
Essa semana conversei com o professor e diretor cênico André Heller-Lopes. Nossa conversa começou com ele me contando um pouco de sua história de vida, sua origem e seus estudos que o levaram a um doutorado no Kings College, em Londres.
“Sou carioca, assim como minha família. De um lado, viemos da Rússia/Polônia/ Alemanha e, do outro, Portugal. Fiz dois anos de Ciências Sociais no IFCS da UFRJ, antes de migrar para o Bacharelado em Canto/Música na mesma UFRJ, onde também fiz mestrado. Meu doutorado, dedicado ao nascimento da opera no Brasil do século XIX foi no Kings College de Londres, com bolsa da Capes”.
JP – Como se deu o seu interesse pela música?
Não tenho família de músicos. Mas, desde cedo, ficava fascinado pelos desenhos animados em que havia ópera e cantores. Adolescente fui cantar em coros, depois estudar teatro e canto… em pouco tempo abandonei o estágio num centro de estudos afro-brasileiros e os planos de ser diplomata. Segui minha vocação na arte.
JP – Você realizou a sua graduação em música na Escola Nacional de Música da UFRJ. Como foi a sua experiência? Quem foram os seus principais mestres? Como estava estruturado o currículo da Escola?
Falei um pouco disso acima. O currículo estava estruturado de forma diferente, seguindo padrões da época que, acho, prestigiavam por exemplo mais a performance do que a pesquisa. Hoje o currículo é bem mais amplo e prepara o aluno melhor para um mercado de trabalho feroz e limitado. Tive Leda Coelho de Freitas como professora de canto, e foi ela quem abriu todo um repertório de música de câmera, e a importância do texto, do libreto e da interpretação. Havia bons professores e outros…menos bons. É natural. Não acho que o curso dependa unicamente da UFRJ: depende também da dedicação do aluno, de sua curiosidade pelo mundo acadêmico e por pensar fora da caixa. Quem entra num curso desses pensando que vai ser uma grande diva, ainda mais no Brasil, está fadado a decepção; quem entra com o compromisso de viver da arte e para arte, tem mais chance de se encontrar. Sempre preocupei em me inscrever nas matérias com os melhores professores, mesmo quando isso significava acordar às 5am para estar nas aulas às 7am, e passar o dia inteiro na Escola de Música até a hora de ir fazer curso de teatro na Tijuca, com o Walmor Chagas (e as aulas terminavam as 23hs….era duro). A parte boa desse tempo todo é que pude me enfurnar em lugares mágicos como a BAN (Biblioteca Alberto Nepomuceno), estagiar ali ajudando a arrumar o precioso acervo — e aprendendo muito sobre repertório. Quando fui me especializar em Londres, num dos maiores e mais importantes teatros de ópera do planeta, todos se surpreendiam com o tanto que eu conhecia de repertório.
JP – A sua pós-graduação foi realizada no exterior. Por que você priorizou esse viés internacional na complementação e especialização da sua formação?
Quando fui me especializar no exterior, e antes disso em diversas experiências profissionais lá fora, percebi que a ópera no Brasil era algo como quase que totalmente desconhecida. E havia muito pouca literatura sobre o tema. Eu queria escrever um grande trabalho moderno sobre o nascimento da ópera nacional — mas fazê-lo em inglês para q estivesse disponível para mais pessoas e pesquisadores
JP – O que define um texto de ópera? Quais são as suas características?
Vc se refere ao Libretto? Isso é uma pergunta que só o compositor pode explicar. Eu “apenas” interpreto, trago à vida… mas quando vou escolher projetos, o libreto é algo importante na minha escolha.
JP – Quais são os compositores de ópera que você mais admira, seja a nível internacional, seja a nível nacional?
Gosto muito de Janacek e de Strauss. Acho o trabalho intelectual de Wagner genial, assim como toda escola alemã do século XX. Mozart e Puccini moram no meu coração— mas meu “pecado oculto” é Berlioz…
No Brasil, impossível não falar de Carlos Gomes. Dentre os vivos, já trabalhei com uma dezena de compositores; o Ripper é o que mais me emociona.
JP – Um dos pontos altos da sua carreira foi a montagem de Tristão e Isolda. Como foi montar essa ópera? E, no seu ponto de vista, o que fez a sua montagem ser aclamada pela crítica?
Tristão foi algo totalmente imprevisto. Eu tinha apenas terminado o PhD e vim ao Brasil passar um feriado com meus pais e ensaiar duas semanas em Belo Horizonte…uns dias antes de voltar a Europa, o maestro Malheiro, do Festival Amazonas me liga perguntando se podia assumir a produção…em 48h! E lá fui eu. Foi mágico. Não saberia dizer o q fez ela ser tão bem sucedida mas acho que ter ao meu lado Malheiro e os cantores Eliane Coelho e Leonardo Neiva foi muito inspirador. No mais, optei por fazer algo simples e com todo coração.
JP – Em novembro próximo no Theatro Municipal será montada a ópera La Traviatta. Como está sendo realizado esse projeto? Quais as novidades que você está trazendo em sua montagem?
É um grande desafio. Eu fui diretor do Municipal por duas vezes, entre 2017 e 2020, e sempre escutei esse desejo; mas sempre tive receio de abordar o título. Foi a coragem do Eric Herrero em peitar o desafio de encenar esse grande título, ausente do Rio há 20 anos, que fez o projeto materializar!
Está sendo muito prazeroso o período de ensaios; tanto pela parceria com o cenógrafo Renato Theobaldo e o figurinista Marcelo Marques, quanto a relação com coro e balé.
A montagem traz novidades, apesar de ser solidamente enraizada no clássico e na estética do século XIX. Acho que a inovação vem em algumas propostas de leitura da obra, mais à luz das questões do nosso tempo.
JP – Você concorda que a ópera no Brasil ainda é uma produção cultural que atende a um público especializado, letrado? Quais iniciativas deveriam ser tomadas para a sua popularização?
Discordo totalmente. A ópera é popular em sua génese, e só precisa que existam mais iniciativas para dar acesso e estimular o gosto pela ópera. Infelizmente, as pessoas são expostas a música de massa e nem tem a chance de gostar de algo diferente.
JP – Quais são os seus projetos futuros? E, para finalizar, deixe uma mensagem para os futuros compositores
Depois da Traviata tenho uma ópera fantástica, Rusalka, do tcheco Dvorak (que completa 120 anos em 2024). Será minha estreia na Espanha, e há planos do espetáculo vir ao Brasil também. Depois, retorno ao Festival Amazonas de Opéra para encenar Fedora, uma história de espiões de GIORDANO.
Aos diretores jovens eu só posso aconselhar estudar, estudar e estudar. Ópera é uma grande arte e não merece ser feita de forma superficial. Quanto mais música e idiomas você souber, melhor vai servir à arte.