
Essa semana fui mergulhar no universo da multiartista Deborah Finocchiaro. Ela estreou no teatro em 1985. Bacharel em Interpretação Teatral no DAD / UFRGS (1992), já participou de centenas de trabalhos como atriz no teatro, cinema e televisão. É também diretora, locutora, produtora, mestre de cerimônias, apresentadora, roteirista e ministrante. Ao longo de sua carreira, recebeu 36 prêmios, entre eles 9 de Melhor Espetáculo, 20 de Melhor Atriz, 2 de Melhor Direção, 1 de Melhor Texto Adaptado, 1 de Melhor Roteiro e 3 como Melhor Artista de Teatro. Nosso animado papo visitou um pouquinho desse universo tão maravilhoso dessa multiartista. Confira!
JP – Como surgiu o projeto da peça Caio do Céu?
Surgiu em 2015, a partir de algumas leituras de seus textos que fiz para a Associação dos Amigos de Caio Fernando Abreu em Porto Alegre. Lá também conheci sua irmã Márcia, que foi um estímulo muito importante para a iniciativa da montagem. Primeiro estreamos, na Feira do Livro de Porto Alegre, um formato literomusical intitulado “Caio em Construção”, que inclusive mantemos até hoje. Quem compartilhava a cena comigo, era o músico Fernando Sessé, que assina grande parte da trilha da peça e participou da montagem até 2023. A partir daí veio a vontade de montar a peça “Caio do Céu”, chamei então o grande diretor e amigo particular de Caio, Luís Artur Nunes para assinar a direção e estreamos em janeiro de 2017 na abertura de um importante festival, o Porto Verão Alegre, no Theatro
São Pedro.
JP – Como se deu o processo de seleção de textos e vídeos de Caio Fernando Abreu?
O que vem norteando as minhas escolhas artísticas há alguns anos, é a absoluta crença na arte como caminho de questionamentos e transformações. Através das palavras de Caio Fernandes conseguimos dizer tanto, tantas coisas que me parecem totalmente relevantes de serem ditas, escutadas, refletidas, compartilhadas. A atualidade do trabalho de Caio F. é impressionante, tanto que, mesmo depois de sua morte, carrega uma legião de leitores.
O que elegi como critério para a seleção dos textos, diante da vastidão de seus escritos, foi priorizar parte da obra que valoriza a vida, apresentando também uma face pouco conhecida do autor: um homem vibrante e solar, que se revela desperto para o milagre da existência diante da iminência da morte – muitas vezes abordada com humor e
profundidade. A partir daí, trouxemos crônicas como “Zero Grau de Libra”, “Quando Setembro Vier” e “Verão de Julho”, um poema que virou canção e que chamamos de “Alento”, “Carta para além dos Muros”, contos do livro “Morangos Mofados” como “Diálogo do Companheiro” e trechos de “Sobreviventes” (escolhido principalmente porque eu o dizia em 1985 quando atuei na peça Morangos Mofados, que o próprio Caio assistiu). Também
faz parte do roteiro uma peça curta intitulada “Joãozinho & Mariazinha”, de autoria de Caio e Luís Artur Nunes, diretor de CAIO DO CÉU, duas músicas de minha irmã Laura Finocchiaro com letras de Caio F., frases emblemáticas e trechos de suas entrevistas, tanto ditas por nós – duas artistas mulheres -, quanto pelo próprio autor através de projeções. Em CAIO DO CÉU, não representamos a persona física de Caio, mas simplesmente somos o seu porta-voz.
JP – Qual é a importância da obra de Caio Fernando Abreu?
Impossível ler Caio F. sem enxergá-lo, sem senti-lo, ele é visceral, sincero, confessional, um biógrafo do emocional, um fotógrafo da fragmentação contemporânea, um tradutor do seu tempo. Escreveu principalmente sobre o tema que mais lhe despertava a imaginação: a condição humana. Caio F. dá espaço às minorias, às diferenças, aos seres que não se ajustam ao status quo.
Caio Fernando Abreu (1948/1996), foi ator, dramaturgo, jornalista e escritor. Traduzido para o alemão, espanhol, francês, inglês, italiano e holandês, mesmo depois de sua morte, segue conquistando uma incrível legião de fãs. Suas frases e pensamentos são compartilhados incansavelmente nas redes sociais por jovens e adultos que reconhecem a
profundidade e atualidade da sua obra.
JP – É a primeira vez que vocês encenam uma peça sobre o Caio?
Não, minha segunda peça, em 1985, foi “Morangos Mofados”. A direção era de Luciano Alabarse, amigo de Caio. Inclusive Caio F. assistiu.
JP – Quais são os principais temas que o Caio Abreu trabalha e vocês trouxeram para a
peça?
A condição humana, o preconceito, o HIV e como ele lidava com a doença, a desigualdade social, a iminência da morte – muitas vezes abordada com humor e profundidade, o mal-estar do homem que se quer livre diante de uma sociedade fraturada, conservadora e preconceituosa. E principalmente a valorização da vida.
JP – Você pode falar sobre a peça Caio em Construção?
“Caio em Construção” é um formato “pocket” de “Caio do Céu”, que nos possibilita apresentar em diferentes espaços. Transpõe o universo de Caio Fernando Abreu para o palco através de vozes femininas, de crônicas, cartas, contos, poemas, depoimentos, música ao vivo e projeções. Traz para a cena o próprio autor, por meio de vídeos, com
trechos de suas entrevistas. Tanto “Caio em Construção”, quanto em “Caio do Céu”, o elenco não se propõe a
representar a persona física de Caio, mas ser o seu porta-voz, investindo no trabalho físico e sonoro para ser o canal por onde passam as palavras, as reflexões, as imagens deste que é um dos grandes autores da literatura brasileira.
JP – Qual é a atualidade do pensamento do Caio?
Sua obra traz questões extremamente atuais, como o mal-estar do homem que se quer livre diante de uma sociedade fraturada, conservadora e preconceituosa. A maioria dos textos poderiam ter sido escritos hoje.
JP – Quais são os projetos para o ano de 2025?
Montagem da peça CONFESSIONÁRIO – RELATOS DE CASA, sobre violência doméstica e de gênero baseado em fatos reais. A proposta parte da websérie homônima, criada pela Companhia de Solos & Bem Acompanhados em meio à pandemia em 2020. A websérie já conta com trinta episódios (gravados em 2020, 2021 e 2023), cada um com uma atriz trazendo um relato real, divididos em quatro temporadas, todos com recursos de acessibilidade – audiodescrição, Libras e legendas para surdos e ensurdecidos – e abertos no canal (www.youtube.com/
tema da concentração de riqueza e suas consequências. A peça traz a questão da riqueza extrema, propondo uma reflexão sobre a realidade contemporânea, uma era marcada pelo aprofundamento das desigualdades, pela intensificação da exploração do trabalho, pela devastação ecológica, pelas guerras e crises contínuas. A dramaturgia se baseia nos livros RICOS, PODRES DE RICOS e CARÍSSIMOS RICOS, de Antonio Cattani, em diálogo com
textos de autores que tratam dessas temáticas, como Ailton Krenak, Lilian Rocha, Noam Chomsky, Fritjof Capra e textos autorais. De forma bem humorada, a montagem discute temas que afetam toda a sociedade, numa linguagem acessível para todos os públicos;
Circulação da peça BAILE DAS LETRINHAS, a partir do livro infantil homônimo de Deborah Finocchiaro, em bairros periféricos e comunidades da cidade de Porto Alegre/RS;
Como a COMPANHIA DE SOLOS & BEM ACOMPANHADOS traz em seu repertório diferentes montagens e projetos, seguiremos com apresentações das obras citadas acima além de BENÇÃO POETINHA, um show literomusical a partir da obra de Vinicius de Moraes, com a cantora Re Adegas, o maestro Pablo Trindade e Deborah Finocchiaro;
MENINA DE TRANÇAS E CABELOS BRANCOS, um espetáculo manifesto com três mulheres artistas, que apresentam obras da poeta e musicista Lilian Rocha, uma das principais vozes da literatura afro-brasileira no Rio Grande do Sul. Com Gabriela Lery, Lilian Rocha e Deborah Finocchiaro;
DESCARTADA – DIÁRIO SECRETO DE UMA SECRETÁRIA BILÍNGUE, uma tragicomédia que reflete profundamente sobre a alma humana, o envelhecimento, a menopausa, a descartabilidade contemporânea e a sede de viver, usando o humor, mas também a reflexão como ferramentas. Com Deborah Finocchiaro. Direção e dramaturgia de Vinicius Piedade e Deborah Finocchiaro;
SOBRE ANJOS & GRILOS – O UNIVERSO DE MARIO QUINTANA, um espetáculo lírico, cômico, poético – no qual uma atriz, numa junção entre a fala, o gesto, a poesia, as artes plásticas e a música, conta, interpreta e canta textos e poemas de Mario Quintana, revelando não apenas o Mario confessional e lírico dos poemas, mas sua face pouco
conhecida: a das entrevistas e das frases agudas e desconcertantes que questionam os valores da sociedade, da vida e da morte. Este espetáculo estreou em 2006 e vem percorrendo o país, participando de temporadas, projetos e festivais nacionais e internacionais, conquistando inúmeros prêmios e plateias de todas as idades e de diferentes
classes sociais.
SARAU VOADOR-LITERATURA E IMPROVISOS TRANSCRIADOS , um projeto versátil e itinerante, que desde 2018 reúne diferentes manifestações artísticas em um encontro marcado pela liberdade criativa, pela colaboração e pela transposição de linguagens.
Contando sempre com convidados, o evento compartilha com o público os diversos olhares e leituras sobre um determinado tema, obra ou criador. Uma construção conjunta e participativa entre anfitriões, convidados e plateia, como no lema do sarau: “Junta todo mundo que é pro mundo melhorar”.