunca saíram de lá. A gente tem uma turma de nascidos e criados no Leblon, de uma época em que o bairro ainda parecia uma cidadezinha do interior. A gente brincava de polícia e ladrão. Tinha um gramadão. E o Leblon foi crescendo, e as famílias permaneceram no bairro. Eu estudei no Colégio Público do Leblon. Tinha o Colégio Jorge Fichter. E, depois eu fui para o Bahiense. Tentei vestibular e fui aprovada na Faculdade Cândido Mendes, onde estudei por um período.depois viajei para Londres. Ao retornar, voltei cursando Letras na PUC-Rio. Mas a minha infância foi maravilhosa, porque o Leblon era um bairro pouco conhecido, e essa turma do Leblon que cresceu tinha uma vida muito saudável. Nós brincávamos na rua, pique-bandeira, amarelinha, tudo na rua. Todas as famílias se conheciam. E tinha a praia, os salva-vidas que faziam atividades conosco na praia, o pôr do sol, entre outras atividades. Eu tive uma infância maravilhosa! Tive sorte!
JP – Como se deu o seu interesse pelas artes cênicas? Onde você se formou?
Eu sempre fiz teatro no colégio. Ballet desde os três anos de idade. Eu sou irmã do André di Mauro. A minha irmã e irmão já faziam teatro quando eles eram adolescentes. Eu sou a mais nova. Eu sou de 1969, minha irmã de 1966, e meu irmão de 1964. Eu sou sobrinha-neta do Humberto Mauro, cineasta. E a família do meu avô, Haroldo Mauro, que deixou seis mil livros, iam até fazer uma Biblioteca Haroldo Mauro, procurador da República, advogado, era o irmão mais próximo do tio Humberto, tinha muita ligação com meu tio avô, Humberto Mauro. Tinha o Zé Mauro, que era radialista. Essa parte da família já era imbricada na arte. E minha mãe era artista plástica. Minha mãe se descobriu artista plástica quando foi morar na Itália. Eu fui morar na Itália. Meu pai foi transferido da CASEX para o Banco do Brasil, em Milão. Eu morei na Itália por um período. Tinha cinco ou seis anos. Minha mãe começou a pintar lá. Minha família sempre teve um pé na arte. Minha avó era professora do conservatório de piano. Meu tio era um grande pianista, Haroldo Mauro Junior. E, nós fazíamos teatro. Eu, meu irmão, junto com a Alicia Manzo. O grupo além da Lua, que era o grupo de teatro infantil. Eles me colocaram no grupo. E eu estreei no teatro profissional, em 1981, com doze anos. E, Alicia lembrou até outro dia que um dos espetaculos que o grupo Além da Lua fez foi inspirado numa redação de escola. Isso é uma coisa que eu sempre fiz: eu sempre escrevi. Adorava português, redação. Minha família inteira escreve. Minha irmã agora é cantora. E meu irmão começou a dirigir. Recentemente fez dois documentários que foram indicados ao Oscar, sendo um deles inspirado no meu tio-avô Humberto Mauro. E aí eu comecei a fazer teatro, teatro infantil com esse grupo Além da Lua, montávamos espetáculos, que eram sempre premiados. Meu irmão ganhou prêmio de ator revelação. E eu fazia teatro com eles. E dança. Ballet sempre. Até que eu comecei a fazer os musicais, além do que o grupo Além da Lua fazia, teatro infantil e musicais. Eram todos musicais. Eu fiz um espetáculo chamado Azul, escrito pelo meu irmão, que fez o maior sucesso na época, em 1983, e dali o Damião me viu e fui fazer Os Doze Trabalhos de Hércules. Fiz algumas aulas no Tablado, até porque alguns professores do grupo Além daLua eram também professores do Tablado. Com 16 e 17 anos, eu já tinha um currículo de espetáculos grande. Enquanto isso, realizei um curso de férias na CAL com o Amir Haddad. Tentei vestibular para várias universidades, fui aprovada em todas, e optei por cursar Direito na Faculdade Cândido Mendes porque era bolsa, já que meu pai era professor de Economia na Cândido. Não aguentei e tranquei. Resolvi ir para a Europa. Fiquei em Londres durante um ano e meio, onde fiz aulas de teatro e ballet, e trabalhei de garçonete. Ao retornar, fui estudar Letras na PUC-Rio. Primeiro comecei com tradução para português-inglês. E, depois, migrei para portugués-literatura. E, antes de viajar, eu tirei o meu registro profissional, porque o meu currículo era enorme. Eu tinha muitos espetáculos feitos, desde o ano de 1981, que foi a minha estréia no teatro profissional. E tirei o registro. Não havia ainda faculdade de artes cênicas. Havia de comunicação.
JP – Além de atuar como atriz, você também produz textos para o teatro. Ou seja, você é uma autora. Como você define um texto de teatro? Quais são as suas principais características? Qual é o tipo de texto teatral q ue você prefere (comédia, drama, musical…)?
Uma boa história é uma boa história. Eu escrevo muito na intuição, ainda tenho essa história de escrever no meu fluxo de intuição, de inspiração. Eu sempre escrevi. Sempre gostei de escrever histórias. Sempre fui muito observadora das coisas. Um texto você tem um grande personagem. Ou um lugar, uma situação. Algum acontecimento que traz a história a tona. Eu acho que tudo que a gente escreve tem uma mistura que você viveu já na sua vida, das suas experiências, os seus pensamentos. Ou você tem um grande personagem, ou um grande conflito. As vezes, uma história simples é capaz de emocionar as pessoas. Em tudo que eu escrevo sempre tem muito humor, mas nada é muito raso porque eu acabo sempre migrando para teorias, conversas, pensamentos e tudo o que eu absorvi da minha família. Minha família era muito junta mesma. Tive avós por muitos anos. E pessoas muito engraçadas, com muito humor, muito afeto na minha família. Viveram muitos anos. Meu avô era uma enciclopédia viva. Meu pai era um homem inteligentíssimo. Eu ia estudar na biblioteca do meu avô. Eu absorvi muita coisa. Todos tinham muita alegria. A gente mistura muito das nossas referências na escrita, e muito do que a gente observa. Não tem muita regra a meu ver. Eu escrevo muito humor, mas nada é muito raso, porque eu tenho todas essas referências. Eu adoro musical. Comédia também. Gosto também de me emocionar. Dramas que me tocam profundamente. Os dramas que têm um toque de humor me atraem mais, porque eu tenho muita dificuldade de acessar as coisas dolorosas e ruins da vida, num lugar do trágico. A minha peça, apesar de falar numa situação de dor mesmo, eu trago a celebração pra vida, pra alegria. Enxergar a vida com positividade, com esperança. É claro que eu não vou para o melodrama, nem para o piegas. Tampouco para coisas clichês, porque a vida tem umas coisas clichês. Eu tenho na minha escrita essa pegada da esperança, da alegria e do bom humor. Apesar do caos, nós trazemos essa alegria. Eu gosto de histórias que tragam um pouco de humor sempre.
JP – Capitu! A amada personagem da Escolinha do Professor Raimundo. Qual foi a importância dessa personagem para a sua carreira de atriz?
A Capitu surgiu da seguinte forma: eu fiz diversos testes para a Rede Globo. Fui fazer uma peça, Meu Primo Walter. A peça que eu brinco que me rendeu um contrato. Eu fui fazer um teste para essa peça, uma leitura com a Cininha de Paula. Uma peça que tinha no elenco Paulo César Grande, Eri Johnson, na época eles estavam fazendo a novela Barriga de Aluguel, da Glória Perez, na qual tinha uma personagem em minha homenagem, a Clô, que é meu apelido. A Daniela Perez era muito minha amiga, e ela queria que eu fizesse essa novela. Acabou que não rolou. Eu fui fazer a leitura teste. A Cininha me adorou. Foi um personagem que não tinha nada a ver com a Capitu que ficou. O Chico Anísio foi assistir a peça e me convidou para fazer o personagem da peça, que na época fez o maior sucesso. Era uma atriz de teatro, que aparecia ali, uma mulher religiosa que ia fazer uma foto com um fotógrafo. Ela tinha obsessão por câmera fotográfica. Quando ela via a câmera, baixava um negócio nela, se transformava, rasgava a roupa. Tinha uma sensualidade, mas nem tanto. Era uma mulher religiosa. As pessoas se divertiam com a situação. Assim, o Chico Anísio me convidou para fazer a Escolinha do Professor Raimundo, com uma personagem que se chamaria Capitulina, foi o primeiro personagem que eu fiz, que vinha de capítulo. A obsessao dela era pelo Tarcísio Meira. Eles tinham que achar onde essa mulher se transformaria. Era uma mulher muito religiosa, crítica, que quando ouvia o nome do Tarcísio Meira começava a dançar, rasgava a saia, ficava de sutiã, e depois voltava ao normal. Deu o maior problema com os protestantes. O Chico até me chamou. Eu estreei com três meses de Escolinha. A personagem deu uma bombadinha. O Roberto Marinho chamou o Chico, e vamos ter que tirar a personagem. A Capitu vai surgir do cancelamento dessa personagem. E deu o nome de Dona Capitu. Era uma personagem que aceitava tudo por acaso. E já tinha uma coisa mais sensualizada, sainha. Eu quando fui convidada para a Escolinha não sabia se estava ou náo feliz. Fiz teatro de tablado, CAL, de grupo, e na minha época, fazer programa de humor não te dava prestígio nem credibilidade. Ainda mais eu sendo uma jovem, bonitinha, gostosinha. Se eu fosse uma humorista, uma mulher engraçada por si só, porque na nossa época tinha todos esses rótulos. Se eu fosse uma mulher com a cara engraçada, eu já seria considerada uma humorista, uma comediante. Apesar de eu fazer comédia até hoje, e fazia comédia obviamente já nessa época, e arrancava aplausos, as pessoas riam muito. Eu tinha essa característica de ser uma garota jovem, bonitinha, gostosinha, zona sul. Então eu vou entrar no programa de humor. Eu queria fazer dramaturgia, porque tinha esse preconceito. E eu bailarina. Então já vinha nessa linha de show, de musical, fazendo musical a minha vida inteira. Comédia?! É uma oportunidade. Eu vou trabalhar com grandes mestres. E realmente eu peguei a Escolinha no melhor momento. Eram os maiores humoristas, comediantes, todos mestres do teatro. Peguei ali todos eles. Eu fui muito bem recebida, acolhida. Foi uma experiência muito grande trabalhar com eles. E, dava o terceiro sinal, o Chico tinha uma campainha, e literalmente começava. Hoje em dia quem faz humor tem uma moral que na minha época não tinha. Dramaturgia era o que te dava prestígio. A galera do humor vinha de show. Você ficava rotulado. E mais ainda: a gostosa burra, que era o personagem. O personagem virou gostosa burra. E, quando virou o personagem, eu falei eu não vou nem fazer comédia, nem vão ver que eu sou comediante. Casei com o PC, que era super galã, e com essa minha coisa de dança, fazendo musical, tem uma coisa do samba também. Eu fui madrinha de bateria. Eu vou virar a perua. Quem faz hoje a Escolinha são atores de prestígio. Na minha época não tinha isso. Falei: vou ficar presa ali. Vou ficar rotulada. Eu tinha essa preocupaçáo de não ficar rotulada. E, de certa forma fiquei, por um bom tempo. As pessoas não me viam como uma atriz. Ouso dizer que as pessoas só viraram a chave, da atriz que eu sou, de toda a minha bagagem, agora com a peça de teatro A Vida Passou Por Aqui. Eu tive uma virada de chave com Manoel Carlos. Eu vou chegar lá. Mas, na Escolinha, eu acabei virando a gostosa burra. Para não ficar vulgar, eu chegava no camarim do Chico, e falava eu não vou botar isso aqui. A Capitu entra de biquini. Ele falava não entra não, tá certa. Colica uma saia um pouco maior, para não aparecer a calcinha. E, um belo dia, veio a Capitu apagar o quadro rebolando, sem ficar uma coisa vulgar. Eu inventei a apagada de quadro rapidinha, com sainha balançando,e virou uma onda com as meninas, que elas tinham um lado mais ingênuo da personagem, com as meninas do colégio. E, a personagem entrou nos dez mais que dava IBOPE. E, eles na época em que eu entrei viraram funcionários porque se tivessem feito um sucesso louco não tinha negociação no contrato. Você já era funcionário. Entao chegou um momento que eu disse que precisava sair daqui, porque eu tô ficando rotulada, e para não ficar mais rotulada ainda. Eu não fiz playboy. Tive várias propostas. Hoje eu penso. Que burrice! Podia ter feito. Tinha ganho dinheiro. Acabou que com cinco anos eu fui falar com o Chico, e ele me deu razão, està no hora de você ir fazer outras coisas. Ele me demitiu, para eu não perder os benefícios todos. Eu fiquei muito tempo rotulada como a dona Capitu.
JP – Como foi atuar no papel de Maria de Nazaré, mãe de Jesus, na novela bíblica Jesus? Por ser uma novela de época, do período do início do cristianismo, exigiu de você conhecimento histórico para a sua atuação?
Então, a Capitu foi a personagem que me tornou conhecida, popularidade, mas não me deu prestígio. Em relação à Maria de Nazaré. Foi um personagem lindo. Eu fui fazer teste para a Maria. E, quando eu entrei no estúdio, eu fiquei toda arrepiada. A minha mãe já tinha tido AVC. Na minha casa, meu pai e avô paterno eram ateus. Intelectuais. Eu tinha uma dificuldade de acreditar nas coisas, mas gostava de ter as coisinhas. Minha avó era bem católica, me dava o anjinho para dormir. Minha mãe gostava especialmente da Maria de Nazaré. A minha mãe tinha acabado de ter um AVC. Eu tenho essa história dentro de mim. E, quando entrei no estúdio, fiquei toda arrepiada e tive uma química com a Beth Goulart, que fez o teste juntamente. E, eu saí do estúdio com a certeza de que eu ia fazer o papel. E ganhei. E foi lindo o personagem de Maria de Nazaré. Foi um presente. Fomos para Marrocos. O Edgard Miranda, que era o diretor, já tinha trabalhado comigo outras vezes, e foi ele quem me indicou. Eu tenho uma sintonia incrível com ele. E, foi lindo. Camila Amado afirmou que Maria de Nazaré é o feminino da natureza. E assim foi com essa frase que eu fui para a cena. E, o Dudu Azevedo com quem eu ja conhecia e teve uma sintonia. Enfim, foi um trabalho muito especial. As cenas muito bonitas. A produção era muito grande. Dentro de mim, com.muita emoção também vinda da minha mãe, porque ela tinha acabado de ficar doente, ter um AVC, e se transformar numa nova mulher, sequelada. Aquela mãe que fazia tudo, e de repente ficar toda sequelada, distante. E era muito difícil isso. Minha mãe era muito minha amiga. Então, eu fui para a cena com toda essa carga emocional da minha mãe, porque ela era também Maria de Nazaré, cuidadora, doadora, generosa.
JP – A pandemia foi um momento triste em função do isolamento e das perdas humanas. Como você mesma afirmou nas redes sociais, o amigo de uma vida toda se foi: Eduardo Galvão. Mas, o que ficam são as lembranças. Como você lembra do Eduardo? Pensa em fazer alguma homenagem?
O Eduardo é meu irmão. Da vida. E ele era do grupo. Porque ele entrou para fazer a peça Azul, musical, em 1983. Ele morava na Ilha, e nós no Leblon. Os ensaios eram em Ipanema, num Brizolão. Então, ele ia dormir lá em casa. Ele era muito amigo do meu irmão. Ele era mais velho do que eu. Todos são mais velhos do que eu. Ele cresceu como irmão mesmo. E, depois, quando ficamos mais velhos, ele ficou mais meu amigo do que do meu irmão. Saíamos muito juntos. E, foi muito difícil a perda dele. Eu já tinha perdido um grande amigo, Duda Ribeiro, que também era amigo dele. Então, foi uma pancada mesmo, duas semanas, tudo muito rápido. Eu ja escrevi o roteiro, desde 2021. Eu escrevi em homenagem a ele. Eu estou trabalhando nesse projeto, num longa. A história de um homem com seis amigas. Ele tinha outras cinco amigas, que não eram como eu. Ele dizia que a única amiga verdadeira dele era eu. Eu poderia passar pelada na frente dele, que ele pediria para colocar a roupa. Tá doida! As outras ele já não colocava a mão no fogo. Galvão ficava amigo de todo mundo. Era uma característica dele. O projeto se chama Ele Delas.
JP – Se eu fosse te situar numa geração de atores e atrizes, em qual geração poderia lhe localizar? Quais outros atores e atrizes despontaram junto com você?
A minha geração é da Drica Moraes. Nós fazíamos o Hércules juntos. A Drica fazia a Emília. Eu fazia a Medéia. Nós temos a mesma idade. Do Damião muita gente saiu dali, muita gente. A Adriana Esteves, Malu Mader, Marcelo Novaes, Maurício Mattar, Marcos Palmeira, Luíza Thiré, André di Mauro, Bel Kutner, Paula Lavigne, Claudia Abreu. Também são da minha geração, variando a idade.
JP – Vocé também já atuou em diversas novelas da Rede Globo. Qual foi o personagem que você mais gostou de fazer?
A minha primeira novela foi História de Amor, de Manoel Carlos. E, o personagem que eu realizei foi a Valquíria, que foi o que eu mais gostei de fazer. Foi o primeiro e o melhor. Foi a minha melhor oportunidade.
JP – Quais são os seus projetos futuros? E, para finalizar, deixa uma mensagem para as novas gerações de atores e atrizes.
Tenho muitos projetos. Não sei nem por onde começar. Tem o projeto do filme, do roteiro A Vida Passou Por Aqui. Tenho dois textos de teatro. O primeiro que está na mão da Giovanna Antonelli, que se chama Edith. E o outro, eu escrevi para o Paulo César e José Peristánio, chamado Na Próxima Estação. Tenho o projeto do longa do Eduardo Galvão. Tenho projetos de escrita de texto com parceiras escritoras. Tem também o projeto Em Casa Ela Dança, que desenvolvi na pandamia, em parceria com um amigo meu, Udylei Procópio.
Para os atores e atrizes que estão começando eu quero dizer que a profissão trouxe as melhores coisas da minha vida. É uma profissão linda, poder usar da arte para alcançar as pessoas, transformar as pessoas. Agora, é uma profissão que exige foco, disciplina, estudo, sorte. Eu digo que a sorte, nada mais é, do que você estar preparado para quando vir a oportunidade. Então, preparem-se. Quando chegar a oportunidade, e vocês tiverem a oportunidade, você pode considerar que a sorte chegou na sua vida. Preparem-se. Tem que ter muita paciência, insistência, e também planejamento para o futuro. Porque envelhecer na profissão não é fácil. É algo o mais desafiador. Porém, se você consegue resistir a tudo, e seguir fazendo a sua arte até envelhecer, é um privilégio.